Lima Barreto

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É mais decente pôr a nossa ignorância no mistério, do que querer mascará-la em explicações que a nossa lógica comum, quotidiana, de dia-a-dia, repele imediatamente, e para as quais as justificações com argumentos de ordem especial não fazem mais do que embrulhá-las, obscurecê-las a mais não poder.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

De onde em onde, ela punha os olhos sobre mim, denotando uma grande vontade de me adivinhar, e eu fugia deles com medo de me trair.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

Seu olhar, sempre enxuto e polido, tinha alguma névoa úmida, uma angustiosa expressão de dor de quem não sabe ou não quer chorar.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

Havia-me preparado para todas as eventualidades da vida. Imaginei-me amarrado para ser fuzilado, esforçando-me para não tremer nem chorar; imaginei-me assaltado por facínoras e ter coragem par enfrenta-los; supus-me reduzido à maior miséria e a mendigar; mas por aquele transe eu jamais pensei ter de passar. Como é difícil controlar o amor.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

Nota: Não foi possível confirmar a autoria da última frase.

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E nesse amor havia bondade, simpatia de homem para homem, independente de interesse e parentesco.

Lima Barreto

Nota: Versão adaptada de trecho de "O Cemitério dos Vivos"

Falta-lhes crítica, não só a mais comum, mas também a necessária do grau de certeza da experiência e dos instrumentos em que as refazem.

Lima Barreto
O Cemitério dos Vivos

Não é só a morte que iguala a gente. O crime, a doença e a loucura também acabam com as diferenças que a gente inventa.

Quem uma vez esteve diante deste enigma indecifrável da nossa própria natureza, fica amedrontado, sentindo que o gérmen daquilo está depositado em nós e que por qualquer coisa ele nos invade, nos toma, nos esmaga e nos sepulta numa desesperadora compreensão inversa e absurda de nós mesmos, dos outros e do mundo. Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após.

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

- O Quaresma está doido.(...)
- Nem se podia esperar outra coisa, disse o Doutor Florêncio. Aqueles livros, aquela mania de leitura...
- Pra que ele lia tanto?, indagou Caldas.
- Telha de menos, disse Florêncio. (...)
- Ele não era formado, para que meter-se em livros? (...)
- Isto de livros é bom para os sábios, para os doutores (...)
- Devia até ser proibido, disse Genelício, a quem não possuísse um título "acadêmico" ter livros. Evitavam-se assim essas desgraças. Não acham?
- Decerto, disse Albernaz.(...)
Calaram-se um instante, e as atenções convergiram para o jogo.

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma
Inserida por usuario438345

Ele alegrou os outros e nunca teve alegria.

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

Esta vida é absurda e ilógica; eu já tenho medo de viver, Adelaide. Tenho medo, porque não sabemos para onde vamos, o que faremos amanhã, de que maneira havemos de nos contradizer de sol para sol... (...)
Além do que, penso que todo este meu sacrifício tem sido inútil. Tudo o que nele pus de pensamento não foi atingido, e o sangue que derramei, e o sofrimento que vou sofrer toda a vida, foram empregados, foram gastos, foram estragados, foram vilipendiados e desmoralizados em prol de uma tolice política qualquer...
Ninguém compreende o que quero, ninguém deseja penetrar e sentir; passo por doido, tolo, maníaco e a vida se vai fazendo inexoravelmente com a sua brutalidade e fealdade.

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. E o que não deixara de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo. Não brincara, não pandegara, não amara - todo esse lado da existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária, ele não vira, ele não provara, ele não experimentara. (...)
Importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. (...)
Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após.

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

- É bom pensar, sonhar consola.
- Consola, talvez; mas faz-nos também diferentes dos outros, cava abismos entre os homens...

Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma

Nós não somos nada nesta vida.

Lima Barreto
Clara dos Anjos
Inserida por pensador

O Brasil não tem povo, tem público.

O verdadeiro estado amoroso supõe um estado de semiloucura correspondente, de obsessão, determinando uma desordem emocional que vai da mais intensa alegria até à mais cruciante dor, que dá entusiasmo e abatimento, que encoraja e entibia; que faz esperar e desesperar, isto tudo, quase a um tempo, sem que a causa mude de qualquer forma.

Lima Barreto
Clara dos Anjos

A insatisfação é nossa lei. Ainda se fossemos grandes !...

Inserida por rapozovieira

A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o presidente.

Estabelecia que devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total.

Se Deus enxergasse pobre.
Não me deixaria assim:
Dava no coração dela.
Um lugarzinho pra mim.

É raro encontrar homens assim, mas os há e, quando se os encontra, mesmo tocados de um grão de loucura, a gente sente mais simpatia pela nossa espécie, mais orgulho de ser homem e mais esperança na felicidade da raça.

Casar, para ela, não era negócio de paixão, nem se inseria no sentimento ou nos sentidos; era uma ideia, uma pura ideia. Aquela sua inteligência rudimentar tinha separado da ideia de casar o amor, o prazer dos sentidos, uma tal ou qual liberdade, a maternidade, até o noivo. Desde menina, ouvia a mamãe dizer: "Aprenda a fazer isso, porque quando você se casar"... ou senão: "Você precisa aprender a pregar botões, porque quando você se casar..."

A todo instante e a toda hora, lá vinha aquele -- "porque, quando você se casar..." -- e a menina foi se convencendo de que toda a existência só tendia para o casamento. A instrução, as satisfações íntimas, a alegria, tudo isso era inútil; a vida se resumia numa coisa: casar.

De resto, não era só dentro de sua família que ela encontrava aquela preocupação. No colégio, na rua, em casa das famílias conhecidas, só se falava em casar. "Sabe, Dona Maricota, a Lili casou-se, não fez grande negócio, pois parece que o noivo não é lá grande coisa"; ou então: "A Zezé está doida para arranjar casamento, mas é tão feia, meu Deus!..."

A vida, o mundo, a variedade intensa dos sentimentos, das ideias, o nosso próprio direito à felicidade, foram parecendo ninharias para aquele cerebrozinho; e, de tal forma casar-se se lhe representou coisa importante, uma espécie de dever, que não se casar, ficar solteira, "tia", parecia-lhe um crime, uma vergonha.

De natureza muito pobre, sem capacidade para sentir qualquer coisa profunda e intensamente, sem quantidade emocional para a paixão ou para um grande afeto, na sua inteligência a ideia de "casar-se" incrustou-se teimosamente como uma obsessão.

Entre nós tudo é inconsistente, provisório, não dura.

Inserida por umabeatriz

O espetáculo do saber de meu pai, realçado pela ignorância de minha mãe e de outros parentes dela, surgiu aos meus olhos de criança como um deslumbramento”. (Recordações do Escrivão Isaías Caminha)

Inserida por Filigranas

Invadia-me uma indiferença, uma atonia, que me fazia viver sem me decidir a tentar o menor passo para sair da situação em que me achava.