Lêdo Ivo

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Leitor: co-autor do texto.

A maioria dos biógrafos empenha-se em explicar a obra a partir da vida, quando o correto é exatamente o contrário: trata-se de explicar a vida a partir da obra.

O poeta não deve crer nos anjos, mas nas palavras que os criam.

O grande escritor não precisa ser nem muito inteligente nem muito culto. A inteligência e a cultura são contudo indispensáveis nos escritores menores.

A poesia é uma criação da cultura, mas esta deve permanecer invisível no poema.

O meu leitor não é o que me lê. É o que me relê (caso exista). Um autor lido unicamente uma vez não tem leitores, por mais retumbante que seja o seu sucesso.

Nem sempre os grandes escritores são bons escritores.

Na vida precisamos sempre usar máscaras, pois ninguém nos reconheceria se nos apresentássemos de rosto nu.

SONETO DOS VINTE ANOS

Que o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.


Passem rios, estrelas, que o passar
é ficar sempre, mesmo se é esquecida
a dor de ao vento vê-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.


Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que não morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.


Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.

Soneto Puro
.
Fique o amor onde está; seu movimento
nas equações marítimas se inspire
para que, feito o mar, não se retire
de verdes áreas de seu vão lamento.
.
Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire
e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.
.
Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente
em luzir para o lume que o ensolara.
.
Seja o amor como o tempo – não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente.
.

Acontecimento do Soneto
.
A doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeiros.
.
versos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.
.
Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,
.
irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo.
.

Que em seu gabninete, fala em nome do povo não sabe que a galinha nasceu antes do ovo. (soldado raso)

Inserida por renicarolina

O que sobra é obra, o resto soçobra.

⁠O nevoeiro

O amor não é
nem paz nem batalha
nem fogo amealhado
na escura fornalha.

O amor é nevoeiro
a branquidão que esconde
a pedra suspensa
no despenhadeiro.

E sendo sempre tudo
como o sonho dos mudos
o amor não é nada

diante da morte
do vento que sopra
de madrugada.

Lêdo Ivo
Curral de peixe: poesia. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
Inserida por pensador