Leandro Salgentelli
Eu te amo, mas hoje quero ficar sozinho
Ele havia reivindicado mais presença. Era um daqueles românticos natos que gosta de andar de mãos dadas, ir ao cinema juntos, fazer compras juntos e a cada vez que verbalizava “você precisa se empenhar mais no que a gente está construindo”, silenciosamente dizia para mim mesmo: juntos, mas sempre?
Lembro como se fosse ontem. Certo dia fui ao cinema sozinho e desliguei o celular como é de hábito, claro que nada demais iria acontecer. Mas ele era também um daqueles ciosos que não admite uma fugida dessa vida estressada que levamos todos. Quando me viu fuzilou como se tivesse cometido a maior atrocidade do mundo.
— Você não responde mais mensagens?
— Quem mensagens? —, respondi sem entender o que estava acontecendo. Para minha má sorte justo naquele dia havia esqueci o celular desligado. Ou fiz de propósito — não lembro ao certo. Às vezes somos pegos pelas armadilhas do nosso próprio subconsciente.
— Estava preocupado, onde você estava?
— Fui ao cinema. Aconteceu alguma coisa?
— Com quem? — franziu o cenho, desconfiando da minha objetividade.
Para ele, não era cinema coisíssima nenhuma, enquanto eu jugava a irritabilidade daquele tacanho que havia conhecido há tão pouco tempo. Quando disse que fui ao cinema sozinho sua sutileza se revestiu em pasmos, em revolta; então, abriu a porta e foi embora. Não me lembro de sentir culpa, mas lembro de que estranhei a reação e cheguei a cogitar “o que eu fiz” (?). Era culpa.
Nada como a vida para com o tempo explicar as condições implícitas da convivência. Encontramo-nos mais tarde e rimos de tudo o que aconteceu — não teve flashback, erámos bastantes diferentes para essa proeza —, mas admite, naquele encontro de “olá, quanto tempo”, que se não tivesse ido embora naquela noite, eu iria. E rimos e cada um seguiu a vida.
Eu sou assim. E não sei ser diferente.
Têm dias que meu corpo não cabe na multidão. Em diálogos, em nenhum espaço que não seja o meu. Podemos andar de mãos dadas na praia, não há problema nisso, mas temo que não compreenda quando pedir silêncio para ouvir o mar, as ondas chegando à orla e voltando.
Vão ter dias que não vou caber nesse meu corpo e nesse espaço inteiro, então vou transbordar. E nessa inteireza de ser, talvez eu queira ficar sozinho, mas não se irrite, porque eu te amo.
Você pode ser uma pessoa incrível, que tenha bom humor, que falemos sobre os filmes e coisas que vimos juntos, mas vai chegar um dia em que vou querer tomar vinho sozinho, trocar o dia pela noite tomando espaço do meu corpo e do meu lar.
Saiba que não é solidão: é solitude.
E no dia em que eu chegar à sua casa e você disser que quer ficar sozinho; com um olhar mais genuíno do mundo vou sorrir, certamente darei um beijo e sairei pulando de alegria, porque nesse dia, o teu silêncio vai dizer que me ama.
Penso que o relacionamento monogâmico, este que passamos adiante, pai-mãe-filho, ultrapassam as limitações da estreiteza no convívio. É delicado o assunto porque temos uma falsa impressão que este é o único caminho para se ter uma vida bem aproveitada de fato. Quando nos relacionamos, esperamos algum retorno emocional, de certo modo temos, mas a pergunta que fica é: por quanto tempo?
Ao nos relacionarmos nesse modelo patriarcal estamos fadados à submissão. Abrimos mão das vontades, dos desejos, deixamos de ir a certos lugares porque desagrada o parceiro. O que pouco se discute é que mudamos nossa personalidade para caber no conceito do outro. Até que num dado momento a dependência emocional é tamanha que não vemos alternativa a não ser aceitar essa resignação. E esse é outro ponto: a perda da identidade.
É doloroso admitir que o casamento seja uma instituição falida. Como é doloroso admitir para mim mesmo que não é normal sentir uma pequena morte a cada fim de relacionamento. Que tipo de amor é esse que causa uma desorganização psicológica tão grande a ponto de perder o tino? Que sonhos são esses que apostamos num relacionamento para sentir tanta fragilidade? Que nível de frustração é essa para nos desestruturar tanto? E a pergunta que mais me toca, que faz repensar todas as minhas relações: que ideia é essa de sermos salvo de modo que a saúde física e mental fica abaladas?