Jefferson Schroeder
Sobre a sinceridade
Alguns comportamentos bons podem não ser sinceros. Por exemplo, quando você está irritado, o seu impulso muitas vezes é de ter uma atitude grosseira. Mas você pode controlar a sua sinceridade pura, natural, antes do controle, que entendo como algo instintivo e sem o controle racional. Algo como um impulso livre, como uma natureza sem ruídos. Como o ato real dos performers. Hoje ouvindo Nina Simone percebi que é preciso mexer nos ouvidos para conseguir ouvir as músicas dela. O corpo quase treme ao ficar em contato por muito tempo com as obras dela. É mais fácil para o corpo ouvir músicas mais simples, porque o corpo não treme. Estar em contato com a arte exige uma disposição do corpo. O instinto é uma mãe que levanta um carro com as mãos para salvar um filho. Isso existe. Acontece. É arte também. Arte é sinceridade. E por isso os quadros dos grandes artistas, as músicas dos gênios... são atemporais. E por isso alguns textos podem ser lidos para sempre que serão atuais. Algo como "eu sou a verdade e a vida". A verdade existe e ela às vezes não é percebida porque o corpo que ouve está bloqueado, ou não aguenta sentir... ver a pintura, a escultura. Se você não aprecia uma boa arte, fique atento, provavelmente a cegueira está fora do quadro, da música. Aprimore seus amores pela natureza e terá a permissão de sentir a sinceridade
Um guarda-chuva de nuvem
"Enquanto você espera a chuva passar, talvez a vida tenha te dado aquele tempo para você pensar em algo que vai te fazer bem. Mais para frente, aquela moça que corre com a pasta na cabeça, triste pelo seu pingente estar molhando, vê seu corpo chover para chegar em casa e receber a toalha do seu namorado que há dias não fazia um carinho daqueles mais bonitos, escondido nas sutilezas de uma gentileza.
Do lado dela, mas acabou atravessando a rua, o senhor de camisa xadrez não pegou tanta chuva, e olha que ele andou mais quadras que a moça. Mas é que ele precisava dizer para o pedinte que a chuva até que estava leve, para ver o sorriso do moço que, no chão, não tinha se molhado aquele dia para proteger as roupas lavadas na torneira que ele deixou aberta no meio das flores vermelhas do jardim daquele restaurante. Já para as flores a água tem sido muito e por isso, com a chuva, ficam se sentindo injustiçadas pela vida. Mas elas precisavam pensar sobre isso. Queria conseguir te fazer pensar nisso. Uma vida com aquele desenho de nuvem em cima da cabeça de cada um. Que os caminhos da vida são tão precisos, que a água que cai sobre mim pode não ser a mesma que cai sobre você, mesmo que estejamos de mãos dadas correndo na rua embaixo das mesmas nuvens."
"Acabei de chutar uma boneca na rua, sem querer. Enquanto meu amigo arrumava a boneca pedi desculpa para o vendedor que estava sentado ao lado das suas mercadorias usadas e encardidas:
Ele “Não pede desculpa não! Se você não tivesse chutado essa boneca você não teria olhado para mim e não teria me conhecido. Muita felicidade para você, mas não só para você, divida com quem você ama!”
