Henrique Vieira
Lamentavelmente o modelo religioso predominante no cristianismo silencia, maltrata e reduz o corpo. Afetos, desejos, paixões e pulsões são frequentemente caracterizados como algo não espiritual, que devem ser contidos e negados em nome de uma pretensa "pureza". A sexualidade é tratada de forma superficial, cerceadora, castradora, impositiva e heteronormativa. Regras se sobrepõem à vida, conceitos cristalizados impedem a escuta, o diálogo e o aprofundamento do olhar. Nesta percepção, a espiritualidade é associada à capacidade de se desprender do corpo. E, assim, são criados ambientes repressores, formatadores, neurotizantes que não dão conta da vida e das experiências humanas. E, desta forma, são criados ambientes afetos à hipocrisia, à superficialidade e aos traumas. E, desta forma, réguas comportamentais e morais geram um ambiente de vigilância e fiscalização do corpo com baixa densidade ética.
É preciso resgatar a integralidade do ser humano e reconhecer no corpo fonte de beleza, de criação e recriação das formas de ser. É preciso permitir que esta ruptura dualista e doentia seja superada pela visão de que somos corpo, somos matéria, somos afeto e desejo. É preciso desenvolver a ética do corpo mediada pelo amor, pelo cuidado, pela liberdade e pelo encontro. Regras vazias formatam o que não se formata, mas o conteúdo do amor liberta o que é para ser livre em amor.
A sensação de desamparo do ser humano é, para mim, uma discussão muito ampla e fundamental em nosso tempo. Acredito que por trás de discursos e comportamentos violentos há um grande medo da vida, uma profunda insegurança existencial.
Somos uma potência frágil: podemos quase tudo e quase nada ao mesmo tempo. Fazemos planos, acalentamos sonhos e somos capazes de realizar coisas grandiosas, mas tudo pode mudar de uma hora para outra. Não controlamos as variáveis da vida.
A vida nos convida diariamente a encarar sua beleza e tragédia. A maneira como lidamos com essa condição de desamparo é que determina os relacionamentos humanos.
O silêncio é um espelho, uma nudez da alma, um choque, um encontro marcado com o vazio que há em cada um de nós.
Há algo de fascista em cada um de nós, pois é mais fácil distribuir raiva e frustração do que refletir sobre nossas verdadeiras motivações.
Às vezes me pergunto: o que mais precisamos da vida? Não são as pequenas atitudes que carregam consigo grande valor?
Para mudar o mundo, precisamos nos conectar com o ambiente em que estamos. O amor é algo que deve necessariamente ser encarnado, materializado, concretizado em ações de cuidado com o que está ao nosso redor. Não basta ficar na pulsão abstrata, no campo do sentimento, pois o amor pede decisão, mudança de entendimento e atitudes que preservem e promovam a vida.