Klaas Kleber
Comigo
Não me desperte do meu silêncio
não me prive dos meus sentidos
dilato meus poros e minha pupila
me recolho no direito à contemplação
estreito meu nexo, o fora
isco o vazio
o nada me apetece
esse momento não me alimenta
lamento por eles
passo desapercebido, gélido,
não existo fora de mim!
Tejo
Me despeço, mas não vou embora
essa é minha eterna morada
subo as escadas, mas não chego até lá
se avanço, fogem de mim
se recuo, descem ao meu encontro
não me calo
meu silêncio grita
trago notícias de lá, dos desertos ermos
trago notícias de lá, doutros tempos
minha incumbência é o adeus, a saudade
sou detentor das memórias
um cristal em movimento
o perigo, a vida e a morte
dentro de mim não respiram
apagam, morrem, desaparecem
na minha beleza habitam almas e monstros
devoradores de corpos
que não sobrevivem fora de mim
vomito aquilo que rejeito
e devolvo aos homens a sua podridão, o seu lixo tóxico
me engasgo com ossos, mas não digiro o que não vive
renasço das alturas
da limpidez dos cristais
do meu espelho se mira a profundidade
de lugares submersos e sem retorno
onde vivem os meus titãs
acorrentados em caravelas
Concebimento
Um touro com crista de galo
um galo com penas de pavão
um pavão com pés de homem
caminham solitários num só
harmoniosos martirizam o pensar
ela tem que nascer, gritar, ser gente
ouve-se passos, murmúrios
olhares capturam a imagem invertida
abstenção
ninguém se aproxima
apercebem-se
são três corpos a ponderar
Premonição
Um homem repousa em labaredas
acalmado como um anjo
tem o coração cálido
não pelo fogo, mas de esperança
dogmas, resignação
não recue, vejo flocos de neve
premonição
os andares se queimaram
restam fuligens
em breve saraivas
como diamantes polidos
Homem ao mar
Homem ao mar
é saudável e não sabe nadar
é forte e não sabe nadar
é inteligente e não sabe nadar
é sensível e não sabe nadar
não submerge
desvaneceu-se
fundiu-se à própria imagem
refletida no espelho do mar
amálgama de cânticos
as sereias fizeram adormecer a criança
embalam-na
acalentam-na da seiva luz
dos seios nutridos do ocaso
Inquietude
A espera é distante
resmunga um homem em seu leito
a ansiedade roubou-lhe o sono
mas não tirou-lhe a esperança
suplício
outra procela está por vir
tem pesadelos desperto
silenciosos tormentos
seu olhar perdeu a avidez
empalideceu febril
adormece
O deserdado
Um homem velho pede abrigo à sombra
trás consigo o resto do que foi
um mísero nada
tem o tronco empedrado
não se move
parece atado
suas pálpebras caídas
resguardam as trevas da luz
mantem o olhar fixo
tremeluzente
seus lábios não salivam
murmuram palavras cavernosas
que de súbito vem alarmar:
vou chorar, vou chorar, vou chorar!
ouve-se gargalhadas
tudo silencia
inspira fundo
abraça os dedos enquanto pensa
suas memórias transpiram
sobre a pele do rosto ósseo
maculado pela desonra do ser homem
sente saudades?
sente medo?
sente aversão?
liberdade imperativa
puro lirismo
olha para um lado, para o outro
reclama o prometido:
eu vou chorar, eu vou chorar!
ouve-se gargalhadas
o nada acontece
e o velho bufão de barba cinzenta
é feito invisível
aos olhares daqueles que o espiam
Alvorecer
Conceição,
que esta se transforme em bem maior!
exclamou o homem
a senhora do sol talhou uma fenda
a noite perdeu sua escuridade
ouve-se revoadas de pássaros
os pardais entoam cânticos
para o primeiro alvor do dia
Conceição sorri
o homem sorri junto
já se avista o esplendor do sol
fez-se dia
seus raios invadem violentamente
tremeluzindo
iluminando as coisas visíveis
desterrando as criaturas da noite
Nas trevas habitam almas em expiação
na luz os homens de razão e juízo!