"Às vezes acordo de noite e me vejo sozinho no meio do apartamento. E me bate uma alegria inexplicável. No meio do colchão, no silêncio dos prédios, eu ali com alguém que me faz ser eu. E me pergunto quem é este alguém que está comigo e me faz ser eu e que habita em mim e não outro. E volto a dormir e sonho sonhos deste alguém que me confunde em mim e muitas vezes me faz pensar que somos um só. De onde vem este que escreve e que move minhas mãos e alimenta meu pensamento. E assim como ele, vida que corre por entre meus olhos, talvez outros que convivem em mim ou perto ou dentro dos que vejo. Lembrei de um texto de Clarice onde ela ou o que habita nela escreve frases conexas como num fluxo de pensamento. E entre estes pensamentos me vejo e lembro que é tarde e que logo levantaremos. E penso na conversa na mesa com amigos hoje mais cedo quando comecei a falar sobre a vida sem o pudor que é comum em mim. E num impulso de conversa espontânea, quando as palavras saem apenas, comecei a falar sobre o quanto vivemos bem e quanta responsabilidade há nisso. De como o conforto te responsabiliza em fazer crescer os outros, enquanto seu tempo livre, enquanto os outros trabalham e lutam sem tantas mordomias. Porque por acaso, ou não, este eu que somos, não vivemos tão difícil como os outros que habitam muitos. Por sorte ou coincidência, temos privilégios que milhões não têm. Um homem cai no chão no restaurante ao lado. Paramos de falar. O eu dele convulsa. Talvez seja coisa dele com ele mesmo. Ele então logo volta a ser eu; o eu dele. Ouvi esses dias de uma mulher que passou mal porque seu anjo da guarda tinha trocado o turno com outro. Ela sem anjo por segundos quase morreu. E quem manteve ela sem anjo naqueles segundos? Teriam anjos todos. O que sentem os anjos de alguns. E dos que não podem mudar o turno. E agora podemos voltar a dormir, já nos vimos de novo. Esses dias pensei se temos sono todos os dias por já termos feito muita coisa, um sono atrasado, acumulado de eus. O dia passa tão rápido e mesmo assim me canso e tenho sono. Porque preciso descansar de tão pouco tempo. Tempo acumulado, sono de eu que habita muitas e muitas vezes. Fecho os olhos, e assim começo e me realimento em algum lugar. Silêncio de eus ao meu redor, todos dormem e vagam, e se encontram."
Às vezes quero escrever um texto mas ele ainda não está. Ele me vem mas ainda não está pronto. Às vezes me parece que já o tenho inteiro. E quando paro pra fazer, ele não vem. Fica querendo ser bonito e se perde na beleza até que não faz sentido e o abandono. Por vezes parece que sei mais dele do que pra você, mas que pra você ele ainda não é claro. Parece exato em mim, mas se pra você ainda não está completo, me questiono se pra mim também já o entendi. Então sento e tento deixar ir. Mas não psicografo. Como suspeito de Pessoa. Deixo. E um dia ele vem. Muitas vezes com a primeira frase. Bonita. Olho pra ela e penso se ela é o mote ou uma armadilha. Então levanto num impulso, como de madrugada às vezes, e começo. Me guio pelo filme que diz pra um aluno apenas falar palavras aparentemente sem sentido e ver a poesia que aparece. Também lembro da diretora que separava arte das ideias. E olho para as minhas palavras tentando entender se a ordem delas mais quer dificultar do que informar. Se são vaidosas, ou contorções para se fazerem entender. Tenho o texto. E releio em um prazer que às vezes é alimentado pelo retorno dos outros, às vezes mais quieto do que supus, e às vezes constrangedor ao ponto de esmagar meus dedos dos pés até eu apagar. Falo contigo como alguém que quer me ler, e se às vezes sou longo demais, penso que fui desinteressante no começo. Mas o início é preciso, e por isso o comprido para concluir e te fazer entender. Te falo como alguém que segreda e alimenta amor. Que esconde íntimo, mas que se expõe nas entrelinhas. E às vezes me abro de vez de todo. E me guardo até pensar em nós outra vez.
E se eu andasse até aquele morro onde tem aquelas árvores para ver o que tem lá, e levantasse aquela pedra? Quantas vidas já pisaram ali, o que tem atrás daquela rua, embaixo do banco daquela igreja... quem fez aquele banco de madeira que está na praça? E agora quantos dormem, correm, cantam? Sinto uma curiosidade de andar pelos lugares, de fazer a curva daquele caminho de terra. Quando fui pra Argentina me enchia o coração imaginar aquelas casas com pessoas falando uma outra língua por corredores que ligavam salas e banheiros que nunca vi. E quem fez aquelas paredes? Fotos em preto e branco, já olhou fixo para os olhos de pessoas que já não vivem mais? Ouvi dizer que o sangue das obras dela é para mostrar a vida por trás, por dentro das obras. Quantas vidas ficaram naquela ponte no meio do mar? Mas esse texto não é para falar disso. Era mais pra pensar que tem caminhos que não andamos nunca e que são nossos, e que guardam segredos, situações, pessoas... muitas pessoas. O mundo é nosso. Os filhos que choram são todos nossos. Quem mora naquela casa por onde passei por tantos anos sem olhar para dentro? O que tem naquelas ruas lá embaixo que nunca fui? E para além daquele portão, quantas vidas? Disseram que o ar é cheio de vida e morte. Mas esse texto não fala disso. O que diria alguém lá na neve sobre os meus escritos? E se eu lesse com a minha língua o que sentiria a menina que imagino agora sentada na noite da neve com seu casaco vermelho? Tem alguém dormindo agora naquelas casas de neve? Tirando um cochilo depois do almoço? Quanta vida precisaria para conhecer todos os lugares e pessoas? E aqui onde deito, na terra onde está minha casa, quantas vidas pisaram, passaram em todos esses milhões de anos? Que plantas, animais, sons? Quanta vida há e houve e haverá? Será que é esse o sangue das paredes nas obras dela? Olhei para o fogo esses dias e fiquei pensando como queima a lenha. E então falamos sobre quando viram o fogo pela primeira vez; acho que não teve...
