Jarid Arraes
dizem que são necessários
trinta dias
para que um novo hábito
se torne rotina
dizem que o problema
é a gordura que o
açúcar refinado na
verdade que todo
açúcar que as frutas
também
tudo faz mal
e dizem que yoga
e pilates
exposições gatos cães
pássaros livres e
nadar com os golfinhos
não
a natureza se desequilibra
assim como bambeamos
movidos a ansiolíticos
e cafeína
até mesmo os que dizem
que a meditação
os parques as longas
caminhadas na praia
a água de coco o óleo
de macadâmias
as escovas
elétricas e o chás
feitos das ervas
tiradas do chão fazem
bem
até mesmo os que dizem
que todas as religiões
que a tolerância o
ecumenismo as missas
de sétimo dia as velas
os filmes nacionais
os editais o apoio
do governo a importância
dos movimentos sociais
até mesmo
os que dizem que a
indústria o consumo
as leis a punição
até os que sentem
pena
até eles dizem
que trinta dias passam
mas não habituam
a vida
em quem de nada
faz questão
feito gato
atiçado
por todo meneio
rápido
eu também sou
atraída
pelos insetos
que se atiram
contra a luz
essa é a utilidade
e o fim
das asas
nunca mais trago o amor
os dias
de volta
as cartas sobre
a mesa
nunca mais o poste
o papel colado
a cuspe
e lágrima
passam as folhas
as palavras
passam
entre concreto
e bitucas de cigarro
os passos
vão de encontro
ao passado
os muros
repetem
meia volta
nunca mais
três dias e ao
acaso
o som dos saltos
e os buracos
nunca mais trago o amor
os punhos
erguidos
os cartazes sobre
o ventre
livre
passam os muros
as folhas
caem
e secam
tristes
há sempre um mar invisível
despejado a conta-gotas
pingando nos olhos de quem sofre
o sal que queima a retina
e as veias
violentas ondas de miséria
só quem sofre
[por amor]
pode saber
as algas presas aos meus cabelos
e o sempre-mar
na ressaca dos meus olhos
saí para a varanda
aos 14 graus
da tarde
sem blusas
viria
a primavera
as roupas leves
– mas
meu peito é pesado
e quente
dentro de mim não faz
brisa
é sempre
mormaço
minhas paredes
desabaram
– só se ouviu
o som –
oitocentos reais
de tijolos cimento
azulejos rejunte
branco
– as paredes
foram
desabando –
como todos
os grandes
muros
políticos
protetivos
cativos
coloridos
mijados
– onde se escoram
os cansados –
minhas paredes
cumpriram
seu tempo
O Cordel da Amizade
Como duas mãos se tocam
No encaixe do momento
Chega a parecer destino
Um tamanho sentimento
De uma pessoa aqui
Que encontra outra ali
Sentindo pertencimento.
Os olhos da amizade
Descortinam muito além
Que só na sinceridade
Sabe lhe enxergar também
O amigo que te ama
Nunca que ele te engana
Nem te entrega pra ninguém.
Não se faz de esquecida
A memória da amizade
Sobre as linhas tracejadas
Que separam as cidades
Seja numa tela escrita
Ou na lágrima escorrida
Inda vive uma saudade.
Se o céu cair inteiro
Tudo sendo escuridão
E o joelho fraquejar
Temeroso do trovão
Eu te digo o que persiste
E em encorajar insiste:
O amigo em prontidão.
Amizade é coisa linda
Pode vir de toda forma
Não conhece preconceito
Ao chamado não demora
Não se cala na defesa
Mesmo que não saia ilesa
Regenera, se transforma.
É feroz, é bem mansinha
Maternal e protetora
Chama pra beber cerveja
Colorida e instrutora
A beleza da amizade
Está na diversidade
Disso é uma escritora
No entanto, escute bem
O que mais é relevante
Que você jamais esqueça
De quem é mais importante
O maior, melhor amigo
É o que já está contigo:
Do teu peito é habitante.
desejo um mundo em que
seja fácil
ser só
em que os porteiros
não deem bom-dia
boa-tarde
não me olhem
boa-noite
um mundo em que
a farmácia
seja um de cada vez
sem os toques
dos corredores
sem o deseja a revista
apoiar as crianças
o câncer
moedinhas aqui
já tem cadastro
fidelidade senhora
sem tempo para
sorrir sem
graça
não
obrigada
desejo um mundo vazio
de amenidades
feito de explosões
terremotos
tufos de cabelo
terra nos olhos
um mundo
desmesurado
todo mato
algumas cabras
latas vazias
um mundo sem frutas
sem matérias
reportagens
sobre colesterol
glicose
taquicardia
desejo um mundo
sem filosofia
animalesco
cheio de pelos
as garras afiadas
visão noturna
instinto
de fuga
desejo um mundo
do qual eu possa
fugir
duas cadeiras
conte para mim
sobre como tudo anda difícil
e nem a cerveja se paga
e nem a escrita se cria
me conte
sobre os imprevistos
e as curvas fechadas
sobre os livros
abandonados
as exposições vazias
de significado
me fale sobre a rotina
que esmaga
com as palavras que
sempre as mesmas
se usa
e sobre a cidade cinza
os rios espumantes
o quilo de sal
caro
que se come
me conte
sobre as temperaturas
altas e os corações
apáticos
sobre as relações
de supermercado
os produtos
políticos
eu quero ouvir
sobre as pequenas vidas
os pequenos instantes
de vida
que ainda resistem
aí
há um dia em que a mulher
pergunta a si mesma
pergunta para outra
mulher
e as perguntas pairam
flutuam
sobre a cabeça
as perguntas incomodam
e vazam como excremento
de aves de árvores de céu
nesse dia a mulher procura
a resposta
por que de que adianta
se há mãos que fazem dançar
as cordas
e os pequenos membros
do corpo vivem em sacolejo
o ventre morre em liminares
gestações que formam mãos
de homens
e a partir do ventre
as mãos nutridas pela mulher
saem na direção do mundo
de tudo que é externo
de tudo que é global
antropológico
fágico
e social
e a mulher nesse dia pergunta
para outra mulher
para o espelho
de que isso tudo
adianta