Conceição,
pela sacratíssima paixão!
exclamou o homem
a senhora do sol entalhou um anjo
encarnou-se humano
uma criatura de extraordinária beleza
Nas trevas habitam demônios
na luz os Serafins!
Conceição sorri
o homem sorri junto
Esbórnia noturna
Oscuridad de la noche
o pequeno príncipe perde sua realeza
não existe guarnição
homens vorazes invadem seus jardins
à procura de corpos ávidos
excitados pelo desejo de possuir
caminham solitários, atentos, silenciosos
resguardados pelo véu da obscuridade
homens sem rosto, sem identidade, sem memória
se olham, se reconhecem, se aproximam
são herdeiros da mesma natureza
descendentes de Afrodite
Oscuridad de la noche
ouve-se um gemido monótono
todos os homens correm na mesma direção
reclinado sobre as raízes do velho cedro
um jovem rapaz, de ares ingênuos
esmoreceu-se, está dormindo
sobre a pele alva do seu rosto
o néctar opalino de Eros
Vidas transitórias
Chegará o dia em que meus olhos
ofuscados pelo nevoeiro da morte
já não perceberão pela vista
o lacrimar dos ausentes
aguardando o exalar
do meu último suspiro
Chegará o dia em que meu rosto
regelado pelo sopro da morte
já não perceberá pela tez
as mãos cálidas dos ausentes
aguardando a despedida
da minha última existência
Chegará o dia em que minha memória
viverá nas lembranças fugazes
na efemeridade dos sonhos
dos ausentes mortais
aguardando o seu tempo
que também há de cessar
E quando esse momento chegar
eu terei desvanecido
para a eternidade
Fênix negra
Alargam-se as narinas
os olhos vítreos reluzentes
tomaram a forma de um escudo
a luz não penetra as pupilas contraídas de morte
fez-se escuridão
o homem vai ser possuído em defesa da vida
da sua própria vida
néctar para os covardes infelizes
Tem o rosto empalidecido, cadavérico
seus pulmões empedrados
assassinaram sua alma humanizada
o homem vai ser possuído em defesa da vida
da sua própria vida
néctar para os covardes infelizes
A criatura renasce
ressurge das próprias entranhas
trás a força de mil demônios
Vejam as minhas asas!
ameaça o possuído
Tem a negritude das trevas!
o homem foi possuído em defesa da vida
da sua própria vida
para dar fim aos covardes infelizes
Preciosas joias de Jann
Á[gatas] negras
preciosas joias de Jann
belos vorazes felinos
de pelame cor de ébano
habitam sem rivalizar
o coração de uma
mesma mulher
Á[gatas] negras
preciosas joias de Jann
belos sentinelas felinos
de íris cor do mar
partilham sem disputar
o amor de uma
mesma mulher
Negros felinos
Á[gatas] de Jann
joias negras
de uma preciosa mulher
Estação
Outono nórdico
o sopro gélido de Éolo
vem tocar as faces alvas
sutil carícia de morte
a força do seu fôlego
lançará espadas de vento
sinal de mau presságio
os carvalhos se pintam
se camuflam de musgo e oliva
não querem ser percebidos
Elfos, Duendes e Gnomos
se ocultam no oco da floresta
o titã do gelo se abeira
vem do além norte
salivando nevascas
se banhar nos grandes lagos
cemitério dos vikings
Contemplação
Me pinto em cores invisíveis
o anonimato é minha defesa
não é preciso proferir nada
e naufrago nos meus pensamentos
Me oculto em cântaros de cristais
o silêncio é minha fortaleza
não é preciso dizer nada
e naufrago nos meus sentimentos
Me embriago das belezas do mundo
o seu bálsamo me vem pelos poros
Não é preciso falar nada
e naufrago na minha existência
Desejo
Quero debruçar-me na janela
e colher pérolas de orvalho
nas manhãs frias de inverno
quero montar um lindo colar
de contas gélidas, cristalinas
para presentear minha mãe
Quero abraçar-me a um cipreste
e sentir o cheiro da minha infância
numa manhã de natal
quero pintar um lindo desenho
de giz cera e aquarela
para presentear minha avó
Quero um desejo de criança:
nunca ser gente grande!
