Josué Altino
A poesia é isso mesmo...
É saber regar os olhos
para que a cada dia floresça um mundo.
Um dia a gente se torna planta por completo
e nos enraizamos de vez na terra.
Se isso não acontecer,
é por que nossos frutos ainda alimentam os ouvidos,
os olhos, enchendo a boca
com toda videira que foram os versos.
I
A iminência de um fim previsto.
A arrogância de não assumir o erro.
A persistência exaustiva.
A rotina imutável.
A fome e a sede já se tornam um estado natural.
Uma ave agoniza no chão.
Outra ave se prepara para voo.
Perderam-se os dias em dias escuros.
A noite mais densa é o profundo mar
que escondo em meu quarto.
Me debato por impulso.
Meu corpo afunda por diversão.
Eu o deixo imergir por respeito.
E por respeito meu desejo afunda-se com os dias.
Despido de tudo, volto a mim.
Não trago malas, saudades ou angústias.
Depois de tanto que lutei para não fazer isto,
hoje cá estou.
Sem nada nas mãos.
Sem dores e amores.
Abro as portas da lembrança
E vejo, sem gosto, velhos móveis empoeirados.
Uma mesa ainda preparada para a ceia.
Um quadro com um rosto que insiste ser meu.
Na janela, cortinas amareladas se levantam com o vento.
E eu não sei se jogo o que restou ao vento ou corro atrás dele.
Ao centro de tudo, como uma assombração,
Um relógio badala.
Sem piedade, Sem rancor, sem medo.
Diante de tantas coisas antigas, ele, como uma maldição nunca para.
Entretanto, nunca limpa toda sujeira ao seu redor.
Lembro-me por que parti. Envolto por tudo, parto.
A Adélia Prado
A poesia me abandonou aos prantos.
A deixei no trem da saudade.
O mesmo que a trouxe até mim.
A caminho da estação, falou-me das flores
E como tão penas pedras me dizem das coisas.
As flores não eram mais flores,
Nem as pedras só pedras.
Foi formando dentro de mim
um vocábulo vazio
Que só a mim cabia a ela saber.
E me abandonando,
a poesia me fez poeta.
A Marcuo Feijó
Teus pés miúdos mal tocam o chão.
Tu vês as dores como quem mais nada enxerga.
Choras e deixa de observar a pétula
E achas que a vida não é mais que uma triste canção.
Deixa para trás toda a cidade,
Olha para os montes distantes
E quando teu espírito alcançar este horizonte,
Verás que as paixões não são mais que uma saudade.
Ciranda
O tempo me prega peças
Tal como me estende a vida.
Corre quando o procuro
E passa quando descanso.
Na rua ouço seus passos...
Miúdos...
Que passa de casa...
Em casa...
Risadas!
O tempo me prega peças
E quando sonho que ele aperta a cigarra.
E nessa ciranda das horas,
Os ponteiros me espetam,
Como o levantar das aves.
Asclepias umbellata
Não são os arranjos - são os detalhes.
É a distância da raiz até a planta.
É assistir o cair de cada folha
E pesar por cada vez que o vento balança.
Manter-se firme pelas vezes que o tempo voa.
E matar a saudade até onde o caule alcança.
Poesia dos títulos
Busquei do mundo
A explicação das coisas.
Se as flores, as nuvens,
Os bichos e os homens
Diriam de alguma forma quem sou.
As flores disseram que eu era vegetal.
Que eu brotava,
Criava raízes,
Depois secava, enrugado,
Mas deixando no ventre da terra tantas outras sementes
As nuvens reclamaram
Que eu criei deuses
E agora com eles,
os céus teriam que dividir.
Os bichos fugiram.
Cheguei então aos homens
Para perguntar-lhes
Sobre a fuga dos bichos.
O homem me olhou e friamente respondeu:
Por que tu és homem.
Desde então eu sou flor, nuvem, bicho...
Me sinto semente sempre que brota medo em mim.
Não sei bem quando larguei essa coisa de ser homem.
Mas sei que tem gente que nem saudade tem de ser humano.
Prefiro semente a ser mente.
Optei pelo galho e pela terra.
Pela pedra e a água.
Pelos pés e pelo chão.
E não sei que outra razão
Me faria a vida tão clara.
Aprenda enquanto pode:
nada é teu.
Nem a gravata, nem o chinelo
Tudo é vago.
Do homem só brota o tempo.
Não sabe do corpo
Aquele que diz dominá-lo.
Não sabe de si
Aquele que diz conhecer-se
Por isso não sei de tudo.
Só aquilo que não importa ao saber comum.
Só aquilo que se perde aos olhos.
Vejo o vento rugir no bater das janelas,
Na dança das árvores,
No temor dos mares,
Ao partir aquarelas.
Vejo um vento em cor
Que balança os cabelos
E carrega nuvens.
Que brinca em cataventos
E que brinca com a dor.
Sabe-se vento sem dó
Todo aquele que se assume vento
E arranca da vida
O que devia ficar.
O amor está no silêncio,
Em silêncio por tanto tempo.
Passa num vento que não passa.
o amor, o cuidado, o projeto de cura.
o veneno sutil que mata e inspira
As nuvens caíram em gotas.
Quantas gotas subiram do chão?
O conta-gotas das calhas cantava na rua
Uma fina, gélida e úmida canção.
Espera, que o tempo muda.
O tempo não muda nada.
Quanto tempo esperei,
para só então perceber que continuo o mesmo?
As nuvens caíram em mim como gotas
E eu demorei para colocar os pés no chão.
Colocaram bandeiras nas nuvens
à santa. E nem céu havia...
Colocaram as bandeiras,
Como quem marca espaço nas nuvens,
Como quem crê numa reencarnação celeste.
Colocaram as bandeiras nas nuvens
Para uma santa que fazia neve.
E nem santa era,
Nem a neve se fez das Neves.
E nem céu havia...
Só as bandeiras.
A sinceridade, meu amigo, é a prévia da discórdia.
A verdade sempre vem recheada de dúvidas.
O carinho é o caminho do interesse.
A vaidade é o dom saber mentir usando a beleza.
A modéstia, sempre falsa, é uma montanha de orgulho arenoso.
A humildade é uma ilusão criada pelos senhores para alienar seus inferiores.
O respeito, coitado...
O amor é um ideal — Nada mais que isso.