JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
CÓRREGOS DE EPIFANIA
Sinto Frida Khalo
Passear pela pradaria dos meus pensamentos:
Na tela de mim,
Ela pinta uma mulher sem rosto
Que faz verter sangue
Das tetas cor de rubro.
E do fluido vividamente vermelho
Assoma e fulgura
Um cavalo radiosamente negro
A trotar airosamente ligeiro.
Ele é um corcel
Que viaja sob o signo
Da velocidade da luz:
O colossal e galhardo quadrúpede
Traz impresso sobre o seu rutilante lombo
A imagem de uma velhaca águia gigante voando.
Ela, a águia,
Expele vórtices de fogo
E sorve o betúmico oceano caudaloso;
Ela, a águia,
Semeia espigas de ouro,
Colhendo para si o alcoólico dínamo suntuoso
E fomentando a fome para o infausto povo;
Ela, a águia,
E as outras magnas aves de rapina
Subjugam o mundo vivaz, pleno, maravilhoso
E deixam como legado
O caos, o crepúsculo, a dantesca mansão do vácuo para todos.
Ah, mas eu só pude sentir
A supernova do nosso milenar planetário
Quando a Frida Khalo
Fez da minha viagem
Á inefável esfera dos sonhos
Seu mais belo, eloquente e audacioso quadro novo.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
OUTRAS GALÁXIAS FORA DE MIM
Preciso prementemente
Fazer uma viagem para fora de mim:
Contemplar as paisagens exógenas sem fim,
Que bradam loucamente,
Ansiando acuidosamente
Por gente qual as leia, as fotografe, as narre,
As incorpore depois que as deguste
Com os dentes e a língua da mente.
Ah, a mente: o mágico lugar onde habita
A fonte da libertária vivacidade ardente, ígnea!
Não é que eu não saia;
Eu saio:
Tropego pelas execráveis alamedas
Do rolo-compressor, da perfídia,
Dos físicos e mentais desertos da reta irmanativa;
Caminho ebriamente
Pela estrada da vida bucólica
Como se o fauno fosse privado
De ser cultuado na Roma do Augusto Otávio;
Afinal, passeio pela avenida
Da estranha alegria estuprada e sofrida,
Mas sempre animosa, aguerrida da jocosa nação mestiça.
Ah, por que não proceder tal Sidarta Gautama
Que se tresmalhara das garras
Da inexpugnável fortaleza da patranha
Para esquadrinhar, conhecer a legítima face do mundo
Ao singrar as alamedas e ruelas da desesperança,
Que molda, cimenta, reveste, concreta
A antiga Índia sofisticadamente cibernética.
É, talvez eu devesse, como ele,
Abrenunciar á bem-querência
Que nutro ao egoísmo da matéria:
Pregar desprendimento, benevolência, humildade
E ficar concentrado por meses ou anos
Á sombra de uma árvore gigantesca,
A fim de que eu possa captar,
Me transformar na respiração
Da água, do fogo, do ar, da Argila-Terra-Planeta;
E, ao flutuar além das nuvens, da celeste abóboda da pureza,
Poder lograr o glorioso Nirvana:
A Extática Paz Imorredoura da Certeza!
Não, não tenho esta pujança:
Na verdade,
Sou fado malogrado,
Plenilúnio dos inválidos,
Criatura pusilânime
E o inexorável sol do vácuo
Continuamente amanhecendo radioso, soberano, impávido!
Finalmente,
Depois de horas a fio sob a sádica e sodômica luz da ilusão,
Sorumbático e desalentado,
Regresso ao cancerante conforto da minha egocêntrica mansão.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
POETA MINERAL
(ODE A JOÃO CABRAL DE MELO NETO)
Vicejara da sáfara, da pedra
Um girassol que se esconde
No túmulo do empedernido.
Odeia o transbordamento da cálida água:
Acha-a frívola;
Prefere a rasteira tapeçaria, o afagar
Da mão do cimento e a metálica alvenaria do parco gesto do engendro.
Pinta a grandeza da secura:
Exaltando a plasticidade que a molda;
O aquoso, mádido, translúcido e gélido fogo
Que flui na corrente sanguínea
Das estóicas coisas ou pessoas hialinas.
A poética da observação obsessiva,
Para ele,
É plena da mais sábia epifania:
Ela fica postada
No píncaro maior
Da visão cristalina, acuidosa, concisa, plástica, vítrea!
Não,
Ele não é exangue oceania.
Não,
Ele não é apenas a pétrea açucena que rebenta altiva.
