Kenedy Vinicios
[eu poeta, você poesia]
eu imagino a pele que não toquei
o beijo que não dei
o calor que não senti
a roupa que eu não tirei
e o verso que eu não escrevi
a curva que não virei
o trajeto que eu segui
o caminho errado que eu fiz
o passado que passou
e lá você ficou
a saudade que bateu
o amor que gritou
o som que ecoou
e você não escutou
a lembrança que me afoga
a escrita que me afaga
escrevendo algo que não aconteceu
naquela noite você e eu
mas era tudo o que eu queria:
eu poeta
você poesia.
eu me perco nos braços de quem não sei
enquanto estou casado com a solitude
admirando a luz barroca
que ilumina o meu corpo
e o resto do nada
o espelho no canto da sala
reflete o meu rosto melancólico
e a saudade de quem me deixou
a mercê do isolamento
projeto você
na minha frente
várias e várias vezes
[na ausência da solidão
eu quase cometi um adultério
com a tua presença ilusória]
mas você se esvai
junto com a luz amarelada
que adentra meu peito.
o vazio me encarou
enquanto a música tocava
enquanto os pássaros brincavam
enquanto você me olhava
o vazio me encarou
enquanto suas palavras ecoavam
enquanto meu peito vibrava
enquanto nosso amor desmanchava
o vazio me encarou
enquanto os pássaros se distanciavam
enquanto a música parava
enquanto a porta fechava
o vazio me encarou
quando você me deixou.
o vazio me encarou
e eu encarei o vazio - a única testemunha do dia em que eu fiquei sozinho.
Somos feitos do mesmo pó. Somos poeiras vagando em um mundo impuro. Somos partículas dessa sujeira toda em que vivemos. Não temos o porque de julgarmos uns aos outros. No final, o pó se desmancha, transformando-se no nada. Nascemos com uma única certeza, e não preciso citar aqui qual seja ela.