Keith Loren

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Gilsa era uma criança de sítio. Vivia em uma cidadezinha perto da cidade central, a mais rica do Norte, porém era esquecida pelo governo e habitantes do estado. Ela tinha pai e mãe, ambos fazendeiros, cuidavam de vários gados fofinhos e porcos assustadores. Cães imundavam o local com segurança e alegria. Havia gatos também.
Na escola, Gilsa era nove e meio. A menina estudava e conversava demais, sempre era sobre seus sonhos e desejos, que, desde criança, sabia que era pobre demais para conseguir realizá-los.
- Minha filha, você sabe que quando crescer... terá que trabalhar com o pai e comigo, não sabe? - Dizia sua mãe. Gilsa concordava. Sempre concordava com a verdade.
Algumas semanas mais tarde, ela recebeu o aviso que teria um passeio para o planetário da cidade central. Ela nunca tinha saído de seu próprio bairro minúsculo. Seus pais ficaram desesperados. "E se ela passar fome? A viagem é um pouco longa até lá!", "que roupa ela vai? Não pode ir como uma menina do mato, vão pensar que somos atrasados!". No fim deu tudo certo. Eles tinham preparado um pão francês com margarina e leite para algum imprevisto. Sua roupa era simples, uma camiseta branca com estampa de um sorriso, um shorts de pano preto e um tênis preto-quase-cinza.
Os colegas e Gilsa foram com o ônibus que puderam arrumar. Estava caindo aos pedaços, era mais velho que a própria professora Loiza, uma senhora que vivia com seis gatos, vivia dizendo que não queria mais um porque era muito comum. Queria ser diferente. Mas todos os alunos sabiam que era porque ela tinha medo de ter sete gatos e morrer sozinha. Quem alimentaria os gatinhos? Ela acreditava na lenda local Senhoras com Sete Gatinhos e Zero Namoradinhos.
O passeio foi legal, segundo a pesquisa. Eles foram entrevistados por serem da primeira escola de outra cidade que foi para aquele planetário. "Foi muito louco, senhora... tipo... parecia que eu estava a sete palmos das 3 Marias!", disse Gilsa em sua vez. Naquele dia, Gilsa do Rosário percebeu que tudo que sabia estava errado. Os seus sonhos eram toscos demais perto das estrelas.
Depois daquele grande dia, suas amiguinhas Carol e Aline viviam falando do luar, das estrelas lindas que haviam no céu acima de suas cabeças.
- Um dia eu irei lá pra cima! - Gilsa falava enquanto apontava para cima. - Daí poderão me ver dá tchau para vocês duas do céu.
Elas sonhavam neste dia, brigavam para saber quem seria a primeira a vê-lo. Suas Barbies feitas de feno, pano e botões achados na estrada eram ricas, humildes e astronautas em todas as brincadeiras perto do riacho, tudo por causa do maldito passeio.
Nadadoras Astronautas, Astronautas Corredoras, Mecânicas Astronautas, Caçadoras Astronautas, até mesmo: Humanas de Outro Planeta, Humanas Visitantes do Espaço, Humanas Loucas pelo "Astronautismo", Humanas que não São da Terra mas sim de Marte.
As três cresceram. Afastaram-se uma das outras. Viraram estranhas em meio de outros estranhos. Nem se lembravam dos sonhos, dos desejos, das conversas.
A família de Gilsa cumprimiu o que tanto falara: ela trabalhou com os pais na fazenda. O seu sonho de ser astronauta nunca foi realizado. E nunca seria. Ela nem chegou a pesquisar sobre. Perdeu o belo interesse.
- E seu sonho de ser astronauta quando criança, filha? - Perguntava seu pai já idoso.
- Ah, pai. Sonho de criança. - Sempre respondia. Para o presente e futuro de sua vida a única coisa que existia era a fazenda. A bela fazenda com os gados, porcos e cachorros... ah, e havia gatos também.

Ele me disse que eu era o escolhido. Ainda estou esperando.
Eu não sei se considerarei aquele dia como um pesadelo real. Era incompreensível. Era totalmente terrível. Sentia-me como se tivesse acabado de cometer um assassinato. Eu não sabia o que fazer. O que pensar. Estava tudo negro, incompreensível. Ível. Evil.
A última memória comprementava aquele dia, os passos que não faziam barulho, completamente estranho. A massa não existia. Era como se... como se... um nada estivesse caminhando. Estivesse batendo na porta. Estivesse tentando ser humano.
Deus disse-me um dia - curiosamente, o último dia que eu o disse como me sentia, como tudo aquilo fazia-me pensar que estava enganando todos os habitantes da Terra. O último dia que eu o vi -, que, não importa o que você fez, faz ou fará. Importa apenas o que você deseja para si mesmo.
Era a gota d'água. Aquilo não fazia o menor sentido. Vivi sendo educado da maneira certa, escutando conselhos completamente ultrapassados mas que serviam para certas ocasiões. Os humanos estavam e estão errados. Todos eles.
Todos eles.
Todos.
Antes de partir para sempre, Ele murmurou em meu ouvido que, dali a alguns dias, eu seria buscado e levado para longe. Eu não pudia dizer a ninguém. Era uma informação puramente confidencial.
Era mentira.
Há dois anos eu espero isso acontecer.
Nunca aconteceu.
Nenhum sinal de Deus.
Ainda imagino como se tudo aquilo fosse um pesadelo. Sim. Um pesadelo. Sonhos não te enganam, muito menos criam falsas expectativas. Um pesadelo.
Um puro pesadelo.
Porém, os passos leves ainda continuam.
Isso é estranho.