Não,
Ele não é tão-só o penedo, o ferino espelho, o Cerrado,
A Caatinga, o Sertão sem lua nem estrelas, a acrimoniosa SINFONIA.
Não mesmo, meus queridos amigos.
Na verdade,
Embora ele, quando vivo, veementemente refutasse,
O líquido poeta degusta sim o lirismo:
O lirismo presente na contemplação sóbria,
Onde os indistintos matizes do invisível se realçam;
O lirismo contido na profundidade que aflora
Da imagem da viril leveza do andaluzo toureiro
Ou da acre imponência da pernambucana e betúmica cabra;
O lirismo que se denota na narrativa da fluência de um rio
Ou que se ressuma na fluidez da serena revolta
Ora dum povo severino, ora duma gente maganês,
Que ama, apesar da dureza da navalha,
Deverasmente a sua lavra.
Ah, mais do que nunca eu acredito
Que o árido bardo, compositor da ode ao sol albino,
É, de fato,
Um radioso e magnífico
Poeta lírico!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
A PROSPECÇÃO DA PAISAGEM
Quando deixamos de ser etérea manhã,
Ainda no átrio da estrada,
Tornamo-nos presa
Da fome precoce do inexorável ocaso:
A latitude do céu,
Que pensávamos infinita,
Revela-se cria de um universo volátil.
Ah, e o nosso mar nos mostra
A sua lídima índole:
A ferocidade do vórtice do ódio
Aflora-lhe do bojo,
Domando progressiva
E plenamente
Todo o seu aqualino corpo.
A terra,
Que compõe a nossa pele,
Liquefaz-se em córregos do pus
Incarcomível:
A chaga se transforma
Em um novo tegumento,
Agora, irremovível!
Então o que reina
É uma paisagem de água:
Empedernida, rocha insoçobrável,
Mármore entalhado no oceano da passional sáfara.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
A ASSASSINADA ALAMEDA DA PAZ
Uma estreita faixa de terra
É a senha para uma insana
E sangrenta guerra.
Uma estreita faixa de terra
Apreende, fustiga, coagula
Dois infinitos Rios opulentos de cultura
Que o ódio segrega, fere, lancina, macula!
Uma estreita faixa de terra
Transmuda antigas presas
De dantescas, hediondas
E gasosas sepulturas
Em magos da fotossíntese da era medúsica.
Uma estreita faixa de terra
Operou uma metamorfose:
Comutou a telúrica pátria,
Vestida da indumentária da vangloria,
Em destinos errantes
Ou velada, curda, insone cercania,
Povo sem nenhuma alvenaria!
Uma estreita faixa de terra,
Ao criar diretrizes, dínamos, vetores para o caos,
Fez de desesperados e raivosos apátridas
Guerrilhas que veem, na religião
Ou na provocada morte,
A mais poderosa e oportuna locomotiva
Para o lucrativo bélico lob.
Uma estreita faixa de terra
Um lugar onde a flora do respeito não prospera
Uma seara em que há pretéritas eras morrera o trigo da razão
Uma plaga adorada, filha do Meso-Oriente Tapete-Sultão,
Onde o dogma do ódio soberanamente impera, é eterno furacão!
PRECISAMOS É SEMEAR E COLHER
O PERPÉTUO JARDIM DA LIBERDADE
Que assome e refulja,
De novo e para sempre,
Sobre o nosso lúgubre
Firmamento deverasmente flagelado e doente,
O sol que nos recobre
A ametística lucidez perene:
Esta, confinada no calabouço
Da também presidiária mente,
Fica sofrendo inócua e impotente.
Ah, mas sequiosamente espero
Que ele consiga suplantar e aniquilar
As onipotentes, as gigantescas
Muralhas soníferas que o hibernam na caverna
Da moleza, do dissabor, da misantropia
Para poder trazer consigo
A preciosa chave da salvadora e onisciente epifania:
A consciência de que somos a metamorfose contínua,
A fluência e a ígnea força coletiva,
A fonte e o magno centro
Da gravitacional energia pensativa!
Retesemos a idoneidade
De dizermos não á sujeição:
Tornemo-la incoercível!
Façamos a Revolução
Contra a capital sedução:
Sejamos do anel da vontade
Dignos!
Deponhamos as Metrópoles
Do sólio da tirania,
Depois, arruinemos a própria tirania
E os destruamos com o Cetro
Da Augusta, Indômita e Lídima Ventania!
Ostentemos o valor e o imensurável estadão
Da sofrida maioria:
Sejamos o Popular Poder Indestrutível!
