Leandrah Caramori
Seu cabelo era o mesmo, um pouco melhorado, mas o mesmo. Seus olhos, que ela sempre achava lindo olhar no espelho com a cabeça inclinada quando abaixava para cuspir a espuma do creme dental, estava ali também e com o mesmo castanho amendoado que ficava ainda mais bonito quando ela estava triste.
Aquele momento foi exageradamente perfeito. A tristeza que ela sentia, a luz, a parede, o lençol xadrez de marrom e verde, a música... Ah, a música... Não poderia ter sido outra “Meu refrigerador não funciona”, ela mergulhava nas ondas de som borbulhante que a música oferecia, por vezes ria um riso de êxtase profundo e depois a lágrima escorria com a mesma intensidade e temperatura que seu estado de espírito permitia.
Contrariando de Cazuza
Eu fiz um blues em tua homenagem
O inverno é amanhã,
Baby Maçã...
Eu vou rimar em você minhas ultimas bobagens
É que talvez não tenha se tornado um fruto proibido...
Teria entrado em meu quarto
Assim como aquele disco entrou no meu ouvido.
Sua boca pintará a despedida
A partida é feita de batom
O caminho carimbado com pegadas de semi-neve
A próxima estação é a parada que eu não lembro o nome...
Arrume outras meias, retoque mais uma vez seu batom. Bobagens ... São lembranças que pesarão no bolso de dentro do agasalho marrom.
O mundo é de quem sabe transitar entre suas estações, ele é tão singular, não necessita de quem sabe amar. Ele só quer influenciar, multiplicar as gerações.
Certo dia, como um dia. Bem certo que seria dia. Incerto num furo de tempo. Temporariamente certo, de certezas parciais. Imoralidade me subiu à cintura, agarrei pelo seio e a mente sobrou. Sabotou a noite que se fez o dia, na inflexibilidade da agonia de um dia desbotado... Choveu. Eram as mesmas nuvens que eu costumava descansar, que depois de muito voar, parava e tomava ar com limão e gelo. Ignorou o meu apelo. Chegou clareando com a certeza que me ofuscaria. Ofendendo as minhas pupilas, lubrificando com água do fundo do poço.
Imoralidade escorrerá por minhas pernas e forrará o chão, rolarei em baixo da mesma chuva. Enxergando o que só se vê no escuro. Sentindo o que só se percebe com os olhos fechados.
Ei, moço da tequila no umbigo! Você é lindo assim mesmo promiscuo.
Ei, moço da tatoo no pescoço! É mais fácil se formos amigos.
Ei, moço do cabelo amarelo! Seu cheiro é tão bom quanto seu gosto.
Ei, moço da voz grave! Simplicidade nada tem haver com o que é oposto.
Ei, moço da poesia! Pornografia não é “por na grafia”.
Ei, moço branquelo! Ausência não dá saudade, distancia.
Ei, moça insistente! Não precisa ser tão insegura
Ei, moço do disco voador! Existe outro lugar que não seja a lua?
Ei, moço da pele de café! Foi bom mesmo na hora errada
Ei, moço da mente aflita! Que facilidade tem em me manter acordada
Ei, moço encima do skate! Sua condição física já foi mais útil.
Ei, moça do cabelo vermelho! Pára de ser essa apaixonada fútil.
Cada vez que eu me mostrasse, seria ainda mais belo pela persistência de permitir o tempo bronzear o meu papel. Ele jamais passaria em branco.
Quanto as minhas influências, isso já é papel pra outro papel. Talvez um de folha grossa onde eu possa desenhar com minha mão densa sem correr o risco de rasgá-la.
Cores, mais cores e nada mais que uma fotografia novamente. Na onde tudo se contrai em uma idéia fixa de imortalidade, na onde tudo se dilata nos extremos das possibilidades.
Hoje, qualquer boca tem tudo a ver com isso
Umbigo em forma de abrigo
Coberta pra pele de mendigo
Pesar de algum presente antigo
Tiq, tic, tic, o Tac já não faz sentido
Esconda o ouvido da madrugada e sinta aquele som invadindo
Instinto
Sucinto
Extinto
Há, sinta, sinta... É hora de dançar comigo!
Eu bebi, traguei um gole de cerveja amarga pensando no bom vinho ainda gelando... A minha loucura se empalideceu na alcatéia dos alucinados, dos boêmios freqüentadores de bancos vazios e gramas em que canções solidificaram um sorriso salgado.
A ausência intensificada, um telefonema frustrado, e tudo o que me resta é o frio que me sobe a boca... Desejando apenas ser coberta por outros lábios que ganharam nome de: Seus.
E minhas palavras acabam se perdendo nos olhos lacrimejados de álcool em toda ideologia soprada por um maço de Marlboro.
Amanhã eu serei perdoada, terá parentes em minha casa e elogiarão o meu sorriso branquinho. Vai ter abraço e saudações. Vai ter cachaça e carne sangrando. Vai ter meu corpo e meu consentimento. Vai ter fundo de copo solitário.
Nunca consegui definir a hora exata, coerente, perfeita pra escrever. Até por que as mais belas poesias não atravessam as cordas vocais, nem as extensões de ligamento de cérebro com as mãos.
Dona da casa dos pesares que faz feira na segunda, a primeira não se lembra, a quarta vai pra quinta dos infernos. Sexta dos sentidos, das garrafas ao pé da mesa, não há comentário que espere, não há oração que o guarde, não há sentido que o disserte, não há sapato que a calce.
Assim como o choro, que expele os excessos do ego de forma liquida, as palavras brincam com uma forma de chorar a seco pra não molhar o papel.
Essas são as minhas horas de chorar letras, de encharcar o meu redor com frases, verbos e rimas só pra chamar atenção. De resgatar o que eu absorvi e que embolorou, tirar as manchas esverdeadas e me preparar pra uma nova congestão, vomitar e comer o que saiu inteiro, respirar a fumaça que saiu em pânico do meu cérebro em pane.
Deixar que meu maxilar defina a direção do meu sono e me ver como uma caverna inabitável, na onde o único lobo que me apavora, me deixando sempre desperta para as minhas insanidades, é o que uiva rente aos meus tímpanos, com hálito quente nos meus ouvidos... De dentro pra fora.