Jéssica Regina (poeta)
Todas as cores de preta
[...]
Gritaram! Gritei!
Briguei! Calaram.
Não me calaram.
Não calarão.
Não apagarão
O negro em preto e branco
Sou preta
Sou negra de todas as cores.
De todos os tons
Sou todas as cores.
Sou todas as pretas.
A preta que sou
Me olhei no espelho
e me vi preta!
Não era a primeira vez
mas nunca antes desta cor
Me olhei no espelho
me vi negra!
Do jeito que não cresci
Com o cabelo que nasci
Me olhei no espelho
e me descobri
Com um padrão novo
De uma imagem ancestral
Me olhei no espelho
e sorri
Minha beleza é de Ouro
Negro é meu tesouro
Me olhei no espelho
Nunca mais igual
Minha carne é de luta
Não de carnaval
Me olhei no espelho
e a princesa era eu…
Não loira, não lisa, não magra
Nem branca, nem santa, nem fada
Desencana
Desencana mãe
E nega
Toda soma de regra
Que te cega de se ver como é
Rasga o contrato
da maternidade pronta
E põe no prato
O que te serve para ser mulher
Você pariu mas não parou
Não sei se um homem te acompanha
Enquanto o mundo gira
Então firma os pés e não pira
O choro do filho também é seu
A fome da criança também é sua.
Você é gente!
Se ame, se goste, se veja nua
O comercial de TV
Quer te vender um ideal
Livro de autoajuda não conhece sua realidade
Você conhece sua vida de verdade
E entende a magia feita
Para superar mais um dia
Descarregue a pressão ao sorrir
Desabe quando só conseguir chorar
Tente novamente amanhã
Todo dia é dia de acertar
Tomo partido
Eu tomo partido
O partido das mulheres pretas
Mulheres como eu
Quando saem de suas casas
São arrastadas em carro de polícia
Mulheres como eu
Quando exigem seus direitos no trabalho
São arrastadas com algemas da polícia
Mulheres como eu
Quando atuam na política governamental
São alvejadas sem investigação da Polícia
Mulheres como eu
Choram a morte do filho
Que saía para a escola
Mulheres como eu
Choram a morte do filho
Que brincava na calçada
Mulheres como eu
Choram a morte do filho
Que soltava pipa no domingo
Mulheres como eu
Esperam pelo marido que não volta pra casa
Mulheres como eu
Vivem com medo de que o marido não volte pra casa
Mulheres como eu
Sofrem com o marido quando não pode voltar pra casa
Mulheres como eu vivem de luto e de luta
Defendem a honra da família tradicional brasileira sem pai
Defendem o prato cheio na mesa
Não se rendem na guerra
E vencem cada batalha armadas da própria carne
Por dentro da pele
Na pele em que habito
Eu entendo que existo
E sou todos e todas antes de mim
Na mata, na terra, na água salgada
No canto, no banzo e na pele marcada
Eu sou
A história de quem defende um império
De quem constrói um país
Eu sou as mães que embalam a criança
Sou a mão que cultiva a raiz
Eu sou peito que alimenta e peita
Eu sou corpo que dança e que brilha
Eu sou mais do que você vê
Eu sou minha mãe, minha irmã e minha filha