Erijamos infinitas cordilheiras da inexorável honestidade
E de vácuo do ego insuflado
Que funcionem como a Andrômeda dos Exílios:
Remetamos para lá
A Asquerosa Banda Podre dos Políticos!
Não feneçamos mais no mental pelourinho eterno dos cativos:
Tomemos, Componhamos, Orquestremos, Rejamos
A Música que, Imperiosa, controla
As rédeas do nosso Pégaso-Destino.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
OS PÍNCAROS DO ABISMO
Ao sucumbir ao sono,
Perco-me na viagem
Á espiral de dimensões intoleradas, insones:
Lá,
Digladio-me com antigos demônios
Que, até então,
Pensava pairar sobre o céu
Do crepúsculo dos íntimos infortúnios hediondos.
No entanto,
Pungentemente,
Descubro que,
Em mim,
Eles jazem,
Latentes, silente
E continuamente diurnos:
Esperando pachorrentamente
O átimo conciso
Para que me induzam
A ir á sua arena do sodômico
Feitiço.
Porém,
Para meu próprio espanto,
Suplanto-os a todos os meus endógenos inimigos indômitos:
Contemplo-lhes impávida e destrutivamente
O fundo dos olhos que destilam
O veneno pérfido da naja
--- Mortífera! Mortífera! ---
E com o êxito,
Uma sucessão
De vagalhões de êxtase
Acomete-me e me transmuda
Em altaneiro arvoredo,
Tsunami de néons, orvalhos
E perpétuas neves do nirvana
Fazendo aflorar-me
Na soturna face
A quietude, a fleuma,
O saber caminhar e atravessar a difícil embocadura
Que não me deixa cair no abismo do ermo
E me leva direto ao lendário reino
Onde mora a benfazeja sabedoria de Buda.
Ah, não mais que subitamente,
Acordo deitado no chão da varanda
E debruço meu olhar sobre o sol
Além das nuvens guarnecendo o céu,
Além da cadente chuva:
Aí, deslindo o segredo
Para me manter imune
Ao inexorável poder
Da sua chama voraz
A arder frações opulentas da vida
Em molde de onipotentes rochedos
Á natureza da indissoluta sílica.
Posso drapejar sem comedimento,
Mas sinto ânsias de remorso
Por estar sobre o senhor dos píncaros
Da infinita felicidade insubmissa, arredia;
Enquanto a maciça maioria
Fica ao jugo do malsão sabor
Do interminável oceano de esquizofrenia,
Tornando pensantes vidas
Em miserandos chapados, cativos da larica
Da mortuária alegria.
Embora tente contumazmente
Alertá-los, fazê-los,
De todas as maneiras
filhas da poção da dinâmica
Da dialética lógica, sempre perfeita,
Enxergar a emancipadora centelha,
Eles, enleados nas malhas
Do engenhoso sortilégio maléfico,
Confinam a sua visão em lentes
Herméticas do desdém.
Afinal,
Sob o efeito desta tétrica epifania,
Decido voltar á arena
Do malévolo feitiço
A fim de me entregar,
Espontaneamente,
A meus dianhos,
Eternamente famintos:
Loucos para devorar-me
A suculenta ruína do idealismo.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
A EXPEDIÇÃO DA PALAVRA
O engendro engendra a pedra
A pedra pedra a escolha
A escolha escolhe a relva
A relva relva a aventura
A aventura aventura-se na caverna
A caverna caverna o quadraçal
O quadraçal quadraça o granito
O granito granita o alimento da História, o desconhecido
O desconhecido desconhece o ódio contra o desejo
O desejo deseja o idílio
O idílio idilia o clarão
O clarão clareia a vitória da irmanação
A irmanação irmana-se á celebração
A celebração celebra a desgraça
A desgraça desgraça a solitária
A solitária solitaria a miséria
A miséria miseria o esquife
O esquife esquifia a opressão
A opressão oprime a tranca
A tranca tranca a paixão
A paixão apaixona-se pelo tecer do cérebro
O cérebro cerebra o criatório da mente
O criatório cria a chama
A chama chama a mão
A mão manipula a caneta
A caneta caneta a mágica
A mágica chamada PALAVRA.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
A ESPORÁDICA MAJESTADE DO INCOMUM
Há dias que a retina não controla
A projeção de imagens.
Há dias que a urina infunde
Á leve menção do simples laivo da vontade.
Há dias que a doce e inócua brisa
Escalavra cruelmente a face.