"Corta". Ressou a palavra dita pelo diretor, era a palavra final daquele momento. Eu não sei por quê... mas colegas de trabalho (vulgo atores) batiam suas mãos de forma leve em minhas costas, enquanto dizendo palavras de consolo. "Parabéns", "você foi ótimo". Eu não entendi. Agradeci de forma educada mesmo não sabendo o motivo. Eles estavam impressionados com a atuação que eu acabara de fazer, mas eu achei-a normal, obrigatória e responsável. Nada de mais.
Eu sai do set de gravação e comecei a andar pela cidadezinha que estávamos. Havia gente protestando. Nas conversas, nas rádios, nas TVs... em tudo. Era tudo por causa da cena que eu gravei. Ela nem tinha ido ao ar ainda e já existiam haters. A cena tinha sido noticiada na mídia antes mesmo de ser posta no papel. Então eu entendi.
Era por causa do beijo que eu tinha gravado.
Que eu tinha achado normal.
Obrigatória e responsável.
Nada de mais.
- O Brasil está virando homossexual! - Gritavam as pessoas no protesto inútil.
Eu acabei sendo abordado por algumas pessoas que estavam participando do movimento. Elas me conheciam. Estavam intrigadas com a maneira que eu estava calmo. Afinal... eu tinha gravado um beijo gay! Disseram-me como se fosse algo ruim, completamente errado.
- Você foi forçado? - Perguntou a mim uma mulher baixa.
- Nã-não.
- Olha o jeito que gagueja! Tadinho! Tenho certeza que foi.
As pessoas em minha volta foram crescendo. Era estranho. Nunca tive tantos fãs.
- Essa praga de homossexualismo tem que morrer! - Gritou um homem altíssimo atrás de mim. Eu levei um susto. Pessoas o acompanharam como se fosse um grito de guerra.
- Hãn... o jeitinho dele! Deve participar desse homossexualismo, gente. Cadê o inferno?
Eu fui empurrado. Minha cara encontrou o chão, minhas mãos se seguraram no meio-fio. Eu estava sangrando.
- Jesus está voltando!
- Estamos vivendo no inferno!!
- O homem foi feito para a mulher!
Estava nervoso. Estava quase chorando. Tenho certeza que seria por nervosismo. Aquelas pessoas tinham roubado minha fala. Eu não conseguia falar. Estava mudo. Minhas mãos tremiam, minhas mãos sangravam. Tentei levantar. Consegui depois de várias tentativas. A multidão ainda estava lá, mulheres e homens diziam coisas terríveis mas indecifráveis.
- Cal-al-ma, pessoal. Vocês acham que me empurr-an-do resolverá alg-u-m-m-a coisa? - Tentei dizer. Estava nervoso demais. Nem sabia se estava olhando para a direção correta. - Vocês são ridiculos. Ainda nem viram a cena do beijo e estão assim! Digam-me. Por que ser-i-i-a errada a homossexualidade? - Esperei respostas aceitáveis. Nenhuma surgiu.
- É porque o homem é feito pra mulher, sacas? E não pra um homem.
- É porque Deus criou o homem e a mulher...
- É errado. Tá na bíblia.
- O que minhas crianças vão pensar quando assistirem o beijo?
Várias pessoas concordavam com os argumentos falados. Incrível.
- Sabia que nem todo mundo é cristão? E se fossem, qual seria o problema? Deus não diz para aceitarmos todo mundo, apesar de suas diferenças? Ele não diz para amarmos os próximos? Que Deus é esse, tão contraditório? Nem todo mundo quer uma família. E se os homossexuais quisessem? Existem vários centros de adoções. O que sua criança vai pensar quando ver o beijo? Vai pensar que homens também podem beijar homens. Nada mais. Um homossexual nasce assim. Não será um beijo que fará seu filho virar gay. Não mesmo. Incrível que ninguém aqui está reclamando da putaria que vemos todos os dias nessa novela, não é mesmo? E sabe por que isso acontece? Porque é um casal hétero fazendo isso. Super normal. Super normal seu filhinho ou filhinha aprender aos 5 anos o que é sexo e como fazer. Mas aprender como o mundo está cheio de liberdade ele não pode, né? Parem de retardadisse! Eu tenho nojo de pessoas como vocês.
É claro que aquela fala não resolveu. Os argumentos retardados continuaram.
Continuaram.
E continuaram.
Continuaram tanto que, até hoje, me assombram.