J. C. Costa
eu sou um idiota
não por não saber das coisas
mas por saber de tudo
e fazer tão pouco
ter uma mente acorrentada
uma alma atormentada
uma memória apagada
desejo algum dia
não ser mais tão idiota
pra que não seja eu na praia
me afogando em água salgada.
não sentirei o prazer
de me ver no que eu criei
tudo que toco
vira cinza
desaba
não sentirei a alegria
de olhar meus feitos
como um herói olha a medalha
bravo e destemido
não sentirei o orgulho
de ver meu nome brilhar
por isso me mantenho no escuro
onde não podem me ver
muito menos julgar
Teoria positiva
não durmo mais
meus olhos se fecham e os monstros vem me pegar
não como mais
meu estômago revira ao sentir a comida chegar
não respiro mais
fumo tantos cigarros que minha garganta já esqueceu os gosto do ar
hoje eu vivo mais
o amanhã é uma sombra que eu consegui me livrar
medo não tenho mais
a culpa é minha e minhas são as consequências com que lidar
eu amo mais
meu peito já foi um buraco vazio, hoje tem motivo pra funcionar
Alma de Barro
(Poema destinado aos catadores de caranguejo dos manguezais)
já fui ladrão
já fui escravo
já fui caranguejo
já fui rato
já fui capitão do mato
já fui sinhô
do barro eu vim
no barro eu vivi
no barro eu venci
e tenho orgulho
da minha pele preta e do meu barulho
o meu tambor é barulhento
e quando toca eu me mexo feito o vento
e só lamento
pois quem tudo quer nada tem
e quem nada quer
encontra no nada
o que mais precisa
sou barro
mas não barro de fazer jarro
sou barro pisado
amassado
e molhado
no peito e no sapato
tenho o barro na cara
sou mais limpo que todos
porque tenho o barro na alma
devoção não se usa
entretanto ela abusa
me arranca o fôlego enquanto tira a blusa
me olha com olhos de quem pede desculpa
me rendo a essa maneira escusa
enquanto acaricio sua pele escura
no quarto, na sala ou na rua
teu beijo já é doce e o batom acentua
e quando me encontro ermo, procuro na tua
aura que brilha tanto, mais que o sol e a lua
te procuro mas algo sempre dificulta
como morar num palheiro e buscar a agulha
porém você me ajuda
o amor não se perde nem se muda
eu cuido de você e de mim você cuida
O circo e a tempestade de alegria
O final de cada capítulo
é o inicio de outro
Caracterizo-me com um sorriso
lanço-me em piruetas e cambalhotas
O circo sou eu
a màgica que faz brilhar o olho
a aventura que desafia a alma
o íncrivel, impensado e jamais visto
A tenda está está armada
lá está ela brilhante e temida
tão distante e tão bonita
a mais amada e também maldita
corda do equilibrista
Uma inundação está a caminho
com fortes rajadas de risos
e gargalhadas de cem quilômetros por hora
possíveis avalanches de alegria
ao sair de casa hoje não esqueça seu sorriso em casa.
Testamento
Este que lhes entrego é meu testamento
estou morto de agora em diante
resolvi morrer para finalmente apreciar a vista
e buscar melhorar
respirar
trabalhar
comer
ser feliz era uma responsabilidade pesada demais
e agora que não tenho mais responsabilidades
sou feliz
só amei uma vez
morri por causa desse amor
morri para aprender do inicio
como se ama
como ser amado
como ser amável
meu legado pro mundo não é bonito
não tem nenhuma lição de moral
Este que lhes entrego é meu corpo
todas as marcas nele foram feitas por mim
e só por mim
meus pulmões não respiram
meu coração não pulsa
há anos nenhuma idéia feliz passa por meu cérebro
queimem antes que infecte a outros
um vírus tão mortal quanto a própria inveja
Este que lhes entrego é meu ego
tão inchado
quase irreconhecível
as vezes acredito que ele tenha me matado
sempre teve vida própria
pesado demais pra carregar
ele me carregava
e fui sendo levado
pouco a pouco
frase a frase
para longe da luz
até não enxergar mais o caminho de volta
Esta que lhes entrego é minha alma
alma que no meu caso
pode ser facilmente entendida
como uma anagrama da palavra lama
tão suja que as pessoas sentiam seu cheiro ao longe
perigosa e insistente
tola e senil
um espírito velho que se recusava a rejuvenescer
viciada e perdida
por favor não a deixem entrar no paraíso
não sei se existe lugar no universo
para algo tão disforme
Este que lhes entrego é meu pudor
minha amada corrente
minha gaiola de ouro
várias vezes me impediu de viver plenamente
cuidem bem deste
o soldado que nunca me deixou sair da torre
me manteve aprisionada dentro de mim mesmo
inerte
estático
congelado
represor de todo sentimento
mão de ferro que me conduzia
E por último entrego a mim
não pude fazer nada pelo mundo onde vivi
porém o que ele fez por mim não se sabe
fui péssimo com os outros e comigo
não deixo nada para ninguém
pois nunca tive nada para dar
o que me faltou dizer
foi tudo que já disse
o adeus final não me doeu em nada
paguei por todos os meus pecados
e parece que foram todos de graça.
