Liza Alvernaz
AMOR INVENTADO
Havia um tempo em que víamos o futuro com o mesmo olhar. Onde os planos eram um só. Onde nomes de futuros filhos eram rabiscados em um papel qualquer e, uma casa desenhada na imaginação.
Havia um tempo em que éramos um só... Mesmo embebidos de diferenças gritantes.
Nos seus braços eu encontrava acalento e em seus olhos, esperança!
Havia um tempo em que todo tempo do mundo era pouco ao seu lado. Tempo em que não me preocupava em ser cuidada. Tempo aquele, em que eu não enxergava o entorno, e isso não era ruim.
Minha história foi desfeita, minha vida vivida por outra vida. E esperar já não é uma opção!
APENAS.
Se eu nunca vou mudar?
Não sei...
Pode ser que eu deixe de ser aquela que gosta de maquiagens leves, cabelo preso torto, e sapatilhas...
Talvez eu deixe de chorar a cada comédia romântica que assista, substitua os pijamas e meias infantis por algo mais propício à idade, e aprenda a ir ao cinema sozinha qualquer dia desses...
Pode ser que eu abandone as corujas, perca o medo de borboletas, passe a me orientar melhor no tempo e espaço, e ligue sem problemas pra delivery’s.
Não da pra garantir que sempre serei a que se sente torta de salto alto, que prefere barzinhos à balada, Cerveja à Champanhe...
Que desconfia de elogios, de gente boazinha e daquelas que são felizes demais!
Talvez eu venha aprender a adocicar as palavras, amenizar opiniões e organizar melhor as bagunças emocionais...
Não tem como saber se sempre vou morder o canto da boca quando intimidada, ou arquear a sobrancelha quando intrigada.
Se vou continuar gostando de batata-frita com sorvete e infinitamente de pipoca...
Se vou amar Beatles pra sempre e continuar sem dormir de luz apagada após cada filme de Terror...
Não sei...
Só sei que me acostumei a ser eu... E gosto.
Só sei que quando costumo ser eu, vejo que você, eu nunca soube quem foi!
BAGAGEM
Acordo cantarolando uma intenção frustrada de “Yesterday”... Programo meu dia distraindo-me com uma xícara de café. A animação é incomum ao horário.
O vento forte lá fora enrola meu cabelo no fone do celular. Quase atrasada, repasso essas cenas na cabeça e tudo me remete a um comercial qualquer!
A fragilidade do momento me leva ao tempo em que qualquer conselho era guardado, unidos aos pré-julgamentos e opiniões que muitas vezes vinham e dilaceravam...
Hoje, diminuí os saltos, desfiz-me dos pensamentos negativos e abdiquei das dores desnecessárias.
Não ouço os lamentos alheios, a menos que haja intenção de mudança.
Urgências não têm mais espaço no dia-a-dia.
Troquei, definitivamente, ‘achismos’ angustiantes por certezas confortantes.
Saudades foram dispensadas.
Porque, na bagagem de hoje, só carrego o que não pesa!
COISA DE MENINA
Quando nasci, minha mãe me deu o nome da minha bisavó, figura feminina da qual todos se orgulhavam.
Mãe, avó e esposa exemplar, bisa Eliza levou um casamento até o fim, como manda os bons costumes do matrimônio “perfeito”: ‘Até que a morte os separou’. Sofreu ameaças, agressões e gritos de um marido agressivo e alcoólatra. Mas, “como deve ser”, nunca cogitou uma separação.
Doce, bondosa, religiosa, mãe de oito filhos. Assim era a mulher que inspirou meu nome.
Já nos primeiros dias de vida, ganhei pulseira de ouro e um par de brincos. Coisa de menina.
Antes mesmo de aprender a falar, já tinha dezenas de bonecas.
Minha mãe gostava de fotografar cada passo meu, e, para isso, contratava um fotógrafo profissional. Trocas de roupa, penteados e vários batons a cada foto.
Tive coleção de Bonecas Barbie, milhares de roupinha, sapatinhos, bijuterias... Tive todas as coisas de menina.
Minha avó me proibiu de brincar na rua o quanto pode. Porque isso não era coisa de menina.
Menina tinha que brincar em casa. Com as amiguinhas. De casinha, comidinha, mamãe e filhinha!
E assim foi. Até meus onze anos.
Foi aos onze que descobri a rua. Foi aos onze que descobri que além das panelinhas, havia um mundo de brincadeiras e diversão!
Foi quando descobri as trilhas de bicicleta, os inúmeros ‘piques’, o jogo de Taco, bolinha de gude e o rolimã.
Foi quando percebi que eu era flamenguista e o que isso de fato significava. Foi quando eu descobri o que era um pênalti e um gol olímpico.
Anos depois, grávida, vi minha vida se encaminhar sem que eu me desse conta. Perdi as rédeas e as coisas aconteceram, simplesmente.
Montei casa, me mudei e voltei a brincar de casinha!
Uma brincadeira que me sufocava a cada dia. Daquelas que dá vontade de guardar tudo numa caixa e não brincar nunca mais. Deixar lá no alto do guarda-roupa, até mofar e ir pro lixo.
Não durou muito. Não havia como durar.
