Jacinta passos

Encontrados 6 pensamentos de Jacinta passos

Metamorfose

Fui moleque, jornaleiro, nunca tive opinião,
ajudante de pedreiro,fui chofer de caminhão,
trabalhei na Plataforma,operário de sabão,
já morei oi! já morei no Taboão.
Carneirinho! Carneirão!
Olha pro céu! Olha pro chão!

Céu é Barra, é Avenida, outra vida!
nunca a gente foi lá não.
Nem eu sei como foi isso, foi feitiço,
arte do Cão, mas um dia fiquei rico que nem o rei Salomão.
Chave do mundo, tenho na mão.
Desceu o céu! Subiu o chão!

Minha gente venha ver coisa que nunca se viu,
um mulato virou branco, subiu! Subiu!
A formiga criou asas,o pato passou a ganso,
lagarta virou besouro, de repente virei tudo,
virei até um rei mouro, virei sábio, virei gentleman,
meu cabelo virou louro, virei genro, industrial,
tabu, ministro, escritor,quase viro ditador.
Agora cheguei em cima, agora vi que eu sou dois.

Quem sois?
Minhas senhoras:
Meus senhores:
O meu drama começou.
Serei moleque e rei mouro,serei dentro e serei fora,
serei ontem e serei hoje, serei noite e luz da aurora?
Quem sois? Serei eu e serei tu,serei Sancho e D. Quixote,
serei Deus e Belzebu? Não posso viver assim!
Serei Pierrot e Arlequim,serei anjo e homem carnal,
serei o ser e o não-ser,serei o bem e o mal?
Serei foice e serei sigma?
Enigma! Que serei eu afinal?
Ai de mim! Serei o princípio e o fim?

(1944)

Inserida por Marialins

Canção da Liberdade

Eu só tenho a vida minha. Eu sou pobre, pobrezinha,
tão pobre como nasci,não tenho nada no mundo,
tudo o que tive, perdi. Que vontade de cantar:
a vida vale por si.

Nada eu tenho neste mundo, sozinha!
Eu só tenho a vida minha.
Eu sou planta sem raiz
que o vento arrancou do chão,
já não quero o que já quis,
livre, livre o coração,
vou partir para outras terras,
nada mais eu quero ter,
só o gosto de viver.

Nada eu tenho neste mundo,sozinha!
Eu só tenho a vida minha.
Sem amor e sem saúde, sem casa, nenhum limite,
sem tradição, sem dinheiro,
sou livre como a andorinha,
sua pátria é o mundo inteiro,
pelos céus cantando voa,
cantando que a vida é boa.

Nada eu tenho neste mundo, sozinha!
Eu só tenho a vida minha. (1943)

Inserida por Marialins

Canção do amor livre


Se me quiseres amar não despe somente a roupa.

Eu digo: também a crosta feita de escamas de pedra
e limo dentro de ti,

pelo sangue recebida tecida de medo e ganância má.

Ar de pântano diário nos pulmões.

Raiz de gestos legais e limbo do homem só
numa ilha.

Eu digo: também a crosta essa que a classe gerou
vil, tirânica, escamenta.


Se me quiseres amar.
Agora teu corpo é fruto.

Peixe e pássaro, cabelos de fogo e cobre. Madeira
e água deslizante, fuga ai rija cintura de potro bravo.

Teu corpo.
Relâmpago, depois repouso sem memória, noturno.

Inserida por Marialins

Cantiga das mães (Para minha mãe)


"Fruto quando amadurece

cai. das árvores no chão,

e filho depois que cresce

não é mais da gente, não.

Eu tive cinco filhinhos

e hoje sozinha estou.

Não foi a morte, não foi,

Oi!.

foi a vida que roubou.



Tão lindos, tão pequeninos,

como cresceram depressa,

antes ficassem meninos

os filhos do sangue meu,

que meu ventre concebeu,

que meu leite alimentou,

Não foi a morte, não foi,

Oi!.

Foi a vida que roubou.



Muitas vidas a mãe vive.

Os cinco filhos que tive

multiplicaram por cinco

minha dor, minha alegria.

Viver de novo eu queria

pois já hoje mãe não sou.

Não foi a morte, não foi,

Oi!

foi a vida que roubou.

Foram viver seus destinos,
sempre, sempre foi assim.
Filhos juntinho de mim,
berço, riso, coisas puras,
briga, estudos, travessuras,
tudo isso já passou.

Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Inserida por Marialins

O inimigo





A Coluna descansou

da marcha, na noite fria.



Ficaram olhos acesos

e a fogueira, de vigia.



Su su su



menino mandu

dorme na lagoa

sapo-cururu



Soldados dormem quietos

Debaixo deste telheiro



em cima pia a coruja

com seu piado agoureiro.



Su su su

menino mandu



Soldados dormem quietos

no bivaque de improviso



até as armas descansam

que este descanso é preciso.



Dorme na lagoa

sapo-cururu



Soldados dormem quietos

na barraca e na varanda,



eis de repente o inimigo

- Depressa, levanta e anda!



Depressa, são feras,

depressa ou quiseras

nas mãos do inimigo

cair, que o perigo

de perto ameaça

de morte ou mordaça

cadeia ou degredo.



Galopa sem medo!



Legalista do Inferno! .

donde o Governo -

tais feras tirou?



Ah! raiva que eu sou.



Depressa e a trote

esporas, chicote,

as crinas revoltas,

de rédeas bem soltas

e bridas também

(Que medo não tem!)

depressa e a trote

mão no cabeçote

o pé na estribeira

encilha e carreira!

esquipa montado

depressa, soldado

que medo não tem.



Legalista do inferno

não vale um vintém!



A Coluna descansou

da marcha na noite fria.



Picaram olhos acesos.

E de repente partia.

Inserida por Marialins

Apagaram-se todas as limitações porque tu e eu desaparecemos.
Existimos fundidos num ser único
que ignora a sucessão no tempo,
que desconhece as fronteiras onde sua vida termina e a vida cósmica se inicia,
perdido no êxtase imenso
como um astro sem memória perdido no espaço sem princípio e sem fim

Inserida por lulimap