Line Lua
Sobrevivendo
E eu sobrevivia intensamente naquela liberdade doente de múltiplos sorrisos e lágrimas cristalizadas que tornavam-se estrelas a cada lua que passava
É quando o final se torna prólogo que fica evidente a prepotência com a qual travei a minha luta. É quando percebo que o que mais quero é aquilo que me orgulho em renegar é que sobe a tona a minha fragilidade. E esse é o exato instante em que a força que tento sempre demonstrar se torna a minha maior fraqueza.
A Dama
Assumo a loucura que me imputam. Todas elas.
O rótulo dos amigos com bons olhos, o da família, o da sociedade, e o de toda a turma da psiquiatria.
Assumo a loucura, mas não a consciência da loucura, pelo menos não a consciência plena que ultrapassa o diagnóstico e se aprofunda na psiquê.
Assumo a loucura diagnosticada mas não a visão de mim mesmo como tal. Talvez seja aí que se encontra a gravidade da coisa, ou não.
Queria mesmo era alguma explicação. Tudo me parece tão louco, tão do avesso em contraste com a minha exclusiva sanidade, que me faz questionar se sou eu, ou o resto do mundo que enlouqueceu. O pior de tudo é que o fato de passar pela minha cabeça que pode ser eu a louca, já demonstra um mínimo de sanidade mental. Ou não? O que me incomoda é a dúvida, a incerteza.
Assumo a loucura. Tudo bem! Mas ao assumir a loucura, presumo instantaneamente que esse é um ato de uma pessoa sã. É nesse ponto que minha cabeça começa a doer e me sinto como a Dama do baralho, dividida em duas. Cabeça pra cima, cabeça pra baixo, sem saber qual é a real e qual é a imagem refletida. Isso me parece sintoma de loucura, mas como tive a consciência e a plena capacidade de analisar minha própria loucura, me sinto sã.
Acho que é hora de parar. Tire suas próprias conclusões se quiser. Quanto a mim vou tentar ficar bêbada (só por hoje) para ter ao menos um momento de certeza nessa minha existência incerta. Bêbados são sempre bêbados e nada mais.
BIG BANG
Provocada pelo filho do vento
Disforme e rejeitado
A partir da erupção quente e densa
Do vulcão dantesco
A expansão dos meus dissabores
Arranca minha pele
Dilacera minha carne
Deixa expostos meus temores.
Com a alma em carne morta, eu existo
Nascida da explosão vazia
Que ecoa num grito expressionista
Da arte demente de Munch
E percorre, tortuoso, o papel
Misturando letras com lágrimas
De água e óleo na pedra calcária
Imprimindo meu pesar
Em recitativa ária
De uma diestesia evoco o grande Shaman
Que cala todos os sinos para que eu vire poeta
Transformando em arte a minha agonia
Porque o Big Bang da Alma é a poesia
IMORTAIS
No fim do arco multicolorido
da Mensageira de Hera
Me aguardava leviano
O anjo que combinava o som com o silêncio
Que sucedeu a morte dos filhos de Urano
A voz grave e melódica
De coração dissonante
Cantava o silêncio de força orquestral
Que profetizava o arranjo final.
O anjo enfermo que quer curar
E se cura
Almas expostas que sangram
E sangrando se misturam
Até se tornar singular
E a alma ensolarada e siamesa
Regra os excessos e duplica sua força
Surgida do vazio original
Amparada por Eros percorre do Caos ao Cosmo
Se tornando imortal.
MÚSICA ALTA
Ontem eu fui ao inferno em busca de aventuras
O som estava alto do jeito que eu gosto
O cheiro era morno, a cerveja era quente
Risadas histéricas, uma loira gelada
Dançando lindamente
O inferno acolhe em seus braços
Bancando o indulgente
As almas enfermas, de olhar embebido
Em água e sódio
Que carregam o triste sorriso do incoerente
E celebram para abortar o ódio
O inferno te envolve em um enredo
Te lambe sem segredo
Com sua língua bifurcada e repelente
Enquanto a vida, obediente
Segue o curso que seguiria se você não tivesse o medo
De viver e de ser gente.
Tudo o que você ama e preza
O inferno ignora
O vendedor do ingresso te despreza
Quem você amava, morreu
A bússula que te norteava
Agora só aponta para baixo
As crianças cresceram e não carregam nada seu.
Você agora é um morto-vivo
Que passa os dias olhando sua vida estagnada
Através de uma janela trincada pelo calor
Você não sente nada.
