João Pedro Filho
Ilha
Na rebentação em fúria
Lembranças antigas despertam
Em ciclones e tormentas.
Maré alta, noite inteira
Clama ventos, que a norte chegam
Bramindo desassossegos
Protestos por Selena ausente,
Em édredons, escondida
Eu e a ilha, somos um só
Fustigados num inferno
Em tempestades de inverno
Estrondos retumbantes
De memórias que chagam mentes
Na calada dos silêncios
Até que Selena apareça
Para que o vento se acalme
E, enfim, eu adormeça.
Eu e a ilha, somos um só!
Dossel
Um denso dossel cobriu meus olhos, e a noite caiu.
Foram-se as vozes, as cores, o toque, e no silente de um só; resvalei em mim nas lembranças que se esfumaram no tempo.
Na urgência do destino, a selfie ausente do poente não vivido. O adeus roubado.
Caminhando de olhos fechados, uma vida esvaiu-se por entre os dedos. Cansado, adormeci nos escombros de mim mesmo, a duras penas conformado.
Despertei à luz do sol, quando o vento soprou o dossel. Nesta altura, conheci — desconhecendo, as rugas na pele e os fios brancos, nascidos na dormência de quem fui.
Na esperança, sigo lutando no presente, a guardar memórias na epiderme; trapaceando o incerto blackout.
Quanto tempo me resta, não sei!
Cá dentro, é a dor no vazio da minha metamorfose que perdi.
Sem ver, envelheci!
Olhando-me no espelho
Olhando-me no espelho entendo
que muito mais que ver uma face
é abrir as portas da alma
e olhar ela nos olhos.
É sair de mim pra mim
resvalando nas linhas do rosto
abrindo-me feito um livro
sendo eu o leitor de mim mesmo.
Olhando-me no espelho entendo
que sendo nada fui o tudo
quando tive de me ser.
É aceitar-me branco ou negro
cinza, prata, cobre, ferro
e ali, naquele reflexo
ver-me por inteiro.
Não um recorte de quem fui!
Olhando-me no espelho entendo
que a vida aconteceu.
Que passou por mim feito vento
num vendaval de intempéries
e que sendo eu barro,
até fui moldado
mas nunca perdi o rastro
da terra que sou.
Olhando-me no espelho entendo
que nunca fui mais que ninguém
só tentei ser o mundo
para quem tatuei no peito
assinados como os meus.
TEMPO
Há no tempo do tempo um tempo
em que o tempo conspira.
Passa ligeiro num sorriso.
Passa manso em agonia.
Aflito para.
Ansioso não anda.
É tristeza que não avança.
Há no tempo do tempo um tempo
em que o tempo é mistério.
Mestre de ocasião oportuna.
Ensejo de pergunta.
Dono de certezas.
Soberano de passados e futuros.
Regente de presentes gaiatos.
Concubino do universo,
é algoz da minha saudade.
Vaga que traz, onda que leva.
Há no tempo do tempo
Um tempo que é mágoa,
dor e olvido.
Tempo de luto.
Tempo de cura.
Insónia
Na tua ausência, amor,
tem dias que nem um vento se sente. É como se a aragem entrasse pelas ventas do mundo, e no vão entre mim e ele, restasse um vazio. Um nada.
Na insípida madrugada, o desconcertante censo de vazio.
Acordado, fecho os olhos, e dentro de mim vou tateando na escuridão, lembranças que esbarram no peito.
Serenatas longínquas que o vento traz, embalando a insónia, feito ondas de um Atlântico.
Bailado de vida, vai vem de memórias e sentidos.
Na hora em que o mundo adormece, é quando o silêncio grita mais alto na saudade de um tempo que foi e não volta.
Constante, é este condensar o pensar nesta forma estranha de estar.
Vivi no teu peito, e na despedida de um beijo, morri.