Meu amor pela internet,
Confesso que as vezes dá vontade de sair e apagar tudo de vez. Até porque existe essa possibilidade. Ninguém é “obrigado a nada, a nada”. E engraçado que quem espanta são os reclamões. Aqueles que fazem post de que estão fazendo limpa no Face, como se ter alguém em alguma página fosse algo valioso. Aqueles que não gostam de Pabllo Vittar. Aqueles que reclamam de bafo de alguém, que você não sabe quem é, do cheiro de suor que alguém cravou a cara na axila no metrô. Dos que não gostam de BBB. Quem se importa? Afinal, é só sair, ler livro, ler, igual ficam lendo aqui. São as próprias pessoas que reclamam da internet que fazem o espaço ficar chato.
O fato é que é muito legal por aqui. Tem muita gente legal, textos legais, raciocínios, fotos, pinturas, músicas que alguém tocou agora do outro lado do mundo e acabou de sair pelo seu computador. Tem como ler Shakespeare ali no Google, como saber da Síria em alguma página por aqui, tem como ocultar histórias de quem você não gosta dos posts ou não combina com você, tem como favoritar seus amigos preferidos, aquelas pessoas que escrevem pro seu coração. Tem como ler algo que vai mudar sua forma de pensar para sempre. Afinal, tem muuuita gente legal por aí, e muitas delas estão por aqui. Muita gente pensando, escrevendo, pintando, fotografando, criando, ajudando gente, limpando natureza, tentando fazer peça de teatro, cantando, mostrando a voz, a cara, a educação que teve de pai, de mãe, de pais, de mães, de escolas, de vida.
Quando alguém estiver olhando para um celular enquanto você fala, pode ser que este alguém esteja lendo um poema, enquanto você reclama de algo, da falta de contato entre as pessoas.
O pai dele estudava ali perto da igreja e ele ia junto. A mãe já falecida deixara os dois no apartamentinho de aluguéis atrasados. Conforme os anos iam passando ele ia ganhando mais confiança para andar pela faculdade. Primeiro sentava no corredor onde recebia cafunés dos professores de contabilidade, depois ganhou a cantina com a televisão de som baixo, e mais pra frente o jardim. Roçando a sola do tênis nas pedras úmidas notava sempre uma luz acesa no prédio do outro lado da rua, apenas isso. Por conta de uma aula que um dia não teve, prova que o pai sorriu ao saber do adiamento, agendaram para uma tarde, uma semana mais para frente. Neste horário muitas salas ainda estavam trancadas, mas os fins dos corredores eram menos assustadores. Olhou para cima e viu dois olhos dentro de um capuz vermelho que se esconderam ao serem flagrados. Curioso, caiu os olhos para a recepção do prédio e notou enfileirados alguns seres com as mesmas roupas vermelhas que tentavam disfarçar de forma um tanto engraçada as suas entradas no grande edifício espelhado. Colocou então, pela primeira vez, os pés desacompanhados na rua e com o coração saltitando pegou a primeira escada que encontrou. Pelos degraus cruzou com uma mulher careca que carregava desequilibrando várias xícaras e louças. Subiu sem portas para sair, até que chegou ao topo. Lá os grandes encapuzados tomavam seus chás e conversavam, repetindo uma única e mesma palavra. Engatinhou por entre as pernas mas engatou em uma das sandálias e foi puxado de surpresa pela gola do casaquinho com estranha leveza. Ao ser indagado com um “glunck” teve a ideia de repetir o mesmo som. Todos da mesa ficaram pasmos. O da ponta então levantou da mesa com dificuldade e trouxe um manto exatamente do seu tamanho aos aplausos de todos. Tomaram chá com calma e depois, um a um, foram pulando lá de cima e entrando nas janelas de outros prédios mais abaixo. O menino com medo de voar desacompanhado pela primeira vez, tentou descer o máximo que pode pelas janelas, mas resvalou e foi parar no jardim do outro lado da rua. Ao ser indagado pelo pai sobre o capuz, minutos depois, com a prova feita faltando uma questão, respondeu que tinha ganhado lá em cima do prédio de um grupo de “coisos” engraçados. Com os olhos contra o sol, olharam com dificuldade para o topo. O menino feliz e o pai pela primeira vez julgando com o canto da boca as histórias do menino; desacompanhados.
