Hilda Machado
Um homem no chão da minha sala
alonga sua raiz
galo que estufa o pescoço
cana-de-açúcar e bronze
poças, chuva, telha-vã
rio que escorre na velha taça empoeirada
O homem no chão da minha sala
cidades de ouro
castelos de mel
velhas metáforas
sinos línguas gelatina
O céu no chão da minha sala
Esse homem no chão da minha sala
provoca o veneno da cobra
pulgas atrás das orelhas
mexeu nos meus bibelôs
consertou aquela estante
revirou a roupa suja
desenterrou flores secas
fraldas
chifres
quatro cascas de ferida
um disco todo arranhado
e um punhado de pelos
Aquele homem no chão daquela sala
me fez cruzar o ribeirão dos mudos
estufa de tinhorões gigantes
no piso do meu mármore
ele acordou a doida
as quatro damas do baralho
uma ninfeta de barro
e a cadela do vizinho
Daquele homem no chão da minha sala
há meses não tenho notícia
desde que virei a cara
saltei janela
fugi sem freio ladeira abaixo
perdi o bonde
estraguei tudo
Sagitariana
Parar
de fazer mil coisas ao mesmo tempo
de bater de encontro às coisas
de encontrar elefantes dentro das lojas
Sou de porcelana
vim devolver o homem
assino onde
o peito desse cavaleiro não é de aço
sua armadura é um galão de tinta inútil
similar paraguaio
fraco abusado
soufflé falhado e palavra fútil
seu peito de cavalheiro
é porta sem campainha
telefone que não responde
só tropeça em velhos recados
positivo
câmbio
não adianta insistir
onde não há ninguém em casa
eu, a amada
eu, a sábia
eu, a traída
agora finalmente estou renunciando ao pacto
rasgo o contrato
devolvo a fita
me vendeu gato por lebre
paródia por filme francês
a atriz coadjuvante é uma canastra
a cena da queda é o mesmo castelo de cartas
o herói chega dizendo ter perdido a chave
a barba de mais de três dias