Joao Said
Queria estar longe, mas nossos pólos nos magnetizam e me trazem para perto de você como dois enormes pedaços de ímãs.
Trem das três
Lembro que eu costumava sair mais cedo pra pegar o trem das três, só pra te ver por um instante ao passar pela sua estação. Eu costumava chegar cedo, tinha que ser o trem das três, e você sempre tão pontual. Era tudo planejado, embora parecesse casual. De braços cruzados você entra em outro vagão, vestindo um moletom cinza com touca, segurando um livro na mão. Ah se eu pudesse chamar sua atenção. Coincidência seria se você não me notasse naquele dia. Depois de tanto te decorar você entrou no mesmo vagão, de braços cruzados vestindo aquele mesmo moletom. Só tinha lugar vazio no meu vagão; e o universo conspirava a meu favor. Você estava lendo um livro que falava de amor. E agora seria tudo igual? Eu acho que não! Você entrou no mesmo vagão. Se nada fosse assim, você não se apaixonaria por mim. E eu estaria sentado no mesmo vagão, do trem das quatro, enquanto você já teria passado no trem das três.
O menino que tocou as estrelas
“Eu tenho um propósito nessa vida, que vai além de sobreviver nessa sociedade cheia de grupos. Na mais fugaz das vaidades eu tento estar em um lugar que ainda se encontra implícito. Funciona mais ou menos como um pensamento fleumático onde minha alma é jogada ao nada, e aos poucos este pensamento me devolve a mim. Eu quero tocar uma estrela, e não me falta paciência para esperar este dia. Mas por outro lado me sobra medo em acreditar. Como uma criança sinto muito medo e todas as minhas fobias se tornam uma só, e se transformam em um bicho-papão que mora debaixo da cama. Medo que devaneia meus pensamentos e me torna fraco. Mas o que me encoraja, o que empolga, é saber que existe um propósito e ninguém pode me impedir de alcançar aquela estrela, que com a ponta do dedo eu tento tocar”
- O menino que quer tocar a estrela cresce, e mesmo crescido não está grande o bastante para alcançá-la. Mesmo com as pontas dos pés erguidas fica longe. Mas ele continua tentando consecutivos anos até envelhecer, e morrer, sem conseguir tocar aquela estrela. Dizem que quando alguém se vai nunca é por completo. De alguma forma, sempre fica um pedaço dessa pessoa onde vamos sempre nos lembrar. Neste caso ele virou uma estrela e agora mora do lado do céu, é vizinho daquela tal estrela intocável. E embora também não possa ser tocado, todas as noites pode ser visto brilhando enquanto, lá de cima, admira a Terra.
Retrato do Meu Mundo
Eu tracei num papel as linhas do rosto de um anjo, de fundo desenhei uma paisagem tão bela quanto a foto do paraíso. Usei cores intensas, que ultrapassam qualquer saturação ou grau de pureza de qualquer tom encontrado na caixa dos lápis-de-cor. Aquela imagem atravessou minha retina e eu enxerguei a qualidade da matiz -que era perfeita- e o grau de mesclagem que era suave e tão interessante de ser admirada que, nem por um momento, ousei piscar. O canal alfa da imagem era tão perspicaz que cada pixel tinha uma opacidade única. Sendo usual referir-se também à reflectância da amosta como um atributo daquelas cores, que não mudariam nem mesmo sob condições de luzes diferentes ou ambientes variados. Era invariante sob mudanças de iluminação, extrai uma grande variedade de combinações de estímulos muito diferentes que geraram esse mesmo padrão de atividade em minha cabeça. Naquele retrato eu descobri o meu mundo perfeito, pois não poderiam ser vistas nem mesmo como uma quarta variante na definição das cores, era tão perfeita que deveriam ter sido usadas somente para pintar aos deuses. No nível atual da colometria seria impossível medir a composição desta imagem. A ciência não soube explicar, mas eu desenvolvi este método única e exclusivamente para desenhar a pureza da perfeição nos traços daquele rosto tão belo e daquela paisagem tão bonita. E não eram as cores espectrais. Descobri um novo mundo de cores para desenhar o meu mundo, que é você.
E lá se vão os deuses de todas as músicas tristes, criando olhares lacrimosos e corações amolecidos. Eles colecionam as lágrimas de todos que choramingaram em seus infelizes rostos e se aquecem nas suas almofadas que se chamam corações.