Há dias que a noite
É contínua manhã incólume: a aderente Paisagem!
Há dias que a Escuridão é a alameda
Onde reside a foz de toda a universal verdade.
Há dias que o dia
Aparenta ser fluxos e refluxos de miragem.
Há dias que o Poema
É o mais etéreo plenilúnio da Vacuidade
Há dias que a latitude e a lembrança
São o mais edaz epicentro da saudade.
Há dias que o ser concreto
São os sortilégios de Mérlin, Iemanjá,
Baco, Amon-Rá e o Hades.
Há dias que o Poeta
É corpo sem Verve, a terra sem Verbo: A Vácua Viagem!
Há dias que a guerra
Sucumbe ao sopro do vento da Amizade.
Há dias que a Porta
Não é uma mera passagem.
Há dias que o sofrido povo
Não é miríade e sim, O Principal Personagem.
Há dias que a Poesia sonha
O sonho de ser o Graal da IGUALDADE!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
A NÉVOA DE PANDORA
Assentadas na colina pênsil sobre a selva de pedra,
Pessoas lançam seu olhar ao firmamento
E veem numa marcha frenética
Se aproximar delas a sádica névoa do tormento.
Os olhos transidos,
Como a injetar um ânimo febril no cérebro,
Esquadrinham particularíssimas congostas
Onde sabem que afloram escaninhos seguramente sombrios.
Alheia a tal ardil,
A névoa desprende de si
Diminutos cilindros de chumbo que descerram
Escarlates cataratas sem calma ou fecundam
Sementes, flores, florestas, floras do crepúsculo.
Quão, quantos
Cristais, Pérolas, Seivas potencialmente producentes
Que não serão
Carmelas, fulgurantes Auroras, Auréolas,
Diamantes de lume pungente, A Ébana Florescência mais Bela...!
No entanto, em vez disso,
Ela evoca tétricas noites diurnas
Que transformam airosas rosas betúmicas
E açucênicas aquarelas européia-iorubânicas
Em cálidas sepulturas.
Finalmente,
É assim a jacarandânica câmara de gás contemporânea...
É assim a aura da vil-metálica chama...
É assim que caminha a extrordinária e magnânima civilização humana!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
E ONTEM EU QUIS UM POEMA QUE NÃO PUDE CONCEBER
(ODE TOSCA A IBERÊ CAMARGO)
Ontem a paisagem
Do aroma da noite
Fecundou em mim
Um tênue fluxo dum poema.
Este fluxo carregava nas casamatas do ventre
A estrada para uma humilde hossana
A Iberê Camargo:
O mestre máximo do pincel
Que reinterpreta visceralmente
A visual realidade
Que, á primeira análise,
Se mostra vivente, a inconteste claridade incólume do sempre!
Ah, ontem á noite,
O meu ser de remendo
Quis enaltecê-lo,
Reverenciar-lhe o apurado e peculiar olhar
De transcendente acuidade,
Lançado sobre o aparente cenário em equilíbrio:
Para o geral ver,
Cegado pela síndrome de Narciso,
Completamente equacionado
Pela Matemática do humano tempo conciso.
Ah, como idolatro este olhar
Congênere da Ametista
Pois dirime a embriaguez:
Embriaguez que a insidiosa superfície
Do mundo externo impõe á vista
De um modo que bloqueia
Tão sutil e plenamente
O livre perceber que brota das mentes hominídeas,
Porque estas ancoram,
Embora inconscientemente,
Seu alado veleiro
No indestrutível porto da sageza
Do ecumênico solar desejo!
Então ele fita claramente
O incessante novelo de conflitos
Progredindo-se por debaixo da derme
Do onipresente embuste eloqüente, corrosivo!
E depois que se alimenta deste drama,
Um universo em contínuo colapso,
Vivenda em chamas,
Devolve-o íntegro, desprovido de sofismas:
Rebento do incorruptível imaginário antropofágico!
Sim, a AMETISTA EXPRESSIONISTA
Faz com que o rosto da verdadeira humana estética
Seja revelado:
Sem o adorno da airosa flor do eufemismo
E sem a indulgência que emana
Da mão estendida pela cênica sensatez residida
No alegre tremular da bandeira da trégua
Entusiasticamente anunciada, bramida!
Ah, entretanto,
O poder de captação de Iberê
É muito mais ancho:
É capaz de nos expor
Toda a densidade da latitude
Contida na pungência da tristeza,
Escondida na álacre corpulência
Do rosto de uma pessoa-oceano.