Converse um pouco com a minha avó sobre corpo humano e logo ela vai te perguntar qual o maior órgão do ser humano. A pele. Aprendeu isso em um curso de massagem. Deslizava sua pele em outra pele. Agora enrugada já não desliza mais. Ela que reveste, que protege, que cobre, tão fina e delicada, segura rios de sangue, de pulsações, corações. Estes que batem agitados com o toque de uma pele especial, que saltam com a lembrança de uma pele, que se fecham para peles específicas e que esquentam os tremores da pele no frio. Pele que se livra ao notar o fogo, pele que se torna os olhos dos cegos, a forma no escuro, que se arrepia com um mau pressentimento. Ela, que tirada da natureza, com suas cores de terra, foi tirada à força de sua beleza para se tornar apenas três: branca, preta e amarela. Ela que surge em uma barriga, em trilhões de barrigas, que transforma o prazer em gente, que reveste crianças e ingenuidades. Culpada pela própria riqueza acabou virando carma, castigo, azar. Ela que definiu de berço escravos arrancados de seus tetos, de peles arrancadas, cortadas, que definiu judeus encurralados, que caiu gelada em câmaras de gás. Culpada pelos próprios filhos, responsabilizada. Pele que em umabraço salva um dia inteiro, salva uma vida, pele que com o toque acalma e cura, que com suas texturas, bocas, suscita paraísos. Pele que cobre gênios, bichos, tapete de pelos, de camadas grossas para nadar no gelo, de confundir leões. Ela que se multiplica para ver crescer suas criações, sem pensar em formas e pressas, generosa com todos que respiram. Pele, ela que sem querer fazer sentido apenas gostaria que todas as suas peles estivessem unidas como uma pele só.
Se eu fosse te dar um conselho começaria dizendo para você sair de perto dessas pessoas que geram estes climas dentro de você. Tem relações de amizade, de namoro, de família que dão sono de viver. Depois de fazer isto a vida vai te recompensar e você vai perceber que demorou muito para tomar esta atitude. Não se culpe, pra não trocar a dor de antes por uma culpa de agora. A sua cabeça sempre vai estar tentando te derrubar. Pelo menos no começo. Talvez porque você cresceu vendo as pessoas tendo pena de quem chora e incomodadas com quem ri demais. Você provavelmente foi criado pra fracassar. Em alguns picos de alegria você vai tentar se frustrar. Pode sentir uma melancolia naquele dia onde tudo tinha que dar certo ou provocar uma briga depois de muitas horas de paz. O fracasso treinado, faz parte. “Domine seus atos ou eles te dominam”. Isto serve também para relacionamentos, profissionais e amorosos. Nos amorosos o discurso é sobre a sinceridade. Assim como confundem democracia com liberdade de opinião, confundem sinceridade com falta de autocontrole. Partindo deste princípio você vai manter firme por alguns anos a imagem de que ser sincero é bonito, e então toda vez que você estiver contrariado vai falar sem filtros o que está pensando. E pior, quando estiver apaixonado vai dizer tudo o que pensa achando que relações são filmes da sessão da tarde, onde alguém corre na chuva e pega a pessoa pelo ombro bem na hora do embarque do avião. Sendo assim vai esquecer que damos valor quando não temos muito e pode gastar um eu te amo até o outro não suportar o fato de ser tão amado e sentir que não tem espaço para demonstrar também. No meio desta relação você vai estar tão disponível que depois de muito tempo não vai mais conseguir ter uma imagem importante de que você é independente e que pode sumir a qualquer momento. O amor da sua vida pode ser de outra vida. Na educação de pai e mãe existem valores que serão importantes para sempre e que você vai perceber a falta disso em muitas pessoas. Principalmente naqueles que não respeitam hierarquias. Hierarquias são importantes para organizar as coisas. Mas cuide para não acreditar em títulos nem em posturas, por dentro delas não tem nada de diferente. Ainda dos pais, você poderá melhorar eles