Jane Berwanger
É no interior do moderno sistema de seguridade social eridido ao nível constitucional que se constrói, em seus travejamentos mestres, o conceito jurídico de seguridade social.
A proteção trabalhista e previdenciária para os trabalhadores do campo, no Brasil, foi aumentando na medida em que foi diminuindo o público do meio rural.
[...] no período em que predominava a população agrícola, era precária a legislação que a abrangia.
A solidariedade é considerada pela doutrina o principio constitucional mais importante da Seguridade Social, o que fica bastante evidente quando se trata de saúde e assistência social.
Nenhuma experiência indutiva é possível sem um conceito prévio que demonstre o caminho que deve ser seguido.
Ninguém coloca em dúvida o fato de que o segurado especial é, dentre todos os tipos de segurado, o que mais apresenta complexidade. Isso porque, desde a Constituição, lhe é conferido tratamento diferenciado.
Ainda observa-se, atualmente, que persistem e resistem preconceitos contra eles (trabalhadores rurais), de tal forma que a inserção no Plano de Benefícios é tida como uma benesse do sistema e não como um reconhecimento da condição de segurado-trabalhador e de contribuição para o país.
[...] infere-se que, quando se constrói uma legislação, em qualquer ramo, sempre se faz com base numa determinada realidade - e não pode ser diferente na Previdência Social. Nesse contexto, ao promover políticas de manutenção dos trabalhadores rurais no campo, o Estado brasileiro está garantindo a segurança alimentar de cada um dos brasileiros.
[...] depreende-se, pois, que a principal razão pela qual existe um sistema diferenciado de contribuição e de acesso aos benefícios dos segurados especiais é que o Estado brasileiro quer e precisa que os trabalhadores rurais - embora com dificuldades e sem renda suficiente - continuem produzindo alimentos.
Indubitavelmente, a inclusão dos trabalhadores rurais, embora tardia, busca recuperar uma dívida histórica, posto que a Previdência foi se aproximando da população rural na medida em que esta migrava para o meio urbano. As estatísticas confirmam que a evolução do êxodo rural teve, dentre outras causas, a de inexistir proteção previdenciária.
[...] não se trata de benefício sem contribuição; trata-se apenas de sistema contributivo diferenciado, moldado à realidade dos segurados especiais, ou seja, a contribuição incide sobre o que produzem e quando produzem.
Não se pode cogitar um sistema de Seguridade Social sem a força do princípio da solidariedade, pois teríamos apenas um sistema de capitalização ou poupança individual que não daria conta das demandas e necessidades sociais, não atingiria os valores estabelecidos pela Constituição Federal e não atenderia, certamente, a dignidade da pessoa humana.
Embora o enfoque maior, quando se trata da solidariedade, seja frequentemente dado aos benefícios, em igual medida deve se observá-la no custeio previdenciário. A definição do segurado-contribuinte deve levar em conta a capacidade de contribuição, não somente quanto à alíquota mas também em relação a todos os elementos do tributo, em especial a base de cálculo. Não é só na hora de receber benefícios que os segurados precisam ser tratados de forma diferenciada, mas também no que se refere à contribuição.
Não é possível analisar os benefícios rurais - e sua constitucionalidade - pela mesma lógica de relação contribuição-benefício historicamente utilizada para os trabalhadores urbanos. Outras são suas bases, desde o surgimento da primeira norma de proteção dos rurícolas.
Quanto mais se estuda o segurado especial, menos se consegue encontrar, na lei, amparo para tanta criatividade do INSS e da jurisprudência.
Ao passo em que a lei amplia o conceito de segurado especial, englobando o desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e permitindo a constituição de empresa no meio rural, paradoxalmente ainda proliferam decisões que se descaracteriza a condição de segurado especial daquele que possui um automóvel, ou sem definir qualquer critério, daquele que "poderia contribuir".
Em qual parte da legislação se enquadra a aparência física como elemento do conceito de segurado especial? E a propriedade de automóvel? Nesses questionamentos são citadas somente duas das abundantes condições excludentes criadas pela jurisprudência.
Defende-se que a regra não é aberta, que permita a cada um, em cada lugar, servidor ou juiz, dizer se o segurado especial cria cinco ou dez ovelhas, se colhe mais ou menos do que deveria, se uma moto é admissível ou não. A pseudoabertura da regra, somada à visão restritiva do segurado especial, tem gerado insegurança jurídica no meio rural.
O vínculo previdenciário de qualquer segurado se dá pelo trabalho e não pela renda. É o trabalho que o liga à Previdência. E a necessidade de afastamento do trabalho que faz surgir, em regra, o benefício (incapacidade, invalidez, morte, idade avançada, reclusão...).
Sempre que há uma mudança legislativa beneficiando os trabalhadores rurais, verifica-se resistência na sua aplicação. Infelizmente, ainda predomina um entendimento de que deve ser sempre restritiva a interpretação, geralmente com base numa visão assistencialista dos benefícios a que os trabalhadores rurais fazem jus.
Apesar da determinação constitucional de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações rurais, ainda há resistência quanto à aplicação da legislação.
A comprovação da atividade rural gera muito debate, pois substitui a carência exigida nos benefícios urbanos. Se, por um lado, a normatização facilita o acesso aos benefícios, sendo, por vezes, mais favorável ao segurado ( o que nem de longe significa dizer que todos os servidores cumprem essas normas), por outro, a Justiça tem criado uma interpretação própria - que ora é mais benéfica, ora mais restritiva - no que se refere à prova da condição de rurícola.