A música fica alta demais quando você quer descansar.
Pequenos raios dourados remanescentes do falso brilho do sol, arrancam alegria da amargura e personificam o quantum de amor que exite em todo o ódio.
Inocência que sai pelos poros da luxúria frívola daquilo que deveria ter sido amor, mas não foi, para não ocupar o lugar da doçura quente, tardia e atemporal que traz à tona a verdadeira insanidade que é o amor confrontado à realidade.
Insones conversas
Insones conversas desencaminhadas
Que mudam a vida e não levam à nada
Só eu e você enquanto a noite vira madrugada
Eu, você e nossa vida em pauta
Soluções na bandeja
Teoria musicada
O amanhecer transforma
Os garranchos em vida
jogando no lixo a certeza lírica
Da poetisa que se conscientiza
Que só o que sabe
É tornar arte
Palavras difíceis
Que nunca sentiu
Triste essa artista
Que fez do papel
Seu coração
Triste essa artista
Que recebeu o dom
De emocionar
Sem emoção
Insones conversas desencaminhadas
Que mudam a vida e não levam a nada
Que tentam viver e se perdem na estrada
É nas falácias da madrugada
O único momento em que me encontro
Desarmada
E eu, menina, sempre tão desalmada
Assumo que tudo não passa de medo
De não ser amada
Triste essa artista
Que fez do papel
Seu coração
Triste essa artista
Que recebeu o dom
De emocionar
Sem emoção
ENQUANTO OS ANJOS DORMEM
O adormecer dos anjos
Desperta o desejo sonegado.
Declinamos corpo, alma e espírito
Aos prazeres do pecado.
Libertos desse dogma,
Desobrigados da culpa,
Atraídos e embriagados
Ofertamo-nos à divindade
Que habita o ser amado
O despertar da sutileza amaldiçoada
Faz desabrochar a flor nascida
Nas pegadas de Buda Gautama
Que nos conduzem ao Éden,
Entorpecem
Para atingirmos juntos o Nirvana
Enquanto lá fora os espelhos se partem, escuta por favor o meu abraço, que sai detrás da máscara que me cala gritando o amor aprisionado no coração de gelo, agora derretido, pingando as lágrimas que eu queria chorar e não consigo porque a máscara que ostento é blindada, feita para fazer com que os sentimentos me corroam por dentro.
Escuta meu abraço porque ele é a única coisa que me restou.
Tudo me parece tão louco, tão do avesso em contraste com a minha exclusiva sanidade, que me faz questionar se sou eu, ou o resto do mundo que enlouqueceu
No fim das contas nós mulheres queremos, sim, dignidade, respeito, nosso lugar no contexto social... mas não passamos de um bando de mulherzinhas. (Só que mulherzinhas independentenzinhas financeiramente, mulherzinhas, profissionaizinhas qualificadas, mulherzinhas cientes dos seus direitos sociais, políticos, ecônomicos, mulherzinhas com voz ativa diante da sociedade, ainda que uma voz doce e meiga).
Cada um está aqui por um motivo, cada um tem sua própria guerra interna para travar. É esse pensamento de grupo que atrasa o avanço da humanidade. De fato somos um grupo e devemos nos ajudar, nos dar as mãos e tudo o mais. Esse é o grande papel da família, da amizade, dos amores: o dar as mãos. Mas essa mão tem que vir apenas para confortar ou para fazer a pessoa que cai, levantar. Mas o caminho, cada um tem que seguir o seu.
Nos preocupar com a opnião alheia já é rotular os demais, os que tem opnião contrária, como errados e, se estão errados, são indgnos de serem levados em consideração. Bom, para quem não sabe, todos nós estamos errados, em algum ponto, certos em outro...tudo dependendo do referencial, do momento, da história. Posso ter errado uma vida inteira e de repente resolver acertar. Nossas escolhas são feitas a todo momento, a vida é dinâmica, fatos acontecem a todo instante e um simples gesto, um pequeno sentimento que aflora pode mudar toda uma história.
Eu acredito nas pessoas, por pior que elas sejam, porque o que é pior ou melhor está dentro do saco da ilusão. É preciso acreditar. É preciso, antes de mais nada, acreditar em nós mesmos e enxergarmos o nosso próprio lugar no mundo já que cada um irá me enxergar da forma como bem entender, como suas experiências anteriores permitirem.
