John Stott
Nós barateamos o evangelho quando o retratamos apenas como algo que nos liberta da tristeza, do medo, da culpa e de outras necessidades pessoais, ao invés de apresentá-lo como uma força que nos liberta da ira vindoura.
O autocontrole é, antes de tudo, o controle da mente. O que semeamos em nossas mentes, colhemos em nossas ações. “Ler É Viver” foi o lema de uma recente campanha publicitária. É um testemunho do fato de que a vida não consiste apenas em trabalhar, comer, dormir. A mente tem de ser também alimentada. E o tipo de comida que nossas mentes receberem determinará que tipo de pessoa seremos. Mentes sadias têm um apetite sadio. Temos de satisfazê-las com alimento saudável, e não com drogas e venenos intelectuais perigosos.
Já vi muitos jovens cristãos cometerem erros sérios e tolos por agirem sob algum impulso irracional ou “por palpite”, em vez de se valerem poderiam fazer suas as palavras de Bernard Baruch: “Todos os fracassos que tive, todos os erros que cometi, todas as tolices que já vi por aí, tanto na vida pública como na particular , foram a conseqüência de uma ação não pensada.”
As longas permanências de Paulo em algumas cidades, notadamente em Éfeso, é explicável pela natureza persuasiva de sua pregação do evangelho. Nos três primeiros meses que lá passou Paulo freqüentou a sinagoga, onde “falava ousadamente, dissertando e persuadindo , com respeito ao reino de Deus”. Depois apartou-se da sinagoga “passando a discorrer diariamente na escola de Tirano” local que possivelmente teria sido um salão de conferência secular, alugado por ele para esse fim. Alguns manuscritos acrescentam que suas palestras iam da hora Quinta a décima, ou seja, das onze da manhã às quatro da tarde. E “durou isto”, Lucas nos informa, “por espaço de dois anos”. Admitindo que Paulo trabalhasse seis dias por semana , as cinco horas diárias em que passava pregando persuasivamente o evangelho totalizando cerca de 3.120 horas. Não é de se surpreender, ainda, que, em conseqüência, Lucas diz: “todos os habitantes da Ásia ouviram a palavra do Senhor”.
Nosso dever então é evitar distorcer ou diluir o evangelho, e, ao mesmo tempo, apresentá-lo de forma bem clara, manejando bem a palavra da verdade, de forma que as pessoas venham a aceitá-la, para não acontecer conforme as palavras de Jesus: “a todos os que ouvem a palavra do Reino e não a compreendem, vem o maligno e arrebata o que lhes foi semeado no coração”. Creio que às vezes são as nossas explicações “por alto” que dão ao diabo precisamente esta oportunidade, que nunca se lhe deveria dar.
Não nos é dada a liberdade de apresentar Cristo parcialmente (como homem mas não como Deus, sua vida e não sua morte, sua cruz mas não sua ressurreição, como Salvador mas não como Senhor). Nem ainda temos o direito de pedir uma resposta parcial (da mente mas não do coração, do coração mas não da mente, ou da mente ou do coração mas não da vontade). Não. Nosso objetivo é ganhar o homem todo para o Cristo total, e para isso é necessário o completo consentimento de sua mente, coração e vontade.
Sou muito grato ao Dr. Billy Graham por ouvi-lo dizer, numa preleção em Londres dirigida a cerca de 600 ministros, em novembro de 1970, que se tivesse que recomeçar o seu ministério de novo, estudaria três vezes do que estudou. “Tenho pregado muito e estudado tão pouco”, disse ele. No dia seguinte ele me contou uma afirmativa feita pelo Dr. Donald Barnhouse: “Se me fossem dados apenas três anos para servir ao Senhor, passaria dois desses três anos estudando e me preparando”.
Deus não pretende que o conhecimento seja um fim em si mesmo, mas sim que seja um meio para se alcançar algum fim.
Em primeiro lugar, o conhecimento deve conduzir à adoração. A conseqüência de nosso verdadeiro conhecimento de Deus não será nos empavonarmos, cheios de orgulho pela sabedoria que temos, mas sim nos submetermos a Ele com plena admiração, exclamando: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus. Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos!
