Jorge André Gasperin
TESTAMENTO
E a ti deixo meu coração, deixo a ti pois já a muito lhe pertence. Este que por tantas vezes aceitou e regogitou teu sangue quente, mais quente ainda em tua presença.
Sangue teu pois o te deixo também, pois se não fores por ambígua pernície, não se dá um coração a alguém sem que se doe juntamente o sangue, pois isso seria como entregar um relógio a ti, negando-lhe as pilhas, gastar uma vida, correndo atrás de ouvir a voz do silêncio.
Mas te peço, não fiques com ele.
Este coração que me fizestes desistir dele mesmo, não te cabes no peito.
Meu tipo sanguíneo não se contenta em viver entre veias e artérias, sonho de coágulo, preferes se ver seco que entregue a outrem.
E quando receberes ame-o, apenas para que console o seu, é inevitável a sensação de culpa, mas não se culpe, o tédio é uma doença rápida e silenciosa, não te culpo por não vê-la, me culpo por não tê-la tomado por esporte.
E se teimares em tentar guardalo pra ti, minha agora fria impotência não poderá lhe impedir, mas já vou logo avisando, este veneno com cor de coração vermelho gélido, seca a alma de quem não o recusa. Resseca até mesmo as mãos da mais doce entre as mulheres, inseticida dos melhores entre os sentimentos.
E quando menos esperas verás que se tornou eu, da mesma forma que um dia já te fui.
PARADOXAL
Silêncio por favor!
Vês como estou feliz?
Ópio de teus júbilos descasos
Trancafia-me nesta minha, tão conhecida tua, esperança
Não vês agora minha tristeza?
Ousas tirar de mim tal ilusão?
Como podes tirar a minha droga de esperança?
Vício que acaricia ao me me espancar
Como ousas não me machucar?
Teu sadismo me acalente
Ao longe tu ris até de fratura exposta
Mostrando o cálcio que tu usas
Para erguer este império de mentiras.
Majestosa construção!
Ora Alice, quanto mais de propósito
Me jogo neste seu país de maravilhas,
Mais perto fico de sua distância
E quanto mais teimo em permanecer
Pior se torna a volta.
Sabes tanto quanto eu que tudo não passa de fantasia, de finitude plena, mas a liberdade de sonhar estar contigo, me desanima da realidade, tão infinita e instintivamente tácita.
......em um suspiro,
Percebo que voltei, ouço o silêncio e a incalculável escuridão,
Ouves tais gritos?
Volto ao normal,
Retorno à minha ida...
Mas espere...
Vês como estou feliz?
DUROS DIAS
Ó adorável Dora Doralice
Diga-me, o que desejas?
Dois dias depois de alguns dias distraidos e distantes
Dá a mim uma desagradável dúvida
Desde a despedida, os dias dominam a degeneração do meu cotidiano
E a dinâmica de minha desilusão
Discute, e dispõe-se a lhe dizer:
Duras tantos dias por desgosto?
Ou diz não dizer, para não deixar tão a Deus dará?
Durante o dia deprecio duas declives depressões
Da minha e da tua
Diria eu distintas
Mas não dito, pois tu não me disseste das suas demandas
Despercebido deserto de deplorável desgosto
Desfaz-se destas ideias
Debelar-se é um demérito
Se diante de tais decepções desesperar-se
Delata dos teus débeis desabafos
Duvido eu dispensar
Mas, se durante tal diálogo, dependência de você eu demonstrar
Não só peço, desejo, demonstro,
Diversas
Desculpas.
O EU E O AMANHÃ
Finges não me ouvir
Finges não me ver
Ignora minha efêmera existência
A noite morro
Entrego ao sono meus resquícios de lembrança
À manhã
Um outro que não eu
Ignora o meu velar
Com os restos do cadáver recompõe as não suas idéias
OLHA A HORA
Falho ser novo
De novo se atrasa
E de tanto ser novo
Possui um velho pensar
MANEQUIM
Longos cabelos de plástico
Falsos olhos, armados de arame
Cheiro artificial, corpo em fogo
Flores mortas
Química pura
Amor próprio, apenas por próprio amor dos outros
Hipovascularização, hiper hipócrita, hipnotizante...
Uma vida em incontáveis divisões
Todos de tua, nenhuma para si
Aparentemente ilusória altura
Impostora pele, cor mendaz, toque sintético
Intocável boca
Vermelha, falsa, lilás
E no fim, nada,
Tudo a todos,
Em todos nada
Todos em tudo
A si nada, nem ninguém
DOÇARIA
Se tendes a ser doce comigo
Diabetes? Eu? Não.
Apenas tenho insuficiência de insulina,
E alguns problemas com amigos.
Insuficiência renal? Eu?
Sou suficientemente capaz de saber que um rei como o próprio,
Não deixa de reinar por falta de um trono. Tolas pedras matemáticas,
Somam-se de uma em uma
Falhas em copiar a dor que tu me trazes.