Levou tempo, mas hoje entendo com perfeição. Eu não cabia naquele lugar, naquela vida. Aquela brincadeira já não me servia mais. Eu queria as trilhas e o rolimã!
Separei.
Queria trabalhar em algo que pudesse fazer diferença na vida das pessoas. Estudei, me formei.
Hoje, sou Pedagoga, com dois empregos públicos, e mãe do Arthur, com oito anos.
Nenhum marido.
Não lavo, não passo, não cozinho, não limpo!
Sou um desastre para encontrar coisas, e um maior ainda para manter arrumações.
Esqueço roupa no chão do banheiro, toalha molhada em cima da cama, sapato no meio do caminho! Tomo iniciativa em relacionamentos, pago a conta, pego o telefone, no fim da noite, sou eu quem vou pra casa!
Minha avó tem Alzheimer avançado. Quase não reconhece ninguém. Mas, ao me ver, sempre pergunta: “Quando você vai casar?”
Lido com olhares de lamento de amigas, que torcem para que eu me case,trabalhe menos, tenha mais filhos...
Hoje sei que posso me casar sim, mas que isso não implica em voltar a brincar de casinha. A certeza de que não preciso mais das panelinhas, me traz leveza.
De minha bisa, apenas o nome. Dos ensinamentos da infância, a certeza que posso ser o que eu quiser.
Entre bonecas e rolimãs, futebol e novela, sigo sendo o que sou, sem necessidade de aceitação externa e com a certeza que nada disso me faz menos ‘menina’. Pois coisa de menina é tudo que a menina quiser!
INABALÁVEL
Ela tinha histórias decoradas.
“A menina da ponte” e o “pintinho cheio de amigos” são exemplos.
Ela ajoelhava e olhava em meus olhos para falar, em um tempo em que Super Nanny nem sonhava em ensinar esta tática.
E tinha o mais doce jeito de repreender.
Ela não precisa perguntar para saber que eu só tomava o Nescau, gelado. Sabia o aniversário da minha melhor amiga e me ensinou o “Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador...” quando eu ainda nem sabia o que significava direito cada palavra.
Foi ela quem leu meu livro preferido da infância pela primeira vez. E também quem o releu incansavelmente.
Ela que se dividiu em duas para cozinhar comigo no colo diversas vezes. Quem me penteou para a escola e tentou me ensinar que “meninas boas casam-se com bons meninos”...
Hoje, ela não sabe que essa lição eu não aprendi como deveria...
Não sabe que, todos os dias, antes de dormir, eu me lembro daquela
oração...
Não sabe que nunca mais tomei um Nescau na temperatura ideal...
Nunca mais ouvi histórias inventadas com tanta magia...
Aos poucos, mudei de nome... Ficou difícil acertar!
Minha avó, aquela de dezenas de atividades, hoje mora num mundo que ninguém mais participa. Ninguém vê, ninguém entra, poucos se importam!
Minha avó, já não sabe que é minha avó.
Mas eu vou sempre saber que ela foi, e é, a melhor que já existiu!
PRINCESA DO AVESSO
Querido Príncipe Encantado,
Faz tempo que me disseram que você viria. Minha teimosia e mania de contrariar, me fizeram desacreditar.
A ideia de esperá-lo nunca me coube bem.
E nessa “não-espera”, fui esbarrando com sapos, e fazendo deles, príncipes.
Nunca um cavalo branco, tampouco espadas e escudos. Sem campos floridos e pássaros. Entre uma troca de olhar no bar da esquina e um esbarrão numa avenida qualquer, fui traçando com perfeição minha bagunça emocional!
Aquela linha tênue entre o querer e o fazer, que não funciona tão bem fora da “caixa”.
Pois bem, Seu Príncipe, a diversão perdeu a graça, a espera fez-se presente, e hoje escrevo para avisá-lo que venha logo.
Não se esqueça de que acordo de mau-humor, só funciono depois do meio-dia, não durmo a noite, trabalho muito, e amo esse trabalho com a mesma intensidade que reclamo dele. Sim, sou um conjunto de paradoxos e ambiguidades.
Leio Fernando Pessoa, discuto Platão, parafraseio Nietzsche e me “sacudo” ao som de Quadradinho de 8.
Gosto de pessoas, de discussões de mesa de bar, da mesma forma que preciso ficar sozinha, na única companhia do meu computador.
Mas você vai entender, já que é o Príncipe Encantado...
Também não esquece que não gosto de flores, que as troco por cactos... Que uma cerveja no boteco da esquina pode ser melhor recebido que um jantar naquele restaurante caro.
E que eu vou achar que você morreu de uma bala perdida cada vez que não responder alguma mensagem, e que provavelmente vou esquecer-me de datas importantes e comemorativas. Você terá de me lembrar antes, e você o fará, afinal, você é “aquele cara”.
Sou mimada, faço bico e bato pé. Levo uma discussão até o fim e admiro aqueles que me convencem...
Se gritar, vou chorar e possivelmente irei embora. Na falta do que dizer, um abraço é suficiente. Nada melhor que um sorriso pra me dobrar...
Mas, você já sabe de tudo isso, afinal, você não é só mais um...
Então, venha!
Um beijo,
aquela!