Ivan Gontcharóv
Quando não sabemos para que vivemos, vivemos de qualquer jeito, um dia depois do outro; ficamos contentes porque o dia terminou, porque a noite terminou, e até no sono sou engolido pela maçante questão de saber para que vivi aquele dia e para que vou viver o dia seguinte.
Embora digam que o amor é um sentimento caprichoso, inexplicável, contagioso como uma doença, todavia o amor também, como tudo, tem suas leis e suas causas. E se até agora essas leis foram pouco investigadas é porque um homem, infectado pelo amor, não está em condições de observar com um olhar científico como a sensação se insinua no espírito, como ela parece entorpecer os sentimentos da mesma forma que o sono.
– De que você não gosta especificamente?
– De tudo, essa eterna correria para lá e para cá, essa ostentação de paixõezinhas inúteis, sobretudo a avareza, a vontade de passar à frente do outro, as fofocas, e conversa fiada, os insultos pelas costas, o jeito de olhar os outros dos pés à cabeça; ouvindo o que as pessoas falam, a cabeça da gente começa a rodar, fica embotada. Quando a gente olha, elas parecem tão inteligentes, com tanta dignidade no rosto, mas é só escutar e: “Deram isso para aquele, aquele outro recebeu uma concessão do governo...”. “Puxa vida, por quê?”. “Fulano perdeu tudo no clube; fulano vai ganhar trezentos mil!” Que tédio, que tédio, que tédio!… Onde está o homem de verdade? Onde está o seu valor? Onde ele se escondeu, como ele foi substituído por toda a sorte de ninharias?
Memórias são o auge da poesia apenas quando são lembranças de felicidade. Quando roçam em feridas sobre as quais cicatrizes se formaram, elas se tornam uma aflição dolorosa.