Não, eu não pude compor o tão sonhado poema:
Melancolicamente,
Naufraguei-me no mar da cara empresa.
Ah, tenho raiva, tenho pena
de não ter podido seguir a sua feérica estrela:
Não erigi versos brancos
Nem versos que sorvessem
Da fonte onde deitam
A rima pobre e a opulenta.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
ANABIOSE DA PAIXÃO
Enquanto ergue-se em mim
Um monólito de bem-querência á solidão,
Lá fora a rua é quase calmaria
Pois o rádio ---- ainda que
Ligado ---
Ajuda a compor o quadro
Do augusto mutismo altruísta, sereno,
Sábia atmosfera de reflexão recrudescendo.
Após tantas e tantas esperas
Pela ignescente e fulgurosa
Aurora boreal, sem
Que houvesse uma sequer
Negativa ou positiva resposta,
Apaguei a chama da esperança:
Cerrei-lhe a porta!
Preferi o porto seguro do vácuo
A prosseguir contumaz
Em minhas andanças
De exitoso náufrago.
Porém a voz da minha consciência
Diz que é cedo demais
Para eu relaxar,
Me deixar entregar ao embalo
Dos hartos e meigos braços
Do réquiem do apaziguamento
No mar da expansão engolfado.
A bem da verdade,
Ela me alerta:
Diz a mim que o náufrago
Não se dirigiu ás estâncias
Do reino do Morfeu perpétuo.
Não,
Ela me diz que ele escapou
Das garras do limbo da letargia eterna
No momento em que minha visão-caminho
Singrou o caminho da jóia
Divagativamente
Ametista-Névoa
Que no meu jardim aflorou áquela hora.
Sim, um copo-de-leite roxo
Libertou-me, de novo,
Do cárcere da benfazeja embriaguez voluntária.
Sim, um copo-de-leite roxo foi o suficiente
Para revelar que o crepúsculo
Definitivo da chama, na verdade,
Era o ouropel da morte:
O coma, o coma!
Ah, mais que dolente engodo:
Agora é que descubro
Que meu monólito de bem-querência á solidão
É um dantesco absurdo!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
O RELICÁRIO DE VIVÊNCIAS
Ao pé da colina das Esmeraldas desvanecidas,
Contemplo o fluxo oceânico
De Sáfaras, Opalas, Ametistas, Safiras, Jades, Pérolas e Turmalinas
Fluir infrenemente em direção
A uma enigmática neblina.
Como que insólita
E miraculosamente
Minha humilde perspectiva
Abissalmente se amplifica:
Enxergo, de forma nítida,
No âmago da densa e calma
Massa gasosa de naftalina,
A sorumbática chegada,
A horrenda masmorra,
O aterrador cadafalso,
A lancinante calmaria,
A iminente, ineludível e fatal partida.
Então sôfrego
Para que as aquarelas,
Auroras, auréolas
E noites da etérea primavera
Refluam-me novamente
Ao córtex de um niilista sem cura,
Vou ao encontro da cordilheira
Das minhas chagas abertas e devolutas
Pois suplantam toda ou qualquer agrimensura.
Ah, na verdade,
Como eu gostaria de que estas lembranças
Rapidamente se dissolvessem igual a gelo
Sob o efeito do inclemente sol do Saara.
No entanto é uma leda vã ilusão sádica:
elas agem conforme fossem Antártida intacta!
CANTO DO SER SEM AURORA E ALVORADA
Um rio agônico que deságua
O ocaso emanando dos moribundos olhos que derramam lágrimas
A cordilheira que se metamorfoseia em cinzas de montanha
A espera impressa e circunscrita na hirta parede da lembrança
O estro que tomba ante o eclipse total da esperança
A criança que dorme, morre e não sonha
O bardo que é maninho pasto, desrepasto, marasmo, secura, insônia
Insânia!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
O CERÂMICO GUARDADOR DE PAISAGENS NORDESTINAS
(EM MEMÓRIA DE MESTRE VITALINO)
Um grande homem do povo,
Semente nascida da acre terra bucólica,
Floresce, novamente, ao ser preso
Pelas malhas do sortilégio da cerâmica:
Opulento universo da prolífica verve prodigiosa, epifânica!
Da carne desta mágica argila,
Pulula um cosmo
Que dá loquacidade, eloquência, garbo e encanto
Á estóica vida no nordestino campo:
Os carros de bois em caravana;
A contenda dos amantes conjugais
No exíguo aconchego da sua adôbica cabana;
Os cangaceiros paramentados
Como a realeza do fogo sepulcral;
A Igreja, o santuário da fé imortal;
A gente sofrida, templo da incansável esperança!
