Leandro Soriano Ferreira
Tira a poeira das asas, meu anjo. O sol brilha tão lindo lá fora... Os pássaros cantam, as flores desabrocham, e há sorriso nos casais enamorados, deitados na grama do parquinho ali ao lado... As crianças brincam tão felizes, alheias a tudo... E por que as suas asas andam tão empoeiradas?
Tira a poeira das asas, meu anjo. Ainda há tanta coisa por fazer... Um filme engraçado a dois no cinema, uma bebida qualquer num barzinho diferente, um caminhar sem destino de mãos dadas ao vento... Aqueles dois idosos parecem ignorar que já passaram por tanta coisa juntos, olha só o sorriso deles, tá vendo?
Tira a poeira das asas, meu anjo. Não se entrega... Não me dá a opção da escolha, ainda prefiro que você lute... É tão lindo o brilho que sai dos seus olhos quando você sorri... O teu toque fica tão mais macio, o seu abraço fica tão mais quente... O teu beijo fica tão mais doce...
Tira a poeira das asas, meu anjo, já tá na hora de voltar a voar...
A vida realmente parece ser capitalista. E eu não falo em termos financeiros, regados a inflação, FMI, alta do dólar e demais coisas. A vida é mesmo capitalista, e não há ser humano na face desse mundo de meu Deus que já não tenha passado por seus momentos de felicidade e de crise, periodicamente falando.
Olhe para os lados... Veja! Por mais dolorosa que seja a tua crise, pessoas ao teu lado passam por crises semelhantes ou piores. Por mais dolorosa que seja a tua crise, você não estará livre de enfrentar uma pior amanhã. Não adianta enumerar os seus gloriosos feitos, suas qualidades, seus momentos de sorte: nada disso realmente conta quando você acha que precisa. E não adianta se arrepender do que você já tenha feito de certo, errado ou duvidoso, pois você bem sabe, já não há mais volta... "Deus não nos dá carga alguma que não sejamos capazes de suportar".
Se precisar, chore. Seja com os pés, como das vezes passadas, caminhando de Ondina à Boca do Rio durante o crepúsculo... Seja com os olhos, do jeito mais comum, sentado na calçada à noite, olhando a vida corriqueira das pessoas... Seja com os seus dedos, escrevendo em algum canto verdades que você nunca conseguiu interiorizar... Seja com a tua voz, cantando quase aos berros uma música que fale da sua dor ou capricho repentino.
E depois de tudo isso, tenha a certeza de que você é realmente capaz de amar, com todas as suas forças, do jeito mais puro que alguém já foi capaz de amar. Essa é a sua maior virtude...
A frustração inerente ao homem puro esvai-se a cada gole. A força de vontade que ainda resta no homem que tornou-se impuro tenta transformar a fossa em glória. E eis que num segundo o tempo pára, e a candura nos olhos da menina dá lugar ao medo, à decepção, e à lágrima que agora escorre pelo rosto do homem fraco. "Levanta-te, pobre homem", diz a menina, no mesmo choro copioso ao qual o homem fraco está agora fadado, enquanto o torpor ainda lhe faz efeito.
E a cada dia, a cada manhã, lá está o homem impuro e fraco, deitado sob a marquise do prédio velho, com seu falso amigo debaixo do braço. E a cada dia, a cada manhã, lá está a mesma menina, com aqueles mesmos olhos, com aquela mesma voz, fazendo-lhe aquele mesmo pedido. Lembrança de um tempo onde o homem fraco ainda era forte...
Até que numa manhã qualquer, aquele homem ainda fraco esfrega insistentemente os olhos ofuscados pela luz tênue da manhã. "Levanta-te, pobre homem", ele insiste em ouvir. Olha para um lado, olha para o outro, e segurando o seu velho amigo pelo pescoço, percebe que ele está vazio, não há mais nenhum outro gole. Estava sóbreo, e aquela voz não lhe parecia mais uma lembrança. Não sabia ele se o gosto estranho na boca era o gosto de sangue, ou a ausência do seu néctar matinal, até agora encarado como fonte de alívio. Quem lhe tiraria a dúvida, afinal?