A tangente lhe proporciona a oportunidade de ser moça,
Um doce,
Bomba de lactose.
Intolerância? Em mim?
Sou tolerantemente tolerável o bastante
Para tolerar qualquer tolice sua,
Se ao todo e por toda,
Sem sombra de dúvidas e sobretudo,
Fizeres por mim.
E o calor deste veste sobre meu corpo nu, Tanto quanto o seu,
Já me basta para dormir,
Sem nem ao menos precisar sonhar.
E SE...
O ato de ser, estar, pensar
Nos permite um mundo ilusório
Onde, como se em uma ficcional ilusão,
Voltar e refazer toda uma vida
Parece não tão improvável
Quanto a real impossibilidade.
TER E TENTAR
Estar com outro
Não é estar
Sentir, consentir
Nada mais é do que um lapso do que não foi
O que poderia ser, imaginar,
Talvez em outra linha temporal
Uma chuva sem previsão, um baque, um pingar
Talvez no final, não seja como não é,
Não seja o que você achou que seria, talvez,
O desejo, uma perspectiva de algum outro "e se?"
Nos escapa de um limite natural,
A dor de não ter algo que de fato não é tudo que não pude ter,
Ecoa, marca e demarca um decurso lacunar, Tira o gosto do estar,
Tira ao todo a função máxima de ser; viver.
CORAÇÃO PARTIDO
Quando a pessoa com quem você quer passar o resto da sua vida,
Quer passar o resto de sua vida,
Com outra vida, e outro resto de pessoa,
Com outros passados e memórias,
É o momento em que os lapsos de vida,
De pessoas e de passados, se colapsam e entrelaçam-se,
Onde a rota do resto de perfeição encontra seu fim,
Não há forma, não há resto, e nem há possibilidade,
Para o resto de uma possível forma de vida,
Duas escolhas distintas de pessoas passadas,
Que não possuem um mesmo desejar,
Nem desejam ao menos passar seus desejos aos mesmos.
E ao amor, digo a ele, "chegou seu fim"
Que venha a dor somática.
FALSA IDADE
Ela não se transformou,
Ela se adaptou,
Pois a vida a dois no seu jogo de 21,
É a atual seleção social.
Talvez sem interesse por amor,
Lhe tenha um amor por interesse,
Uma lacuna na qual crianças um dia hão de preencher.
Porém nem os tumultos que movem o lar, Que quebram as coisas e os silêncios, Afastarão o desconforto ao estranho que dorme ao lado,
E que de lado deseja; "dorme bem"
E sente; "eu te amo".
Inspirado em "Se te queres matar, porque não te queres matar?" - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
O amor não é próprio, o amor é universal, um sentimento sentido por todos, nada exclusivo, nada novo. Se pensares que todos amam, qual o sentido de seguir um padrão existencial pré definido pelo simples fato de existir? De ter todos os pré requisitos biológicos que te fazem apto a não ser nada além de uma repetição natural com uma leve singularidade? Não tão singular aliás, não tão singular quanto achas que pode ser autêntico. Se paras pra pensar só um pouco, verás que nem isso te faz outro, quantos estão parados a pensar? te fazendo ser um mero numeral dentre tantos outros? Se esperas buscar algo novo no mundo, creio que veio tarde de mais para tal deslumbre, e cedo de mais para poder voltar atrás e tentar ser ao menos mais você, ou ao menos algo que não outro. Não a nada de excitante em viver, tudo que te faz, a outros fazem e já lhes foram feito, tu não és nada além de mais um, e mais um está fadado a ser. E se este é o sentido da vida? Ótimo, nem sem ela, ou fora dela tu deixarás de ser nem ao menos tu mesmo.
PENSAMENTOS
Ontem te pensei apenas duas vezes, nada mais, te pensei em um momento irracional com conexões remotas de lembranças, e te pensei ao dormir, antes de imaginar-nos como seria. Hoje pela manhã, comecei te pensando, ao ouvir aquelas músicas, tantas músicas aquelas, está lembrança sonora que te fazias pensar também; me fez pensar-te mais uma vez. Ao agora, levo como excessão, pois te penso ao te escrever. E pensar que a um tempo, o ato de não te pensar era a grande excessão de meus pensamentos. Te deixo de pensar para poder perguntar-me; no tempo em que mais te pensavas, ao menos pensavas em mim? pois ao ver teu líquido de lembranças se esvair em meus dedos mentais ao menos tu devias ao seu eu imaginado em mim, não digas que deixou-te morrer em lembranças, te tinhas como ser perfeito, tinhas obrigação com si mesma, de te salvar como pensamento, antes que eu não pudesse mais te pensar. Hoje o que restou foi um abraço, um sorriso e um borrão em forma de silhueta, te decompuste sem querer ao não te mais pensar, mas juros que tentei, cheguei ao ponto de te pensares tanto que não sabia não te pensar, porém este rabisco putrefado no chão, nada é mais, do que pensamentos