J. Krishnamurti
Religião é a cessação do “eu”
Compartilhamos isso juntos? Porque é sua vida, não a minha vida. É sua vida de dor, de tragédia, de confusão, culpa, recompensa, punição. Tudo isso é sua vida. Se vocês são sérios tentaram desemaranhar tudo isso. Leram algum livro, ou seguiram um professor, ou escutaram alguém, mas o problema permanece. Estes problemas existirão enquanto a mente humana se mover dentro do campo da atividade do eu; essa atividade do eu tem de criar cada vez mais e mais problemas. Quando você observar, quando você se tornar extraordinariamente consciente desta atividade do eu, então a mente se torna extraordinariamente tranquila, sensata, saudável, sagrada. E a partir deste silêncio nossa vida na atividade diária é transformada.
Religião é a cessação do "eu" e a ação nascida desse silêncio. Essa vida é uma vida sagrada cheia de significado.
This Light in Oneself, p 77
Renúncia total
Talvez você nunca tenha experimentado aquele estado de mente em que há total renúncia de todas as coisas, um completo deixar. E você não pode renunciar a tudo sem profunda paixão, pode? Você não pode renunciar a tudo intelectualmente ou emocionalmente. Existe renúncia total, certamente, apenas quando existe intensa paixão. Não fique alarmado com essa palavra porque um homem que não é apaixonado, que não é intenso, nunca pode compreender ou sentir a qualidade da beleza. A mente que guarda alguma coisa de reserva, a mente que tem um interesse investido, a mente que se prende à posição, poder, prestígio, a mente que é respeitável, o que é um horror; tal mente nunca pode renunciar a si mesma.
The Book of Life
Existe renúncia total, certamente, apenas quando existe intensa paixão. Não fique alarmado com essa palavra porque um homem que não é apaixonado, que não é intenso, nunca pode compreender ou sentir a qualidade da beleza.
Sem entender com compreensão o completo significado de ação, estar meramente interessado com uma forma particular de ação me parece muito destrutivo. Se estamos interessados apenas com uma parte e não com o todo, então toda ação é ação destrutiva. Mas se pudermos entender ação como uma coisa total, se pudermos sentir nosso caminho nela e captar sua significação então esse entendimento da ação total provocará a ação correta no particular. É como olhar uma árvore. A árvore não é apenas a folha, o galho, a flor, a fruta, o tronco ou a raiz. É uma coisa total. Sentir a beleza de uma árvore é estar consciente de sua totalidade – sua extraordinária forma, a profundidade de sua sombra, o tremular de suas folhas ao vento. A menos que tenhamos o sentimento da totalidade da árvore, apenas olhar para uma única folha terá muito pequeno significado. Mas se temos o sentimento de toda a árvore, então cada folha, cada galhinho tem significado, e somos sensíveis a ele. Afinal, ser sensível à beleza de alguma coisa é perceber sua totalidade.
A mente que está pensando em termos de parte nunca pode perceber o todo. No todo a parte está contida, mas a parte nunca fará o todo, o total.
Mas muito poucos de nós são sensíveis – sensíveis ao pôr do sol, sensíveis à criança na rua, sensíveis à beleza de um rosto, sensíveis a uma ideia, um ruído, a tudo na vida. Certamente só uma mente humilde, uma mente que não nega ou aceita - apenas tal mente é sensível ao todo. A mente não é sensível se não tem humildade; e sem humildade não há exploração, investigação, compreensão. Mas humildade não é uma coisa a ser cultivada. Virtude cultivada é um horror, não é mais virtude. Então, se pudermos, com esse natural sentimento de humildade no qual existe sensibilidade, examinar toda essa questão da ação, então talvez muita coisa será revelada de que não estamos cientes agora.
E investigar a ação é necessário, certamente, porque todo viver é ação. A ação não é departamental, ou parcial; é uma coisa total. Ação é nossa relação com todas as coisas: as pessoas, a natureza, as ideias, as coisas. A vida não existe sem ação. Mesmo quando você se retira para um monastério, ou se torna "sannyasi", ou eremita no Himalaia, está ainda em ação pois está ainda em relação. E ação, certamente, não é uma questão de certo e errado. Só quando a ação é parcial e não total, é que existe certo e errado.
E ação, certamente, não é uma questão de certo e errado. Só quando a ação é parcial e não total, é que existe certo e errado.
O amor, naturalmente, é uma coisa muito cuidadosamente guardada, embora usemos a palavra muito fluentemente, muito facilmente – amor pelo país, amor pela verdade, amor pela vida e muitos, muitos amores de que falamos; e eu penso que ele não tem nada a ver com isto.
Certamente há alguma outra qualidade que seja essencial para a felicidade. A felicidade não é um fim, não mais do que a virtude. A virtude não é um fim em si mesma, ela proporciona liberdade, e nessa liberdade há a descoberta. Portanto, a virtude é essencial. Com efeito, uma pessoa não virtuosa está escravizada, em desordem, deslocada, perdida, confusa, entretanto, tratar a virtude como um fim em si mesma ou a felicidade como um fim em si mesma tem muito pouco significado. Portanto, felicidade não é um fim.
Nossa vida é uma sucessão de demandas por conforto, por segurança, por posição, por plenitude, por felicidade, por reconhecimento, e também temos raros momentos de desejo de descobrir o que é a verdade, o que é Deus. Portanto, Deus ou a verdade tornam-se sinônimos de nossa satisfação. Nós queremos ser gratificados, portanto, a verdade torna-se o fim de toda busca, de todo empenho, e Deus transforma-se no último lugar de descanso. Movemo-nos de um padrão a outro, de uma gaiola a outra, de uma filosofia ou sociedade para outra, esperando encontrar felicidade, não apenas a felicidade no relacionamento com as pessoas, mas, também, a felicidade de um lugar de descanso onde a mente jamais será perturbada, onde a mente deixará de ser torturada pelo seu próprio descontentamento. Podemos colocar isso em palavras diferentes, podemos usar diferentes jargões filosóficos, mas é isso o que todos queremos – um lugar onde a mente possa descansar, onde a mente não seja torturada por suas próprias atividades, onde não haja sofrimento nenhum
Vejam, senhores, vocês observam um pôr do sol encantador, uma bela árvore num campo, e logo que olham alegram-se completamente, inteiramente, no entanto, retornam a isso com o desejo de deleitar-se de novo. O que acontece quando voltam com o desejo de alegrar-se novamente? Não há alegria nenhuma, porque é a memória do pôr do sol de ontem que está agora fazendo vocês voltarem, que os está impelindo, incitando-os a alegrarem-se. Ontem não havia memória alguma, só uma apreciação espontânea, uma resposta direta, no entanto, hoje estão desejosos de recobrar a experiência de ontem, ou seja, a memória está interferindo entre vocês e o pôr do sol. Portanto, não há nenhuma alegria, nenhum esplendor, nenhuma plenitude de beleza. Novamente, vocês têm um amigo que lhes disse alguma coisa ontem, um insulto ou uma cortesia, vocês retêm essa memória, e com essa memória vocês encontram seu amigo hoje. Realmente não encontram seu amigo – carregam a memória de ontem, que intervém; assim, continuamos cercando a nós próprios e as nossas ações com memória, portanto, não há nenhuma inovação, nenhum frescor. Essa é a razão pela qual a memória torna a vida cansada, enfadonha e vazia.