Sempre que nosso conhecimento se torna árido ou acaba com o nosso entusiasmo e nos deixa frios, alguma coisa de errado aconteceu. Pois toda vez que Cristo nos expõe as Escrituras e dEle recebemos algum ensinamento, nos deve arder o coração. Quanto mais conhecemos a Deus, mais devemos amá-lo. Creio Ter sido o bispo Handley Moule quem disse que deveríamos nos precaver tanto contra uma teologia sem devoção como também contra uma devoção sem teologia.
O conhecimento deve conduzir à santidade. Já consideramos alguns meios pelos quais nossa conduta se transformaria se tão somente soubéssemos com maior clareza o que deveríamos ser e o que somos. Mas agora temos que ver como cada vez mais se torna maior a nossa responsabilidade de pôr nosso conhecimento em prática, à medida que ele se amplia. Poderia citar muitos exemplos bíblicos. O Salmo 119 está repleto de aspirações por conhecer a lei de Deus. Por que? Para obedecê-lo melhor: “Dá- me entendimento e guardarei a tua lei; de todo o coração a cumprirei”. Disse Jesus, o Senhor, aos doze: “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes”. Paulo escreveu: “O que também aprendeste, e recebestes , e ouvistes em mim, isso praticai”. E Tiago dava ênfase ao mesmo princípio ao rogar a seus leitores que fossem “praticantes da palavra, e não somente ouvintes” advertindo-os de que a fé sem obras é uma ortodoxia morta, que até os demônios aceitam.
O ministro puritano Thomas Manton, que outrora foi o capelão de Oliver Cromwell, comparou o cristão desobediente a uma criança que sofre de raquitismo. “O raquitismo torna as cabeças grandes e os pés fracos. Não apenas devemos discutir quanto à palavra, e falar a respeito dela, mas também guardá-la. Não sejamos nem só ouvidos, nem só cabeça, nem só língua, mas os pés têm de se exercitar!”
O conhecimento deve conduzir ao amor. Quanto mais sabemos, mais devemos compartilhar do que sabemos com os outros e usar o nosso conhecimento em serviço a eles, seja na evangelização, seja no ministério. Às vezes, porém, nosso amor poderá moderar o nosso conhecimento. Pois o conhecimento em si pode ser ríspido; é-lhe necessário Ter a sensibilidade que o amor lhe pode dar. Foi isso o que Paulo quis dizer quando escreveu: “O saber ensoberbece, mas o amor edifica”. O “senhor do saber” de quem ele fala é o cristão instruído, sabedor de que há um só Deus, de que os ídolos nada são, e que portanto não há razão teológica alguma pela qual não deva comer uma comida que fora anteriormente oferecida a ídolos. Entretanto, pode haver um motivo de ordem prática para dela se abster. É que alguns cristãos não têm tal conhecimento e, em conseqüência, suas consciências são “fracas”, ou seja, não instruídas e excessivamente escrupulosas. Anteriormente eles próprios haviam sido idólatras. E, mesmo depois de sua conversão, acham que, em sã consciência, não podem comer tais carnes. Estando com eles, então, Paulo argumenta: o cristão “forte” ou instruído deve abster-se para não ofender a consciência “fraca” de seus irmãos. Ele mesmo tem a liberdade de consciência para comer. Porém o seu amor limita a liberdade que o conhecimento lhe dá. Talvez seja contra tais circunstâncias que Paulo chega a dizer, em alguns capítulos adiante:
“Ainda que eu ... conheça todos os mistérios e toda a ciência ... se não tiver amor, nada serei”.
A pergunta de como tal conhecimento pode ser obtido, a melhor resposta que posso dar é com palavras de um dos sermões de Charles Simeon: “Para a obtenção e conhecimento divino, a orientação que temos é a de combinar uma dependência do Espírito de Deus com nossas próprias pesquisas. Que não nos atrevamos a separar que Deus uniu”. Isso quer dizer que temos de orar e temos de estudar. É como foi dito a Daniel: “Não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia, em que aplicaste o coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, foram ouvidas as tuas orações...”De fato, a disposição mental para compreender , a humilhação de si mesmo perante Deus são sinais do ardente desejo de quem quer alcançar a verdade divina. Tal desejo certamente será satisfeito. Pois Deus prometeu a quem O buscar com seriedade:
"Filho meu, se aceitares as minhas palavras, e esconderes contigo os meus mandamentos, para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido, e para inclinares o teu coração ao entendimento; e se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a tua voz; se buscares a sabedoria como a prata, e com a tesouros escondidos a procurares; então entenderás o temor do Senhor, e acharás o conhecimento de Deus. Porque o Senhor dá a sabedoria, da sua boca vem a inteligência e o entendimento."
