Hailton Correa
Às ideias, muitas vezes é preferível o mofo e a poeira do que é intrínseco, do que o verniz e o polimento do que é superficial.
Os pezinhos pisam as areias frescas, brincando numa distância mais segura, longe da podridão da maldade humana.
Cinco pras Seis
Soa o despertador. Deu vontade de quebrá-lo ou atirá-lo contra a parede ou retirar a bateria ou engoli-lo. Programou para voltar a tocar em cinco minutos, voltou a dormir e sonhou. Falta de ar. Sangue escorrendo. Corpo esfriando. A morte chegando. Nem um minuto mais lhe restaria. Ao tocar pela segunda vez, de sobressalto pôs-se sentado, beijou o aparelho e jurou, ainda ofegante, amor eterno.
Uns Cortes
Começou primeiro a cortar mesa e cadeiras, sofá, televisão, depois raque, filtro de água, fogão, carros, em seguida árvores, e por fim animais e gentes. As lâminas vazavam tudo, sem dó nem piedade, a mando de uma mulherona mandona que observava de certa distância com fúria nos olhos.
— Corto também essa carne podre pendurada nas suas costas? — perguntou-lhe o sujeito com a máquina na mão.
— Não, isso não. De jeito nenhum. Está louco?
E caminhando em direção a ele:
— Dá aqui essa máquina, você também já não me serve mais.
— Ziu!
Toda experiência que a gente adquire é um mero empréstimo, cuja serventia devia ser mais coletiva que individual. Talvez isso explique o porquê de estarmos tão desengonçados.
Quando parecer impossível remontar as coisas quebradas, o melhor, talvez, seja misturar os cacos e iniciar um belo mosaico.