Laila Zanov

Encontrados 3 pensamentos de Laila Zanov

⁠Santa Catarina
Um operário espirra algumas vezes, seu nariz coça,
Ele reluta, tenta conter o incômodo.
Na câmara fria uma parte do teto desaba,
O gelo trincado fere a cabeça do trabalhador.
Soam o alarme, a porta é aberta.
- Querem morrer? Por que não tentam trabalhar direito?
O jovem ferido é arrastado para fora, convulsiona.
A ambulância vem buscá-lo.
Ele retorna ao expediente após três dias de atestado médico;
Uma semana depois é chamado a comparecer no Departamento Pessoal.
Voltará mais cedo para casa.
Nas fazendas de soja o imigrante é útil,
Não há lirismo algum em suas frases curtas.
Pronúncia precária.
- manman, papa, frè...
- Zanmi! Zanmi!
O supervisor o manda calar a boca.
- fatige soti
- Dívida! DI VI DA, PA TRÃO! VO CÊ TEM DÍ VI DA! Entendeu?
Marrom é a cor da luta e do preconceito no Vale Europeu.

⁠O morte do prostituto

- Veja esses testículos inchados. Oremos por ele? Está muito doente. Pode tocá-lo, não irá se excitar, não há risco de ereção, como bem vê. Somente dor, picos de febre, alucinações. Está sob o efeito da morfina. Sangra de vez em quando, não há mais antibiótico capaz de conter a infecção.
- E o pênis?
- Não havia pênis.
- Ele dorme.
- Sim, dorme e morre sem parar, um ato contínuo e acelerado. Muito sono, muita morte, muito pus, muitas drogas...
- Poderia ir para a casa, morreria com a família.
- Não há família, ninguém o procurou. Foi prostituição negligente. Seu ânus também está comprometido, dilacerado. Um senhor vem aqui de vez em quando, senta ao seu lado e passa um tempo, meia hora ou mais, sempre sem olhá-lo; mas beija sua face ao sair. Um beijo afetuoso de olhos fechados
- Um parente?
- Não sabemos. Apresentou-se como um amigo próximo.
- Lamentável.
- Quando extraíram o pênis.
- Não! Não fomos nós. Foi trazido por uma colega de trabalho após assistir sua automutilação, um ato de desespero e dor. Estava necrosado.
- Merece altas doses de droga. Haverá de morrer entre um delírio e outro. Poderá ser num momento feliz de amor, poderá sentir o cheiro da vida na morte, um beijo sensual, uma penetração, corpos nus, vibrantes e penitentes.
- Uma dança sensual de pedras.
- De vida.

⁠Distante de seus sentidos

Ignore o homem vivo
Ignore a arrogância do homem vivo
ignore sua prepotência
Mas não ignore a ignorância do homem vivo
Do homem-mentira
Do homem-dia
Fuja desse perigoso homem vivo,
Evite ouvir sua voz,
Caso o encontre, desça o véu sobre seu rosto e oculte seu corpo sob suas vestes lutuosas
E, se ele bater palmas em seu portão, limite-se a espreitá-lo através da cortina
Mantenha as luzes apagadas, as janelas e portas fechadas.
Espere-o partir,
Espere-o desaparecer
Espere-o morrer
Certifique-se de que foi encerrado em uma cova profunda,
Ou ele sangrará suas páginas espectrais
Silenciará suas elegias fúnebres
Não tema o eco das trovas abissais do homem morto.
O homem vivo é um devorador de demônios e agoniza por sua incapacidade de domá-los.
Mas o homem morto foi por eles vencido e dele nenhum mal advirá.