Não há maior obstáculo ao conhecimento do que o orgulho, e nenhuma condição mais essencial do que a humildade.
Temos que confessar que a doutrina da eleição é matéria difícil para mentes finitas mas é, incontestavelmente, uma doutrina bíblica.
A doutrina da eleição nunca é introduzida na Escritura para despertar ou para diminuir a nossa curiosidade carnal, mas sempre tendo um propósito bem prático. De um lado ela desperta uma profunda humildade e gratidão, por excluir todo o orgulho próprio. De outro lado, traz paz e segurança,porque nada pode acalmar os nossos temores pela nossa própria estabilidade como o conhecimento de que a nossa segurança depende, em última análise, não de nós mesmos, mas da própria determinação e graça de Deus.
A Escritura fala da morte em três sentidos: a morte física, a alma separada do corpo; a morte espiritual, a alma separada de Deus; e a morte eterna, a alma e o corpo separados de Deus para sempre. Todas as três mortes são devidas ao pecado; são a sua terrível, porém justa, recompensa. Mas Jesus "destruiu" a morte. O sentido não pode ser o de que ele já a tenha eliminado, conforme sabemos por nossa própria experiência diária. Os pecadores ainda estão "mortos em delitos e pecados", nos quais andam (Ef 2:1-2), até que Deus lhes dê a vida em Cristo. Todos os seres humanos morrem fisicamente e continuarão a morrer, com exceção da geração que estiver viva quando Cristo retornar em glória. E muitos experimentarão a "segunda morte", que é uma das apavorantes expressões usadas no livro do Apocalipse para designar o inferno (p. ex.: Ap. 20: 14; 21:8). Com efeito, anteriormente Paulo escrevera que a destruição final da morte ainda se encontra no futuro, quando ela, o último inimigo de Deus, será destruída (1 Co 15: 26). Só depois da volta de Cristo e da ressurreição dos mortos é que haveremos de proclamar com júbilo: "tragada foi a morte pela vitória" (1 Co 15:54;cf.Ap 21:4)
(...) Podemos encontrar cinco etapas que caracterizam o propósito salvífico de Deus. A primeira é o dom eterno da sua graça, que nos é oferecido em Cristo. A segunda é o aparecimento histórico de Cristo para destruir a morte através da sua morte e ressurreição. A terceira etapa é o convite pessoal que Deus faz ao pecador, por meio da pregação do evangelho. A quarta é a santificação moral dos crentes pelo Espírito Santo. E a quinta etapa é a perfeição celestial final, na qual o santoc hamamento é consumado.
A extensão do propósito da graça de Deus é realmente sublime, tal como Paulo o delineia, partindo da eternidade passada, passando pela sua realização histórica em Jesus Cristo, e culminando no cristão, que tem o seu destino final com Cristo e à semelhança de Cristo, numa futura imortalidade. Não é realmente maravilhoso que, mesmo estando o corpo de Paulo confinado ao espaço apertado de uma cela subterrânea, o seu coração e a sua mente possam elevar-se até a eternidade?
A igreja fala ao mundo com mais autenticidade, não quando ela faz adaptações vergonhosas motivadas por covardia, mas, sim, quando se nega a fazê-las; não quando ela se torna totalmente indistinta do mundo, mas quando sua luz distintiva brilha ainda mais.
Recusemo-nos a nos tornar, ou tão absorvidos com a Palavra que acabemos fugindo dela e deixando de confrontá-la com o mundo, ou tão absorvidos com o mundo que nos conformemos com ele, deixando de submetê-lo ao julgamento da Palavra.
A primeira característica que quero considerar sobre o discípulo radical é o "inconformismo".
Deixe-me explicar. A Igreja tem uma dupla responsabilidade em relação ao mundo ao seu redor, Por um lado, devemos viver, servir e testemunhar no mundo. Por outro, devemos evitar nos contaminar por ele. Assim, não devemos preservar nossa santidade fugindo do mundo, nem sacrificá-la nos conformando a ele.
O Discípulo Radical