Júlia Figueiredo
Vez ou outra acordo com uma nova personalidade. Minha tranquilidade é saber que à noite todas elas dormem juntas.
As tempestades ensurdecedoras que eu mesma crio não me preocupam, desde que não me amputem as mãos.
Tenho medo do caos. Não porque preciso organizá-lo, mas porque esse é o estado de maior potencial criativo. E nunca sei se criarei um monstro ou a minha própria redenção.
Viver acordado no mundo real me incomoda profundamente A flores não se vestem, os pássaros são todos iguais, as cores são primárias, pedras são só pedras. Prefiro o sono profundo.
Ser solitário não é uma condenação. Quem atingiu esse oásis construiu seu refúgio quando todos partirem.
O último movimento que desejo fazer agora é conscientizar-me. Deixe-me louco. Cada ponto em mim está eriçado em resposta a essa loucura. Enquanto sinto tanto, prefiro desconhecer.
O perigo das constantes perguntas mora na cadeia confusa da administração das conclusões que, frequentemente, conflitam entre si. O medo de agir sem conhecer o processo, de andar sem conhecer o caminho paralisa o ser humano. Enquanto isso, ele insiste: “Eu sou o caminho”. Todas as verdadeiras respostas preexistem e, talvez, parte delas não tenha sido apenas interpretada. Outras não precisam ser literatizadas, apenas sentidas. E ele continua insistindo: “Eu sou a verdade”. Talvez você precise, ao invés de entender a verdade, senti-la, andar com ela e por ela. Em nossa ansiedade, porém, reafirmamos que necessitamos das respostas para viver. Muitos retiram de si a vida pela ausência dolorosa de respostas. Mas, ainda sim, longanimamente, ele continua a dizer: “Eu sou a vida”. No final das contas, as dúvidas nos desviam a atenção da óbvia resposta. Para todas as perguntas há uma só resposta: ELE. Não é atoa que Ele também se chama: AMOR! Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim, O amor.
Assentada sobre a rocha alta e aquecida, aguardando mais um pássaro pintar essa tela. Ouvimos a corredeira, tocamos a água do leito. Sentimos o calor na pele. Queremos voar para refrescar a alma. Queremos a liberdade de ascender. O vento parece forte, mas não suporta nossa bagagem pesada. Aqui de cima pensamos como deveria ser, como deveríamos ser. E concluímos estar fora de alcance. A corredeira balança os galhos, contorna a rocha, nutre o limo, compõe a tela. Mas ainda esperamos o pássaro pintá-la. Está mais calor que antes. O Sol queima a pele. Os olhos recolhem-se ainda mais. A tela está menor. Mas com dificuldade, ainda aguardamos o pássaro passar, ditando como deveríamos ser. Está queimando, está ardendo, e com os olhos fechados, sentindo o vento bater sem refrescar a pele, me pergunto como seria se soubéssemos que desmoronaríamos. Lancei-me. “Como pensávamos que poderíamos voar, agora mergulhamos”. E o fazemos com tudo que somos.
A coragem de ser livre.
Quando o vento escorre pelo rosto e refresca mente, dois pensamentos inundam a alma de Maia. Seus sentimentos confusos gritam alto para perseguir seus sonhos. Então, deseja veemente e eleva o corpo. Verifica que com a altitude crescente tudo é possível, porque as montanhas são pequenas demais para seus passos largos lá em cima. Logo em seguida, uma pequena semente cai ao solo. É de perder de vista esse desejinho que acaba de despencar do seu coração. O segundo pensamento parece preocupá-la: o sonho só germina no solo! Maia entende. Pra sonhar precisa descalçar os pés primeiro e arar a terra, pingar o suor e queimar a pele! Então, respira fundo. E o peito cheio parece densificar seu corpo. Começa a cair. A vista lá de cima, assim tão veloz, embaralha-lhe os sentidos. A queda fraturou seus pés, machucou suas mão, mas suas vistas haviam sido curadas. Maia tem uma única certeza agora: até os sonhos precisam criar raízes!
Por que estamos confusos:
Os juvenis alegam que estamos envelhecendo. Os velhos riem dizendo que ainda temos muito vigor físico e força produtiva e que toda experiência vale a pena. Os esclarecidos recomendam ponderar sempre e que tudo é uma questão de equilíbrio. Os filósofos insistem que há coisa que não vale a pena e que, pra eu identificarmos o que vale, devemos mergulhar no autoconhecimento. A psicologia pergunta o que sentimos com tais experiências e facilitam: a resposta está em nosso eu interior. A religião nos instiga a ser otimista e a enfrentar o caos com perseverança e coragem. A sociedade empurra nossas obrigações goela abaixo e a estatística diz que se não produzimos somos inúteis! Os espertos aconselham ir para o exterior viver a vida que merecemos. Os espirituosos dizem que se houver amor vale a pena, caso contrário, permaneçamos. Complicado!
Diante da gama complexa de opiniões, eu prefiro resumir minha crença na frase que li hoje "quando a gratidão realmente invade a sua vida, as pequenas coisas se tornam importantes". Isso é válido até para aquilo que talvez não valha a pena.
Hoje doei muito de mim. Me desaguei. Fluí feito fonte inesgotável, até que desidratei. Condensei-me por completo. Uma ostentação que não posso me dar. Estive suando a cada segundo dia. É cansativo se forçar à felicidade. Quero me dar ao luxo de ser feliz espontaneamente. E se for para controlar algo, que seja o leme, não a maré.
Se há dor na braçada, a direção está errada. Quando algo está predestinado a acontecer, a coisa flui, não adianta.
Auto responsabilidade emocional também é dizer não's amargos e desistir do lugar doloroso de espera. Quem ama, não encarcera.
Dedique-se com afinco a coisas inúteis, porque são elas que oportunizam a felicidade.
Perceba: a felicidade é inútil em si mesma.
Ou você tem resposta para a pergunta:
"Ser feliz pra quê?"
É por isso que, quando algo é verdadeiramente inútil, sentimo-nos satisfeitos.
Veja: balançar na rede vendo as estrelas para quê? Contemplar o pôr do sol para quê? Mergulhar no mar para quê? Qual o objetivo de perceber a forma das flores?
Para nada disso há resposta, pois é para nada mesmo! Seu valor está em si mesmo e não para um fim! Por isso INVISTA EM COISAS INÚTEIS.
Abra mão do pragmatismo e romantize a vida, porque ela é extraordinária e merece ser venerada. PARA NADA! PORQUE SIM!
E JAMAIS transfira para a rotina o poder de acinzentá-la.
Não escrevo para convencê-lo, tampouco rechear seu arsenal de argumentações. Escrevo para conduzi-lo à questão. Para movivá-lo a retrucar-me em minha inignificância. Para que, caminhando na sombra deste infinito túnel, enxerguemos a luz da cosciência. Escrevo porque preciso de ti para duvidar-me, para agregar-me. Escrevo por mim e para você na esperança sadia da conexão a qual fomos imposta. E se você me lê, espero que leia a si mesmo.
Afinal, não somos um?
O mínimo dos seres carrega em si o dom de representar a vida leve e automática. Percebê-los é constranger-se diante do dinamismo que sacrificamos pelo pragmatismo. Não diga a eles o que importa. Estão ocupados em viver o inútil, aquilo que não tem fim, o objetivo. Para que voam? Para que ornam o universo? Nascemos para existir, não para cumprir tarefas, mas investimos esforços num plano de metas e abandonamos a existência a cada check no list. Não é uma apologia ao ócio, mas a conscientização do devido respeito à fluidez vida.