com afeto, assim como muitas situações onde o afeto possa parecer a última solução. Provavelmente ela será a melhor e a mais nobre. No seu trabalho lembre sempre que isto não é um favor e que tudo exige um pouco, ou muito da sua disposição, faz parte. Que a sua vida é infinitamente melhor do que a de muitas pessoas. Sobre a vida, ela é teimosa. Pode querer chamar sua atenção quando você parar de dar atenção para algumas coisas, faça isso. Até com alguns desejos muito fortes. Desloque seu ponto de vista. Sobre o seu tamanho, imagine uma bala de um revólver, você é deste tamanho. E sua pele é muito, muito fina. Quando algo for dito perto de você na rua, escute, aquilo pode ser para você, mesmo. Faça o exercício de pedir informações para quem você menos pediria, você vai se surpreender. Te digo também que a vida só te mostra o que você merece ver, então, expanda a sua fé. "Nem tudo que reluz é ouro”, e olha o que já fizeram por causa dele. Se você faz o bem, fique seguro, afinal se sentir bem é o que mais desejamos, e ao mesmo tempo o que mais tememos viver. Viva bem e fique firme nesta, uma hora você se acostuma.
Seu nome de alguns
Me disseram que os nomes que ganhamos carregam uma história. Como um carma, um acumular de coisas boas e ruins que se entrelaçam nas letras que formam o nome nosso. Quando foi a primeira vez que disseram seu nome? Quem teve a primeira ideia do seu nome e gostou do seu somar de letras? Quando fingiram ter seu nome, ou precisaram ter o seu nome para poder continuar? E agora enquanto falamos nisso, quantas crianças são batizadas com o seu nome? Quantas vozes agora dizem o seu nome em alto som ou em pensamento?
Na psicologia existe uma parte que fala sobre o investimento que os pais têm ao nomear um filho. A escolha do nome carrega então uma força oculta pela comunhão daquelas sílabas específicas. A numerologia.
O que já foi feito em seu nome? Quantos no mundo já tiveram o seu nome, tem, terão? Seu nome não é apenas seu. E mesmo que você fosse o primeiro a ter este nome, talvez em breve outra pessoa recebesse as mesmas letras. O que está acumulado no seu nome? Quantos abraços ganharam de alguém com (n)vossos nomes, quantas vidas passaram na mão destes, quantas marcas deixaram no mundo?
Seu nome pode ser um baú do passado em constante acúmulo. Quantas limpas devem ser feitas, qual a responsabilidade de ter este nome, quantos pesos eles trazem, quantas bênçãos. Qual a importância do nome? Se com ele não somos apenas qualquer um. Se com ele ouvimos quando somos nós. Se em toda a história do mundo ele sempre esteve nos seres, nas coisas, nos cartórios. Força deve ter. Honre e viva o seu nome de alguns.
Somos cobaias de nós mesmos. Experimentos particulares. Criados na maior parte com a melhor intenção, crescemos imunes à perfeição, envenenados pelos detalhes. Quando a gente fica grande percebe que no meio de todas as células, entranhadas no meio do corpo já desenvolvido, colônias de defeitos e traumas parasitam nossos pensamentos e ações. Vencem mais os com mais defeitos, os que enxergam e lutam contra as próprias imperfeições. Ficam para trás os perfeitos, os que se veem de forma grande e vendada. Todos são defeituosos, os imperfeitos naturais e os falsos perfeitos. É natural da espécie ter travas e amarras, ter medos e boicotes. Vence quem se observa, quem não se aceita como é. Dos piores defeitos entre os defeitos está o ponto final, a conclusão, o aceitar que se é de um jeito e basta. Nas maiores grandezas estão os que se observam, os de sinceridade pensada, os espontâneos controlados. Ser sincero não é não ter freios, nem agir por impulso. Ser sincero confunde com ser uma coisa só, seguir um único pensamento, uma vontade apenas. Ser grande e ser inteiro, aceitar o todo dentro de si e se observar, se criticar sem se colocar pra baixo, ser crescente, ser defeito. Descobrir os consertos, mexer por dentro, e ser um concerto de emoções de ventos imperfeitos.