Afinal a humilde nação do semi-arido:
Reino dos sábios gigantes,
Forjados pelo metal do contínuo drama insuplantável;
A serena gana de ter direito á vida. Esta gana os agiganta,
Torna-os a indelével chama magnífica!
E então, o artífice
Á rude paisagem sublima:
O olor do cotidiano da faina campestre
Se eterniza, eiva a mente e a visão
Dos presunçosos ignaros
Que desdenham a grandeza
Da laboriosa estirpe do Nordestino Sertão:
Incessante florescência da animosa
Flora tenaz, incarcomível, insoçobrável!
Ah, maestria, ah vitalidade!
Vitalina é a centelha
Que lhe alimenta
A frondosa árvore da criatividade.
Ah, etéreo mago fantástico!
Ah, genial alquimista do barro!
Sua mente, na verdade,
É um cinético vulcão de avatar
Que, ao entrar em erupção,
Transforma o deserto da nossa visão
Em verdejantes bosques de sensibilidade e lirismo.
Enfim, tocados por sua mágica,
Começamos a contemplar a beleza
Cujo perfume, que aprisiona
O organismo, o corpo, a retina e a órbita
Do palato, da audição e do olfato dos olhos,
Molda, norteia e afaga
Os passos da prole do éden da sáfara.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
AQUARELAS DE MIM
Erijo monólitos de mim quando escrevo
Erijo exílios em mim quando escrevo
Erijo céticas catedrais de paz em mim quando escrevo
Erijo no chão de cimento da minha verve
Girassóis do mágico vento quando escrevo.
Faço do silêncio interno
A mais fragorosa música quando eu escrevo
Faço da crédula e velhaca ressonância dos
Corais de zagais modernos
Estro para revelar o sabor malsão de seu mel malévolo
Quando escrevo.
Pincelo alcovas para o vácuo dormir comigo
Quando escrevo.
Pincelo AKs-47 para soçobrar os majestosos castelos da demagoga e harpíaca
Eloquência quando escrevo.
Pincelo uma miríade de pernas sôfregas por cosmopolismo
Quando eu escrevo.
Pincelo heterônimos bidimensionais
Quando escrevo.
Degusto o sol da catarse
Ao pincelar a mim mesmo quando escrevo.
Sou disco bicromático quando escrevo.
Sou relva, revoada e guepardo quando escrevo.
Sou faca cega, lâmina de dois gumes e pedra lascada quando escrevo.
Sou água-viva, letargia e águia quando escrevo.
Sou aquarela sem pais, aquarela sem limiar e aquarela sem medo.
Afinal, quando eu escrevo,
Sou aquarela inerme, aquarela do caos, aquarela indigente:
Sem nome, sem baile, sem lápide, sem brumas ou testamento!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
DESCONSTRUÇÃO
Imerso no magnetismo do colchão,
Perco-me numa neblina de sonhos, miragens e vãs divagações.
Quando acordo,
Possuo apenas um poema
De índole vácua:
E sua teia é navalha
Que o corcel da mente escalavra,
Lancina e mata.
Seu legado é o soçobrar do fluído verbo.
Seu legado é a afasia do produtivo fazer poético.
Seu legado é a elisão do penetrante, sábio e facundo verso!
Assim, o que resta é um poetar sem eco, povo nem reflexo.
O que resta é um poetar sem alvenaria, alicerce, paredes e teto.
O que resta é um poetar com malária, chagásico, asceta, Acético!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
ESCRIBIR EN CIELO DE AMARGURA
Sou aquele que bivaga sobre gases de desejo e lágrimas de Concreto
Sou aquele que jaz na cama da ultra-abstrata fome absoluta
Sou aquele que sempre fica á margem do pleiástico santuário
Sou aquele que carrega sobre o dorso do cérebro inúmeras
Chagas de inépcia
Sou aquele que a monótona verbena perpétua encarcera
Sou aquele cuja estrada é pavimentada pelo vórtice da miragem
Finalmente eu sou aquele que sempre está fadado a interromper
Sua viagem.
JESSE BARBOSA DE OLIVEIRA
MARISQUEIRAS
Quase no limiar da manhã,
Sofredores semblantes de mulheres denodadas
Partem de suas calorosas vivendas infaustas
Rumo ao encontro de mais um árido dia de lavra.