Punição já se tornou parte
Pois se hoje sou culpado
é de fato uma arte
que de tudo que fiz
de todos os sonhos que matei
apenas um deles me mate.
onde estão todos ?
alguém acenda a luz ?
por favor
alguém ?
quem sou ?
onde estou ?
e com o tempo acostumado a
não ter resposta para nenhuma de suas
perguntas ele simplesmente parou de perguntar
e morreu sozinho, no escuro, e sem nada
andava vagaroso e sonolento
ao passar viu me e apertou os passos
com a filha que mal sabia andar
sendo arrastada,
procurava não me olhar nos olhos
mas não os tirava de mim
eu o estereótipo do mal que assola a terra
ela o arquétipo da princesa em apuros
entrava no carro tal qual um demônio corre da cruz
e eu já morto por dentro aceitei a última facada
que a vida tinha para me dar.
Seria de causar estranheza que me olhasse e desse um sorriso
baseado nas premissas as quais me julgou receio que nunca lerá nada
quanto mais um autor negro
porém antes analise e pense
o perigo que a minha pele representa
não é nada comparado ao que meu intelecto pode fazer com você
O dia que eu temia que nunca chegasse,
chegou e chegou chegando
como dizem as novas línguas,
o dia em que a poesia vai se tornar vida
e a vida vai se tornar poesia
pois na poesia tudo é possível
tudo é bonito mas sem cor
já a vida é colorida, é real
realidade que delimita todas as vidas
sejas feliz poque chegou o dia
em que a poesia virou vida
e a vida então poesia
Em cada linha teu cheiro
Em cada estrofe teu rosto
Em cada parágrafo teu jeito
Em cada página teu gosto
Em cada frase seu toque
Em cada vírgula seu olhar
não sei como tive tanta sorte
desse anjo me tocar
É nos teus pensamentos
que eu já não transito mais
É a tua paz
que eu não tiro mais na madrugada
Eu falo teu nome pra estranhos
quando meu nome você nem fala mais
a dor do teu corte ainda dói em mim
só espero que ao me cortar
sintas também por mim
Cabaré da minha alma
Seja bem vindo ao cabaré da minha alma
sente-se, beba alguma coisa
aproveite que o show é de graça
só não tem graça
é um eterno romance
que sempre acaba mal
me desculpe o final
os atores não são bons
ninguém sabe suas falas
e todos gritam demais
o lugar é escuro,
a bebida é quente e
as garçonetes mal educadas
seja bem vindo ao cabaré da minha alma.
Eu olhei pro lado e sorri
você também
Você era tão conhecido
eu ninguém
você esticou o braço
eu também
eu tentei esconder o olhar
não fui tão bem
eu não tinha ninguém
você também
e nós dois sabíamos que nunca mais
não teríamos ninguém
Pecado
Que todo o nosso pecado
se transponha da sala pro quarto
porque meu peito de aço
não tem mais espaço
pra levar bala
Só peço ao seu juiz
que a minha sentença seja de morte
e que você não tenha a mesma sorte
porque todo pecado tem julgamento
mas o fundo poço não
nada sobrevive à própria vida que leva.
Tão pequena
e tão importante
ri como menina
grita como gigante
a minha cura
minha chuva e meu sol
atrelado a mim
os meus problemas
minha falta de noção
ela não lida com a mente
ela cuida do meu coração
Inveja primaveril
uma estação atrás da outra
e ainda morrem de inveja as flores
cheirando seu perfume dia após dia
vendo seus quadris balançar como música
e como sol ,seu sorriso iluminar o campo
e ao final da estação mortas de inveja
caem e murcham ao chão
enquanto assistem suas curvas darem tom
a mais uma primavera
Prato cheio
a beleza da pele cor de noite
descansa nos olhos de quem vê
não é facil
ver tanta cor e sabor
no prato dos outros
enquanto eles comem arroz, salada e frango
nossa carne é suculenta
nossa feijoada é incorpada
é de comer e lamber os beiços
de encher a boca d'agua
mas não é pra qualquer um
nem pra qualquer dia
arriscada é a azia
porque a carne é salgada
o feijão é quente
e a bebida sempre fria
vingança trivial
a mão que balança o berço
é a mesma que reza o terço
e que ama o mesmo
que se vê jogada a esmo
e agora com a faca e o queijo
ela destila veneno pelos dedos
enquanto faz o café fervendo
derrubando-o em cima do pobre marrento
queimando-lhe a alma e os pensamentos
agora ele vai aprendendo
não se mata o amor
sem dar à luz ao sofrimento
Bolero dos gatos malhados
miau
miou o gato dizendo tchau
miau
miou a gata dizendo não
miau
lambeu a pata o gato preto
miau
a gata manhosa ouriçou o pelo
miau
cantou o gato em um apelo
miau
miou a gata com os olhos em chamas
miau
mostrou as garras o gato já preparado
miau
a gata mostrou as costas pedindo carinho
miau
entre miados e arranhões os dois ganharam a noite
miau
em cada miado uma jura de amor diferente
miau...
miau...
miau...
eu sou um idiota
não por não saber das coisas
mas por saber de tudo
e fazer tão pouco
ter uma mente acorrentada
uma alma atormentada
uma memória apagada
desejo algum dia
não ser mais tão idiota
pra que não seja eu na praia
me afogando em água salgada
Um amor de poeta
Somos como poesia
palavras distintas
se encontrando num parágrafo qualquer
formando uma harmonia de sentidos
uma coesão de sentimentos
dando coerência ao amor
Fim de festa
rimos
brincamos
amamos
e quando no final da festa
fiz rateio
juntei tudo que tinha
pra comprar mais amor
mas já estava fechado
voltei de mãos mãos abanando
e você se foi
enquanto de amor
eu continuo embriagado