Destino
Um guerreiro de pés alados
galga as paredes mucosas da cripta
efêmero casulo de morte
trás na tez do seu rosto
a palidez dos homens aflitos
e na face do seu escudo
as cicatrizes dos discursos travados
seu carma foi seu triunfo
ouve-se o ressoar das trombetas
as moiras tecem a passagem
sensatas senhoras do destino
a luz invade a cavidade cavernosa
e vem banhar os seus lábios profanos
sente o rosto ruborescer
muito em breve
sua cabeça será coroada
pelo mérito de sua vitória
Entardecer em Aveiro
Crepúsculo na ria
triste beleza
o dia agoniza, esmorece
em tão breve perecerá
a paisagem guarda silêncio
os moliceiros se aportam
uma garça solitária
plaina no horizonte
é o seu último voo
o seu último adeus
uma gradação de cores
aquarela as águas salinas
tintura cambiante
a ria se emoldura em túmulo
logo sepultará o dia
Lua cheia
A lua reluz ardente
por um jovem pescador
que nas noites de lua cheia
é poeta trovador
A lua se desnuda da noite
e vai repousar em seu leito
o pescador não desperta
o seu mar tem a cor dos sonhos
Momento fugaz
Espelho d´alma
de suave transparência
reflete a pele escamada
no oco vazio do tempo
invólucro sensível
meus lábios não magoam
silenciam a surdez
não é preciso cegar
a luz navalha
numa velocidade finita
tudo é fugaz
o tempo
o momento
o agora
o nada
Quitério
A noite fria tirou-me o sono
aprisionou-me no quarto
estou às escuras
e o silêncio me causa enfado
Sussurro o nome de Quitério
Quitério! Quitério!
Ouço um ronronar indolente
a passos manhosos ele se abeira
silencioso, desperto, matreiro
sua noite também é monótona
Sussurro o nome de Quitério
Quitério! Quitério!
Quitério salta para os meus abraços
parece um tufo de algodão
trocamos carícias fadigados
e nos aquecemos de amor
Meu gato Quitério
tem o olhar de um fadista
Se fosse diferente
Minha vida é um tecido roto
cerzido com memórias amargas
com sentimentos frágeis
e sonhos
Se fosse diferente
não careceria tanto assim
Minha vida é um tango argentino
compassado de paixões fortes
de emoções ardentes
e furor
Se fosse diferente
não sentiria tanto assim
Quem sabe a sorte
Desprovido de ânimo
meu coração enlanguesceu
Fatigado pelo tempo
meu coração esmoreceu
Desiludido com os homens
meu coração enrijeceu
Meu coração cansou-se
de ser súdito da vontade de outrem
Sinto o seu ardor arrefecer
o seu rúbido empalidecer
Nem mesmo a poesia
pode salvá-lo da morte
Quem sabe a sorte?
Volver
Saudosista,
o poeta galga a teia rugosa do tempo,
enredada por fios de seda.
Sua memória retém felizes lembranças!
Nostálgico,
o poeta aviva velhas recordações,
vincadas num passado remoto.
Sua saudade resguarda a inocência!
Silencioso,
o poeta apalpa o rosto de tez morena,
facetado de amabilidade e afeto.
Seu sorriso se converte em versos!
Rúbido Viking
Orvalhada de suor
a rubra e alva pele
de penugem carmesim
exalava pelos poros
o odor afrodisíaco
de um óleo de jasmim
Banhado pelo suor
da rubra e alva pele
de penugem carmesim
os meus poros inalaram
o odor afrodisíaco
de um óleo de jasmim
Meu libido foi fecundado
sua virilidade me possuiu!
“Ser” austero
Castigado pelos meus atos
o meu “Ser”, soluçante,
geme alto dentro de mim.
A altivez é uma tendência
do meu caráter impetuoso!