E que lavra dura, pesada, prolífico jardim de sáfaras:
Colher no Atlântico mar da Goiânia pernambucana
Pérolas culinárias que hão de extasiar o paladar
Daqueles providos de algibeiras
Parcamente ou demasiadamente
Magnânimas, exuberantes cataratas do Iguaçu e do Niágara,
Imponentes cordilheiras dos Andes e do Himalaia!
Ah, o quinhão que recebem
É torpe, infame, aluvião de vexames nada breves:
Uma ignóbil monção de atrozes intempéries ultrajantes
Que as afoga no sádico oceano de dores
Oclusas no reino do pranto exangue,
Salpicadas de alamedas da piedade serelepe e incessante.
No entanto suplantam a humilhação
Com o fulgor da aura da dignidade,
Que aflora da imagem de suas nordestinas cabeças,
Levantadas ao girassol-firmamento em amplidão na verdade.
Sim, e lá vão elas, as catadoras de mariscos,
Com seus filhos lhes fazendo companhia,
Depois de um dia pejado de faina cansativa
E humilde dinheiro na palma das mãos,
Voltar, finalmente, para o aconchego
De seu exíguo e íntimo torrão.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
APRENDIZ DE DIVAGAÇÕES
O teto, acima de mim,
Jaz sólido:
Ainda sim,
Transidamente,
Eu o olho.
Escalavrado pela impotência,
Pelo vácuo, pelo tédio
De afluirmos,
Deliberadamente,
Ao estuário da vida,
Deixo-me domar
Pelo sobrepujante cavalgar
Do heliocentrismo da elegia.
Pesarosas lágrimas silentes
E invisíveis rolam-me
Por sobre a epiderme:
Crianças ao bel-prazer
Do ódio como agasalho
Da devoluta alma,
Devoluta pele e osso,
Devoluta mente,
Devoluto corpo
Sorvem a seiva da ira
Contra o Éden misericordioso.
A eloquente voz de um homem
Esculpe, esmerila e grita
A oração: --- Sim, nós podemos, irmãos!
No entanto,
Será que esta sentença
Ganhará eco de materialização
No reino, hein, das vis-metais mentes e preconceituosos corações?
Não,
Tal convicção não acalenta
Meu escaldado ente-razão,
Mesmo quando agora
O contemplo segurando,
Firmemente, o poderoso cetro
Que norteia o rebanho
Das extáticas cabeças
Que, pelo oblíquo caminho, vão.
Na verdade,
O que, cotidianamente,
Vejo é a construção
--- cada vez mais célere ---
De megalópoles quatro palmos
Abaixo do chão.
Na verdade,
O que, cotidianamente,
Vejo são vales de incauto sangue derramado
Regozijarem os galhardos iconoclastas
Da sábia vida prolífica:
O escárnio á longevidade da sua celebração, sua mádida magia!
Testemunho
Querelas que libam,
Avidamente,
O vinho da ganância por poder
Abrir sulcos e crateras
Na mansão do nosso altruísmo.
Testemunho
O gradiente do egoísmo e da maldade
Açambarcar-se, avolumar-se,
Caminhar de mãos dadas com a ubiquidade,
Tornar-se loquacidade, astuto
E voraz canibalismo onipotente:
O arrebate do arrebol da crueldade iminente e a corrosão selvagem,
Chama alimentando a sequidão leviana, alarve
Qual ansiosamente se encontra
Ás portas do sol que liberta
A aura da universal supernova hecatômbica, fúnebre, funesta!
Enfim,
O teto, acima de mim,
Jaz sólido:
Contudo o liquefaço
Com o lume dos pensamentos
Que emana da íris dos meus olhos opacos.
Sim,
Contemplo, como se estivesse
Confinado numa câmara
Hermeticamente fechada,
A insensibilidade degustar-nos
Incomensuravelmente deleitada.
PAISAGEM SEM PLUMAS
Sinto o olor de uma matilha no encalço do Girassol:
A sequidão por soçobrá-lo é tamanha
Que a canina imagem faminta e ferina
Qual se forma na fonte da minha espiritual retina,
Apesar de intangível por a saber ainda bem longínqua,
Penetra-me na verve como dantesco voraz raio-trovão
E me lancina atrozmente a razão.
No entanto,
O Girassol está completamente despido do medo:
Ele espera os seus algozes belicosos, morteiros
Tal como se estivesse dormindo calmamente
Sob o aconchego da transparente armadura lúcida,
Reino da fleuma, da sabedoria, do candor e da bravura.
