Jorge Amado
Não se pode dormir com todas as mulheres do mundo, mas deve-se fazer esforço.
O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um gato maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e Dona Andorinha.
Custava-lhe esforço aquela decência tranqüila, aquela face calma - nervosa, no cansaço da noite mal dormida, da luta inglória contra o desejo em brasa do seu ventre. Por fora água parada, por dentro uma fogueira acesa.
A negra sorriu:
- Tá vendo?
- Tou. A gente liberta o negro.
A negra ia apanhando o tabuleiro. Henrique ajudou-a a botar as latas vazias em cima. Ela perguntou:
- Você sabe qual é a coisa mais melhor do mundo?
- Qual é, minha tia?
- Adivinhe.
- Mulher...
- Não.
- Cachaça...
- Não.
- Feijoada...
- Não sabe o que é? É cavalo. Se não fosse cavalo, branco montava em negro...
Também Maneca Dantas não sabe por que diabo essa gente engana marido, com tanto perigo, ainda se dá ao luxo de escrever cartinhas de amor. Coisa de idiota...”
Na vida só vale o amor e a amizade. O resto é tudo pinóia, é tudo presunção, não paga a pena...
Mesmo não sabendo que era amor, sentiam que era bom.
Não pode haver criação literária mais popular, que fale mais diretamente ao coração do povo do que a trova. É através dela que o povo toma contato com a poesia e sente sua força. Por isso mesmo, a trova e o trovador são imortais.
Não sou religioso (...) mas tenho assistido a muita mágica, sou supersticioso e acredito em milagres, a vida é feita de acontecimentos comuns e de milagres.
O humor não é coisa da juventude. O jovem tem força criadora, elã, paixão, entusiasmo e ímpeto, uma coisa que depois você tem menos. Depois você tem a experiência, e o humor é da experiência.
Logo que um novato entrava para os Capitães da Areia formava logo uma idéia ruim de Sem-Pernas. Porque ele logo botava um apelido, ria de um gesto, de uma frase do novato. Ridicularizava tudo era dos que mais brigavam. Tinha mesmo uma fama de malvado. Muitos do grupo não gostavam dele, mas aqueles que passavam por cima de tudo e se faziam seus amigos diziam que ele era um "sujeito bom". No mais fundo de seu coração ele tinha pena da desgraça de todos. E rindo, e ridicularizando, era que fugia da sua desgraça. Era como um remédio. No rosto do que rezava ia uma exaltação, qualquer coisa que ao primeiro momento o Sem-Pernas pensou que fosse alegria ou felicidade. Mas fitou o rosto do outro e achou que era uma expressão que não sabia definir. E pensou, contraindo seu rosto pequeno, que talvez por isso ele nunca tenha pensado em rezar, em se voltar para o céu. O que ele queria era fugir da sua angústia, que estrangulava. Mas o Sem-Pernas não compreendia que aquilo pudesse bastar. Ele queria uma coisa imediata, uma coisa que pusesse seu rosto sorridente e alegre, que o livrasse da necessidade de rir de todos e rir de tudo. Que o livrasse também daquela angústia, daquela vontade de chorar que o tomava nas noites de inverno. No bando, não tardou a se destacar porque sabia como ninguém como afetar a dor.
Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música.
A sorte me acompanha, tenho corpo fechado à inveja, a intriga não me amarra os pés, sou imune ao mau-olhado.
Nesta vida o que vale é o amor. O resto é tudo pinóia...
Nota: Adaptação de trecho do livro "Dona Flor e seus dois maridos"
Peste, fome e guerra, morte e amor, a vida de Tereza Batista é uma história de cordel.
Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é tentar, mesmo o impossível.
Durante anos e anos haviam-se encontrado todos os dias, haviam estado juntos todas as noites, com ou sem dinheiro, fartos de bem comer ou morrendo de fome, dividindo a bebida, juntos na alegria e na tristeza. Curió somente agora percebia como eram ligados entre si, a morte de Quincas parecia-lhe uma amputação, como se lhe houvessem roubado um braço, uma perna, como se lhe tivessem arrancado um olho.
Porque sendo Curió um incurável romântico, noivava frequentemente, vítima de paixões fulminantes. Cada noivado era devidamente comemorado, com alegria ao iniciar-se, com tristeza e filosofia ao encerrar-se.
– Por que pregar susto na gente, Berrito desgraçado? Tu bem sabe que tenho o coração fraco, o médico recomendou que eu não me aborrecesse. Cada idéia tu tem, como posso viver sem tu, homem com parte com o tinhoso? Tou acostumada com tu, com as coisas malucas que tu diz, tua velhice sabida, teu jeito tão sem jeito, teu gosto de bondade. Por que tu me fez isso hoje? – e tomava da cabeça ferida na peleja, beijava-lhe os olhos de malícia.
A solução dos problemas humanos terá que contar com a literatura, a musica, a pintura, enfim com as artes.
O homem necessita de beleza como necessita de pão e de liberdade. As artes existirão enquanto o homem existir sobre a face da terra. A literatura sera sempre uma arma do homem em sua caminhada pela terra, em sua busca de felicidade.
O amor eterno não existe. Mesmo a mais forte paixão tem o seu tempo de vida. Chega seu dia, se acaba, nasce outro amor. Por isso mesmo o amor é eterno. Porque se renova. Terminam as paixões, o amor permanece.
Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de esperança. Jamais os livros diriam coisas belas, nunca mais seria escrito um verso de amor. Sobre toda a beleza do mundo, sobre a farinha e o pão, sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre teus olhos também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria nenhuma parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã saberei de novo palavras doces e frases cariciosas. Hoje só sei palavras de ódio, palavras de morte. Não encontrarás um cravo ou uma rosa, uma flor na minha literatura. Mas encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás uma arma contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as trevas e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses restos de podridão que sonharam esmagar a poesia, o amor e a liberdade!
Nem a rosa, nem o cravo..., Folha da Manhã, 1945
A poesia não está nos versos, por vezes ela está no coração. E é tamanha. A ponto de não caber nas palavras.