Jessier Quirino
Jessier Quirino nasceu Campina Grande, na Paraíba, no dia 30 de abril de 1954. Iniciou seus estudos em sua cidade natal. Com 11 anos ingressou na Escola de Artes. Desde jovem admirava os textos de humor que ouvia no rádio. Aprendeu violão e com 16 anos começou a compor e cantar. Escrevia poemas satíricos, paródias e memorizava poesias já consagradas.
Em 1982 formou-se em Arquitetura e durante vários anos trabalhou como arquiteto. Em 1998 lançou seu primeiro livro de poesia “Paisagem do Interior”. Com um estilo próprio, que resgata o linguajar e as tradições da vida cotidiana do interior, Jessier desperta a atenção de todos por fazer uma poesia rica, criativa e divertida.
Em 2001, publicou “Prosa Morena” e a partir daí, sua bem sucedida carreira de arquiteto foi ficando em segundo plano. As poesias “Vou-me Embora P’ro Passado”, “Parafuso de Cabo de Serrote”, viraram sua marca registrada. Passou a viver de apresentações em teatros, eventos culturais, pedagógicos e empresariais por todo o país, acompanhado dos filhos Vitor, no violão e Matheus, na Percussão.
Acervo: 5 frases e pensamentos de Jessier Quirino.
Frases e Pensamentos de Jessier Quirino
Desigualdade social...
Um morava na Rua do Meio.
O outro no meio da rua.
Aprender nunca é demais, mas a prender nunca, é demais
O dizido das horas no Sertão por Jessier Quirino
Para o sertanejo antigo,
O ponteirar do relógio,
De hora em hora, a passar,
Da escurecença da noite,
À solnascença do dia,
É dizido, ao jeito deles,
No mais puro boquejar:
Se diz até que os bichos,
Galo, nambu, jumento,
Sabe as hora anunciar!
Uma hora da manhã,
Primeiro canto do galo.
Quando chega duas horas,
Segundo galo, a cantar.
Às três, se diz madrugada,
Às quatro, madrugadinha,
Ou o galo a miudar!
Às cinco, é o cagar dos pintos,
Ou, mesmo, o quebrar da barra.
Quando é chegada seis horas,
Se diz: o sol já de fora,
Cor de Crush, foi-se embora…
E tome o dia, a calorar!
Sete horas da manhã
É uma braça de sol.
O sol alto é oito em ponto,
O feijão tá quase pronto
E já borbulha o mungunzá!
Sendo verão, ou, se chove,
Ponteiro bateu as nove…
É hora de almoçar!
Às dez é almoço tarde,
Pra quem vem do labutar.
Se o burro dá onze horas,
Diz: quase mei dia em ponto!
Às doze é o sol a pino,
Ou o pino do meio dia.
O suor desce de pia,
Sertão quente, de torá!
Daí pa frente, o dizido,
Ao invés de treze horas,
Se diz: o pender do sol.
Viração da tarde é duas,
Quando é três, é tarde cedo,
Às quatro, é detardezinha,
Hora branda, sem calor.
O sol perde a cor de zinco
Quando vai chegando às cinco,
Roda do sol… a se por!
Às seis é o por do sol,
Ou hora da Ave Maria.
Dezenove, ou sete horas,
Se diz que é pelos cafús.
Às oito, boca da noite,
Lá pras nove, é noite tarde,
Às dez, é a hora velha,
Ou a hora da visage!
É quando o povo vê alma,
Nos escuros do lugar.
É horona pirigosa,
Fantasmenta e assustosa,
Pro cabra se estupefar!
Às onze, é o frião da noite,
É Sertão velho, a gelar,
Meia noite é meia noite
E acabou-se o versejar.
Mais um dia foi-se embora
E, assim, é dizida as horas
Neste velho linguajar!