Então começo a crer
Que a hoste dos sóis
Da Resistência Desarmada
Estava envolta pelo manto
Desta balsâmica e benfazeja aura
Ao encarar a fronte vociferante
Dos promotores malévolos da dama Caetana Sorte.
Ás vezes,
Sou acometido de uma forte impressão:
A impressão de que os entes
Que trazem sobre o semblante
Estes predicados do solar sereno horizonte
Não morrem quando recebem o derradeiro golpe;
Antes, sofrem uma poderosa metamorfose:
De outros corpos mentais tomam posse,
Fazendo pulular jardins do iluminado Girassol
Por toda parte.
Afinal, eu reflito:
Mesmo que a matilha de cães famintos
Alcance e trucide o Girassol,
Sua prole --- tão lauta e prolífica ---
Há de nos alimentar o corpo,
A derme, o córtex, o coração:
Sempre resplandecente e nada inerte, o crepúsculo do olhar vão!
Portanto o Girassol concebe o mundo
Conforme os olhos de quem contempla
A paisagem mais límpida, cristalina:
Sem as plumas da obtuosidade, da dúvida
E da bruma da obliqua indulgência soturna.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
PLEONASMO DO POEMA-POESIA
O Poema é uma centelha
Concomitantemente
Conclamada e errática.
O Poema é a equação
Que habita o cérebro
Da nossa dualidade:
Pavimenta a alameda da emoção e da racionalidade.
O Poema é uma enigmática areia movediça:
Rebenta prenhe ou órfão de um intento
E trilha vias do alcácer das viroses dos abstratos, concretos tormentos
(sejam os frívolos dissabores, seja a dantesca
luminescência da bruma do quase aniquilamento),
Antes de se transmudar em monumento
Á Lógica, ao tornado dos vulcânicos sentimentos
Ou ao maremoto dos libertários devaneios.
O Poema é a aquarela
De um premeditado
Ou inesperado Estalo:
Nasce no córtex,
Navegando pelo
Oceano de teias e correntes da mente
Para, em seguida, desaguar sobre
O espaço vazio como palavra:
Quer Verso insalubre, amarelo, hospitalar, alegria flagelada;
Quer jucunda ventania, Poesia em estado de Graça!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
A COR DO VÁCUO
Como se contemplasse uma paisagem impalpável,
Testemunho recorrentemente
O ocaso e o desassossego dos sóis humanos:
Ainda hospedados na nave d’aurora;
A meio caminho do limite da estrada
Sombria, pérfida e sinuosa;
Dando passos cautelosos, breves
Sobre a obliqua corda bamba
Da falcifórmica alegria,
Cuja sina é ser o corpo
Que sempre tomba
Muito antes de chegar
Á fonte da água cristalina.
A mais pura verdade
É que a flor da inocência
Mal eclode, desabrocha, prospera;
Já sofre voz de prisão
E passa sua vida ----
Que, na gestação,
Emitia uma luz
Tão impávida, ígnea ---
Numa empedernida cela:
Solitária, sádica,
Faca a esventrar
Inclementemente
As vísceras da mental aquarela.
Ah, a onipotência da crueza
É uma força inexorável:
Ela desfila pelas passarelas da guerra;
Ela se alimenta de almas errantes, erráticas, crédulas;
Ela se transforma continuamente
Nos habitacionais carcinomas da selva de pedra.
Ah, a miséria humana
Ah, a sede por vidas etéreas
Sôfrega e celeremente
Apodera-se da nossa chama e medra soberana.
E depois,
A paisagem do vácuo
É o que unicamente sobra:
Não há mente
Não há verve
Não há lembranças nem versos de protesto
E de paixão.
O que vive é um corpo:
Um corpo
Que não ama, não pensa.
Um corpo
Que não sente dor, desejo,
Brisa, luto ou tampouco saboreia a vida.
O que vive,
Finalmente,
É uma matéria
Que apenas anda
E ocupar lugar
Sob a imensidão
Da atmosfera da Terra.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA
POESIA-PLACEBO
Tórrida noite,
Tépido dia:
Certo mesmo é ser fria
A minha poesia.
Longa noite,
Mínimo dia:
A verdade
É ser cega a lâmina da minha poesia.
Gótica noite,
Plácido dia:
A poesia minha não fecunda as tormentas,
Tampouco afaga a brisa.
Cancerígena noite,
Ofídico dia:
Minha poesia não é amplidão e matéria florida,
Muito menos cubículo ou o estadão das partículas.
Dia-noite,
Noite-dia:
É água insossa a minha poesia..
Nem salgada, nem docílima!