O que você pensa é sussurro deles.
As vezes penso como deve ser difícil organizar a vida de alguém. A agenda, as proteções. Me falaram que cada ser tem um anjo protetor, que pode mudar com a profissão ou com o nível espiritual do colega. Assim, você antes pintava e tinha um anjo pintor, agora você começou a tocar violino e desceu um maestro para te acompanhar e te ajudar com um olhar de quem entende. Assim como as aptidões, a espiritualidade também atrai. Quanto mais grato, mais forte é seu anjo. Assim como ele pode se despedir por um deslise, por perder a permissão de te acompanhar. Só anda contigo quem combina com a sua ligação com a natureza. Tenho pensado que a imaginação e a realidade são a mesma coisa. O que você pensa é sussurro deles. E por isso os sonhos parecem verdade. E por isso agimos em cima do que pensamos. Minha avó teve febre antes de partir, creio que a vida estava preparando ela para o sonho, para acordar na nova vida. Talvez isso tudo seja imaginação. Bom, eu acredito nisso. E se acredito já é verdade.
Se minha mente fosse um diário.
Acho que eu preciso escrever. Como preciso desenhar as vezes. Porque esvazia, e preenche algo. Dizem que para que algo invada, que é preciso ter espaço. Mas o vazio também guarda. Esse texto começa com um sentimento e termina embaixo de uma árvore. O meio está entre o que quero e o que farei. Pensei hoje que uma pintura tem uma forma própria de falar. E que se você explica o que ela quer dizer, por mais que a obra seja sua, a descrição será outra obra, porque as palavras têm a arte delas. No café de manhã, e como é bonito quando alguém fala que tomou um café bem cedo, percebi que contenho um amor em mim por pessoas que conheço pouco. Era ela na minha frente, mas ontem a noite eram outras pessoas. Amo a pessoa e seguro em mim um desejo de ficar junto, de conhecer mais. Fiquei feliz de notar os óculos do repórter, os tênis da jornalista, os cabelos, as sardas e os olhos de desenho do ruivo que falava diferente de todos os outros diferentes. Tentei ser poético agora e acho que viajei. Estou quase nas nuvens, dentro do avião. Tem algo em mim que ainda não saiu. Meu coração tem pulado forte. E meu desejo agora seria parar um pouco a minha cabeça. Tenho tentado dizer para mim “O mundo que espere”, é libertador. Duas coisas que gosto de fazer: pedir informações na rua para pessoas mais simples ou para crianças ou para pessoas bem velhinhas. É tão bonito de ver. E a outra coisa é dizer para a pessoa que fala mal de alguém, que esse alguém adora a pessoa. Façam isso. É uma mentira boa. E ela gera. No fundo falo. Mas tudo o que queria era ler o livro do Jung que comprei que anda na minha mochila querendo minha atenção. Deitado na grama. Ouvindo os pássaros que sempre cantaram no sul e me fizeram procurar as buzinas. Sinto falta. E este fim poderia ser um ótimo começo para este texto.
O amor não tem hierarquia
Sempre desejei ser muito conhecido. Pensava que seria o máximo ter que ir embora de um shopping por não conseguir andar. Um pouco antes da vida desbloquear alguns caminhos para mim, me dei conta que algumas pessoas se deslumbram quando estão famosas para tentar compensar uma frustração. Então fingem para si e para os outros serem pessoas especiais porque descobrem que a fama não tem nada do que parece de fora. Ser famoso inclui uma imagem que as pessoas querem que um famoso tenha. Esperam que ele seja metido, torcem para que ele caia, gostam de fofocas, de fazer sensacionalismo com a vida, com a sexualidade. Um retrato da sociedade que se equivocou ao dar razão sempre para o cliente grosso, para o pedestre que atravessa fora da faixa, para o fã que se dói pelo sucesso de um semelhante. O artista banalizado ao lugar de figura pública. Que de público não tem nada. Desenvolve o seu trabalho de forma privada e não usa o dinheiro do povo, como políticos. No mais, quanta gente linda e amada. Li essa semana que se você tem medo de lobos não deve entrar na floresta. Mas penso que cuidamos do lobo e ficamos amigos e hoje os consideramos os melhores. Venho para amar quem me encontrar, sem compromissos, e estou a disposição para tentar mudar um mundo de desvalores falidos para aguardar junto com todos o novo, que já é agora.