Paisagem de Interior
Isto é cagado e cuspido paisagem de interior
Matuto no meio da pista
menino chorando nu
rolo de fumo e beiju
colchão de palha listrado
um par de bêbo agarrado
preto véo rezador
jumento, jipe e trator
lençol voando estendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior
três moleque fedorento
morcegando um caminhão
chapéu de couro, gibão
bodega com sortimento
poeira no pé do vento
tabuleiro de cocada
banguela dando risada
das prosa dum cantador
buchuda sentindo dor
com o filho quase parido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior
Bêbo lascano a canela
escorregando na fruta
num batente, uma matuta
areando uma panela
cachorro numa cadela
se livrando das pedrada
ciscador, corda e enxada
na mão do agricultor
no jardim, um beija-flor
num pé de planta florido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior
Mastruz e erva cidreira
debaixo de jatobá
menino quereno olhar
as calça da lavadeira
um chiado de porteira
um fole de oito baixo
pitomba boa no cacho
um canário cantador
caminhão de eleitor
com os voto tudo vendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior
Um motorista cangueiro
e um jipe chêi de batata
um balai de alpercata
porca gorda no chiqueiro
um camelô trambiqueiro
aveloz, lagartixa
bode véio de barbicha
bisaco de caçador
um vaqueiro aboiador
um bodegueiro adormecido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior
Meninas na cirandinha
um pula corda e um toca
varredeira na fofoca
uma saca de farinha
cacarejo da galinha
novena no mês de maio
vira-lata e papagaio
carroça de amolador
fachada de toda cor
um bruguelim desnutrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior
Uma jumenta viçando
jumento correndo atrás
um candeeiro de gás
véi na cadeira bufando
rádio de pilha tocando
um choriço, um manguzá
um galho de trapiá
carregado de fulô
fogareiro, abanador
um matador destemido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior
Um soldador de panela
debaixo da gameleira
sovaqueira, balinheira
uma maleta amarela
rapariga na janela
casa de taipa e latada
nuvilha dando mijada
na calçada do doutor
toalha no aquarador
um terreiro bem varrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior
Um forró pé de serra
fogueira, milho e balão
um tum-tum-tum de pilão
um cabritinho que berra
uma manteiga da terra
zoada no mei da feira
facada na gafieira
matuto respeitador
padre prefeito e doutor
os home mais entendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior
Uma paixão pra Santinha
Xanduca de Mané Gago
Tinha querença mais eu
Me vestia de abraço
Bucanhava os beiço meu
Era aquele tirinete
Parecia dois colchete
Eu in nela e ela in nêu.
No apolegar das tetas
Nos chamego penerado
Nas misturação das perna
Nos cafuné do molengado
Nos beijo mastigadinho
Nos açoite de carinho
Nós era bem escolado.
Era aquele tudo um pouco
Era aquela amoridade
Mas faltava na verdade
Sensação de friviôco
Um querer, uma pujança
Daquela que dá sustança
Na homencia do cabôco.
No dia que`u vi Santinha
Sobrinha do sacristão
O bangalô do meu peito
Se enfeitou feito um pavão
Foi quando esqueci Xanduca
Sem mágoa sem discussão
Pois vimos que nós só tinha
Uma paixãozinha mixa
Uma jogada de ficha
Uma piola de paixão.
Santinha é a indivídua
Que misturou meu pensar
Que me deixou friviando
Sem nem sequer me olhar
Matutinha aprincesada
Mulher de voz aflautada
Olhosa de se olhar
Fulô de beleza fina
É a tipa da menina
Que se deseja encontrar.
Mas Santinha é quase santa
Nem percebe o meu amor
Não tem na boca um pecado
Tem o beicinho encarnado
Pintado a lápis de cor
Só tem olhos pra bondade
Mas não faz a caridade
De enxergar um pecador.
Ah! se eu fosse um monsenhor
Um padre, um frei, um vigário
Eu achucalhava os sino
De cima do campanário
Eu abria o novenário
Eu enfeitava um andor
Botava ela impezinha
Feito uma santa rainha
Padroeira dos amor.
Arranjava um pedestal
Um altar um relicário
Chamava todas carola
Chamava todo igrejário
E dizia em toda altura
Com voz de missionário:
Oh! minha santa Santinha!
Tire este manto celeste
Saia deste relicário
Olhe pra mim e garanta
Que vai deixar de ser santa
Que`u deixo de ser vigário!