Heleieth Saffioti
Dado que a estrutura de classes é altamente limitativa das potencialidades humanas, há que se renovarem, constantemente, as crenças nas limitações impostas pelos caracteres naturais de certo contingente populacional como se a ordem social competitiva não se expandisse suficientemente, isto é, como se a liberdade formal não se tornasse concreta e palpável em virtude das desvantagens maiores ou menores com que cada um joga no processo de luta pela existência. Do ponto de vista da aparência, portanto, não é a estrutura de classes que limita a atualização das potencialidades humanas, mas ao contrário, a ausência de potencialidades de determinadas categorias sociais que dificulta e mesmo impede a realização plena da ordem social competitiva.
O efeito-demonstração exercido pelo alto padrão de vida das populações dos países altamente desenvolvidos, criando elevadas aspirações de consumo em largos contingentes humanos dos países periféricos, sobretudo de grupos localizados nas zonas urbanas e suburbanas, tem impedido que a acumulação de capital antecedesse, na história, a aspiração ao consumo de massa no Brasil.
E só então (que educarem a mulher) poderá a família estabelecer-se como um "contrato sexual e social" que é, deixando de ser considerada uma "instituição sagrada" que não é. (...) A educação feminina é, pois, pensada, de um lado, como necessidade para se estabelecer a justiça social e, de outro, como setor chave de uma política de reformas sociais visando atingir um estágio superior de organização social.
Enquanto o mundo físico não se deixa dominar pelo homem senão em circunstâncias nas quais as técnicas por estes utilizadas se assentem em princípios congruentes com a estrutura e o movimento daquele universo.
São as seguintes funções desempenhadas pelo mito feminino na sociedade de classes:
1- restringir a um mínimo possível a interferência do sistema parentesco no sistema ocupacional, isto é, permitir a ligação do sistema apenas através do chefe de família(...);
2 - mistificar a mulher em seu papel de esposa e mãe, de modo que ela se sinta plenamente realizada enquanto tal;
3- colocar barreiras na ascensão profissional da mulher de modo a mantê-la em condição desigual em relação ao homem;
4- enaltecer a ocupação feminina em setores ocupacionais não ocupados pelos homens quer porque não remuneram suficientemente, quer porque não conferem suficiente grau de prestígio;
5- manter baixa as aspirações femininas de modo a não provocar tensões suficientemente intensas para provocar mudanças na estrutura vigente;
6- impedir a extensão dos mecanismos de competição ao grupo familial não apenas porque isso significaria introduzir mudança radical na estrutura da família, mudanças estas de consequências imprevisíveis para a sociedade de classes(...)
A superestrutura ideológica não comente obscurece a percepção das relações de produção como, antes de tudo, a impede. Num momento superior da superestruturação das sociedades, isto é, nas formações econômico-sociais capitalistas, a estratificação social obscurece a apreensão das relações de produção, porém, não a impede. Em outros termos, à medida que o processo econômico alcança relativa autonomia, a sociedade oferece a seus membros a possibilidade objetiva de realizar o desmascaramento, isto é, de apreender, na estratificação social, as relações de produção que ao mesmo tempo se afirmam e se negam através dela.