Baleia
Um dia vazio pode levantar muitas ideias tristes. Enquanto uma mente parada elabora culpas e castigos, uma baleia nada com seu filhote do outro lado da terra, uma criança derruba um sorvete a algumas quadras dali, uma rosa desabrocha em um jardim de uma casa de madeira numa fazenda onde mora um casal de idosos, um pássaro cai de um fio elétrico em cima da rua rachada por falta de chuva, um pintor termina seu quadro... Silenciar pode fazer o mundo parecer apenas seu, e o futuro dos dias estar em suas mãos. Acostumados a ouvir que fazemos por merecer e que tudo depende de nós, acabamos nos tornando um Deus de nós mesmos. Um Deus de natureza perfeita e de conquistas, que cresce sem falhas e alcança sem tentativas. Então todas as falhas parecem culpas, e todos os não passos se tornam castigos. Acreditamos que o passo é mais importante que a perna. Mas a perna está ali, e só de estar já é possível ser êxito. Quando sentimos que estamos perdendo, é um bom sinal, pois isto comprova que estamos no jogo. Estar no jogo é fazer parte do time, que marca ou não marca pontos, mas que tem as melhores intenções e está em quadra. Quando algo der errado é um bom sinal, você está tentando, acreditando que é possível. Enfrentando, em frente, andando. Silenciar e sentir a vida, o todo, o além da necessidade de se ver evoluindo. Tentar e ver o que já está acontecendo. A tentativa. As.
Te toco
Era uma cidade pequena onde tinha uma praça e um homem com um violão. Ele tocava para as árvores, e quando tocava para as árvores elas dançavam para ele. O vento e sua dança eram uma coisa só. Aos poucos o som da música fez tocar outras árvores que ficavam mais perto da rua e dos carros. Pessoas de suas janelas viram a dança e desceram as escadas até chegarem na praça. O homem continuava tocando olhando para cima e quando baixou os olhos para afinar uma corda viu muitos olhos ao seu redor. Respirou fundo e continuou a tocar. Do meio da multidão, em um som abafado, ouviu a voz de um, dizer que não estava gostando da música e que preferia a anterior. Uma mulher com uma bolsa sussurrou para ele fazer silêncio, mas seu sussurro também fez barulho. Então um menino, bem novo, disse que o homem podia achar o que quisesse. Mas as árvores continuavam dançando e o vento a soprar... e o menino com seu violão pensava no que pensar, se tocava, se olhava para as árvores, ou se agora olhava nos olhos de todos que chegavam cada vez mais perto. Apontou o dedo para cima e enquanto a multidão olhou para os galhos que dançavam, sussurrou camuflado nas cordas, que não estava tocando para ninguém, e sim com todos os presentes.
Esses dias entendi que Deus é como raios de luz que atravessam telhas de vidro em um galpão. Quando você pensa nele, faz uma oração, ou age de coração puro, o sol bate naquelas telhas e ilumina você. O sol é uma luz que entra por todas as frestas que têm abertura. Isso me veio quando pensei que deve ser difícil tomar conta de tantos desejos daqui debaixo. Mas como dizem de luz eterna, de levar a luz, de seres iluminados, entendi a pista. O mundo, uma caixa de sapato fechada, onde furamos com pequenos alfinetes a tampa.
Onde dois ou três se movem a orar com eles estarei... A arte e a plateia - o Teatro “Onde dois ou três se movem a orar, com eles estarei”. Eu ouvia isso e pensava - Por que precisa ter mais de uma pessoa para que Deus esteja presente? Essa frase era de uma música que eu ouvia as vezes. Na história do teatro tem o estudo de desvendar as suas origens - Uma delas, a mais forte, os rituais, onde dois ou três se movem a orar. Agora vendo um vídeo onde um violonista toca na rua e uma espectadora bailarina tira seus chinelos e começa a dançar, entendi que Deus já estava ali, no violinista, na bailarina, mas principalmente no tirar de chinelos para o dançar da oração. Quando a conexão da dança se fez com as cordas do violino, ela e ele juntos oraram e dançaram e foram puros na ingenuidade divina que existe em uma canção, em um dançar, a arte. “Contigo estarei”, pois estou contigo e sou cordas de violino por onde você dança quando se conecta com os meus em movimentos de ações divinas.
Sobre o vídeo Ballerina from Palestine could not resist the melody of a street musician in Italy.