HELSINKI
Sou um peregrino que caminha sob os céus infinitos, trazendo em uma mão uma mala repleta de esperança — uma esperança que transcende o tempo e os limites da compreensão humana. Nessa mala repousa um livro que carrega os ecos de um mistério insondável: nele, a morte foi vencida, a dor foi curada, as lágrimas foram colhidas e transformadas em rios de alívio, e o sorriso se fez permanente, como a luz que desponta no horizonte após uma longa noite. Essa mala guarda a certeza de uma vida eterna, uma existência que não conhece o fim, onde cada instante é plenitude e renovação.
Na outra mão, contudo, carrego um fardo bem distinto: uma mala vazia, mas de um peso avassalador. É o vazio que se instalou em meu peito, um abismo que, por mais que eu tente, jamais consigo preencher. Lutei contra ele com todas as armas que a vida me ofereceu. Experimentei saciar esse vazio com conquistas que poucos têm o privilégio de alcançar, mas cada vitória foi como vento em deserto: passageira, incapaz de preencher o nada. Dediquei-me a ações altruístas, ofereci meu tempo e meu ser ao bem dos outros, e, por breves instantes, o vazio parecia adormecer. Mas logo ele acordava, como uma sombra inseparável.
Busquei refúgio nos amores e paixões, entreguei meu coração a outros corações, tentando, entre abraços e promessas, dissipar o que me consumia. Mas, ao fim, o vazio permanecia lá, imóvel, inabalável, como se fosse parte intrínseca de quem sou. Preciso confessar: essa mala vazia é infinitamente mais pesada do que a outra, a da vida nova e cheia de esperança.
Já tentei me desfazer dela, abandoná-la em alguma curva do caminho, mas ela está acorrentada à minha alma, como se fosse uma extensão do meu próprio ser. E, assim, sigo minha peregrinação. Não sei ao certo se caminho em busca da liberdade ou do alívio, mas sei que, em algum ponto dessa jornada, finalmente chegarei ao destino onde poderei abrir a mala cheia de vida — e, com isso, talvez, romper as correntes que me prendem ao vazio da vazia mala. É essa esperança, e somente ela, que faz meus passos persistirem.
No cerne do meu ser reside um temor profundo, tecido nas fibras da minha alma: o medo de amar.
É uma jornada tortuosa amar alguém e, depois, ser arrebatado pela cruel efemeridade desta existência. Aqueles que já se entregaram ao calor do amor, seja por um familiar, um amigo, um romance ou até mesmo um animalzinho de estimação, e foram brutalmente saqueados pela finitude da vida, compreendem a magnitude da dor que dilacera os que ficam.
A saudade, outrora um sentimento inofensivo, apenas uma sombra suave da memória, transforma-se em um espectro doloroso, uma ferida aberta na alma. A mente, desesperada, busca uma porta de saída para escapar dessa prisão de desolação, mas toda porta aberta leva a um vácuo escuro, uma névoa de desespero, uma parede de tijolos.
Lembro-me de uma vez ter lido que os cavalos sucumbem à tristeza, seus corações se partem sob o peso da dor. Assim é perder um amor: é sentir, literalmente, o coração partir, estilhaçando-se em mil pedaços. Pois quando perdemos um amor, não é apenas uma pessoa que partiu, mas também uma parte de nós mesmos, uma faceta única que foi esculpida pela presença daquele que amamos e estava ao nosso lado.
Cada relacionamento molda uma versão exclusiva de nossa identidade, uma sinfonia de personalidade que ressoa apenas na presença do amado. E quando o amado parte, levando consigo essa melodia única, somos deixados à deriva, órfãos de nós mesmos, perdidos em um mar de lembranças e saudades. Saudade que deixa de ser sentimento e torna-se um sintoma.
Por isso, nesse emaranhado de emoções, percebo-me acorrentado pelo medo de amar. Tenho medo de me apegar. As feridas incuráveis do passado, marcadas pela perda daqueles que um dia foram os guardiões do meu coração, permanecem como testemunhas silenciosas de uma dor que nunca se apaga.
Surge, então, a indagação que ecoa em mim: é possível verdadeiramente viver sem amar? Até agora, minhas tentativas foram em vão, meus esforços para evitar o amor apenas evidenciaram sua força avassaladora. Descobri, com amargura, que por vezes o amor é um intruso indomável, que invade os recantos mais sombrios da nossa existência, mesmo quando tentamos repeli-lo com todas as nossas forças. É uma batalha entre a vontade e a inevitabilidade, uma dança cósmica na qual somos meros espectadores.
No entanto, talvez haja uma beleza oculta nessa luta, uma verdadeira revelação sobre a natureza humana e divina. Pois é no confronto com o amor que descobrimos nossa própria fragilidade e nossa capacidade de resistência. Talvez, no final das contas, seja preciso coragem para se permitir amar novamente, mesmo sabendo que as feridas do passado ainda ardem em nossas almas e nos lembrem como o futuro pode ser doloroso.
Acredito ser assim: amar é uma jornada de coragem, onde a vulnerabilidade se entrelaça com a beleza. É saber que cada batida do coração pode trazer alegria ou dor, mas ainda assim escolher mergulhar nas profundezas desse sentimento. É um ato de entrega, onde cada sorriso pode iluminar o mundo, mas também onde cada lágrima pode ser uma expressão pura de amor, ainda que motivada por dor e saudade. É entender que, apesar das cicatrizes que o amor pode deixar, o verdadeiro tesouro está na experiência de compartilhar momentos preciosos com outra alma. Amar é abraçar a incerteza e encontrar significado na vulnerabilidade.
Apesar disso, continuarei com medo de amar.