Individualização do pensamento e consciência de nós mesmos enquanto um ser cheio de falhas e em constante evolução. Evolução esta que só acontecerá quando nos abstrairmos das diversas opiniões a nosso respeito e tecermos nossa própria opinião, mas uma opnião sincera, crítica. Nós sim podemos e devemos julgar a nós mesmos. O julgamento da pessoa pela própria pessoa não é como o julgamento alheio, superficial, que nada constrói, só maltrata, rotula, menospreza.
Eu individualizei meu pensamento para poder acreditar em mim mesma. A tristeza foi meu ponto de partida para que eu acredite que posso aprender. Nada é fácil, nada é certo, nada está errado. Apenas eu sei o que devo fazer, em que sentido amadurecer e ninguém pode me dizer o que fazer porque todos que estão nesse mundo estão tentando se encontrar. Por isso gosto dos tortos, dos errados, porque esses são os mais sinceros, os mais corajosos, os que se mostram. Aqueles muito perfeitos usam máscaras.
Vou permanecer com o que eu tenho de melhor: meu otimismo, minha vontade de viver e minha coragem em admitir que errei quando eu errar, em admitir que preciso de ajuda quando eu precisar, que não sei o que fazer quando eu não souber, que amo mesmo quando eu já não for amada.
Somos mestres em rotular, qualificar, somos juízes, conselheiros. Sabemos tudo o que é de melhor para a vida do próximo, mas carregamos dentro de nós, nossa própria dor que não sabemos como curar.
Está certo que o homem é um animal gregário, mas o pensamento deveria ser individualizado. Nos importar com as opiniões alheias é o que tolhe nossa liberdade. Somos capazes de amar, de perdoar, de cair e levantar, mas quando as aparências entram em jogo, tudo isso se torna impossível e passamos a agir baseados em regras e padrões de conduta imposta por baratas tontas que não sabem o que vieram fazer aqui, o que vieram buscar.
Distorção da percepção. É dessa forma que vivemos, com a percepção distorcida. Nem mesmo sabemos responder perguntas básicas como: O que somos? De onde viemos? Pra onde vamos? Não temos a percepção nem de nós mesmos e nos achamos bons o bastante para julgar os outros. Decidimos em quem vamos acreditar e taxamos a opinião diversa àquela que escolhemos, como uma opnião mentirosa. Rótulos!
Encontra-se morto aquele que era imortal. O sangue verte incessantemente por dias a fio Enquanto o gelo derrete molhando o chão de vidros estilhaçados e papéis enrolados. A roupa suja e amassada se multiplica em torno de pedaços de madeira que já não servem pra nada. Acordo no escuro procurando respostas para pergunta nenhuma e tudo que encontro são restos de cerveja quente misturada com cinza de cigarro. O mel cristalizado já não adoça mais a vida e me obriga a vestir a fantasia daquilo que nunca fui, mas sou, ainda que apenas superficialmente. Visto-a, então, e sigo pela selva da obstrução em direção à liberdade que me aprisiona diariamente e eu, meio que inconsciente, sufoco meus dramas, piso na grama e viro engrenagem. Acordei de péssimo humor.
Há quatro horas da liberdade do corpo, a mente já percorre vales de fogo.
A fotografia é fria mas a verdade transpira implorando um gole da garrafa vazia.
Uma cerveja e uma pinga, são a chave que abre a algema.
Uma volta de carro, depois um cigarro e aí tudo bem.
O balcão e o banquinho, esse sim é o caminho que busquei a semana inteira esperando a sexta-feira.
Espero o momento perfeito do sol encontrando a lua promovendo o encontro dos amigos de sempre que percorrem a estrada do zodíaco para brindar e respirar o ar seco e empoeirado de Brasília, do Cerrado, até a lua encontrar o sol.
A liberdade gelada do fim de semana me chama, aos gritos, aos berros, mas ainda estou presa em um sistema falho, de paisagem bucólica e ares de retidão.
Mas quando quebrarem-se os grilhões,as estrelas se apagam e a luz do seu isqueiro é a única que eu vou ver.
Passo a semana inteira esperando a liberdade e a minha liberdade é me prender à você.
Ora, a felicidade é feita de instantes e não se pode mensurar o quanto ela vai durar. Temos que ser feliz agora, depois a gente tenta ser feliz mais um pouquinho, amanhã a gente tenta de novo, depois de amanhã é feliz por outro motivo, na sexta a gente bebe, no sábado toma um porre, no domingo vamos para o bar do Roberto, e assim a gente vai tentando levar uma vida feliz.