Guilherme Pintto
O tempo não cura tudo
— Alô?
— Oi! Quem é?
— Sou eu. Não precisa dizer nada, só me escuta.
Tudo bem? Como têm sido teus anos longe de mim? Cheguei hoje de viagem e pensei em te ligar. Sei lá, puxar um papo, te resumir minha vida nesses oito anos. Eu sei que a gente não se falou nesse tempo, e que eu, tampouco, respondi as tuas mensagens. É que andei tão ocupado que mal tive tempo de pedalar como antigamente. Na verdade, eu precisava de um tempo. Queria estar longe e não estender mais o nosso vínculo. Tu sabes que eu nunca fui muito bom com despedidas, e acredito que eu ainda devo me profissionalizar em “adeus”. Tu lembras daquela faculdade na qual eu queria passar tanto? Então, depois de três anos tentando, eu entrei. Foi a maior festa lá em casa. Minha mãe pensou em te ligar, mas não tínhamos mais o teu número. Ou melhor, foi o que eu disse pra ela. Até hoje a coroa insiste em dizer que tu és o melhor parceiro de festa que ela teve, e especialista em queimar todo o churrasco. Tenho tanta coisa para te contar que, se eu demorar muito, meu bônus acaba e só poderei te ligar amanhã. Tu sabes: “A vida tá difícil.” Meu bordão ainda é o mesmo. Afinal, sou graduando e não formado. Vais precisar ter um pouco de paciência caso escutes um “tututu” ao invés da minha voz. Há uns dois meses eu ganhei uma viagem com acompanhante para Bali, acredita? Para Bali, cara! Sim! Eu fui sorteado na agência que o Pedro trabalha. Na verdade, eu não sei se realmente foi sorte ou a desculpa dele maquiada para irmos juntos. Ah sim, nem te falei: estou namorando. O conheci naquele posto que a gente sempre comprava o teu cigarro que eu tanto odiava. Até que, do ódio, surgiu um amor. O guri é meio louco, mas é tri gente boa. Dirige um fusca, têm umas tatuagens mucho locas pelo corpo e um cabelo bagunçado que eu adoro. Ele sabe como me tratar bem. É doutor em me arrancar gargalhadas e faz questão de me mandar toda manhã alguma citação do Gabito Nunes. Pelo estilo do cara, não deveria se empenhar pela metade, mas, segundo ele, o amor é sujeito à mudança. Além dos seus defeitos já acostumados, quase morre a cada texto que eu publico. Ele acha que será uma carta de término, exatamente como eu fiz contigo aquela vez. Lembra?
Minha amiga me ligou na segunda, falou que tu vais te casar. É verdade? Só pode, né?! Teu rosto está estampado na coluna social que ela fez questão de digitalizar e mandar por e-mail. Por um lado eu fico feliz. O nosso plano de nos esquecermos deu certo. Mal e porcamente, mas deu. Eu também estou feliz. Mês que vem estou indo tirar umas férias na África. O Pedro tem fissuras por lá e o meu coração ainda bate quando vejo aquelas crianças com olhares que refletem a vida. Ainda vou morrer com a vontade de querer abraçar o mundo e resolver a vida dos necessitados.
Esse tempo longe fez eu entender que o amor não discerne distâncias, não conta as horas e que a saudade não vem a óbito com as substituições. Ou melhor, o tempo não cura tudo, só tira o incurável do centro das atenções. Existem saudades que passam a ser nossas amigas. Como uma filha, uma vez gerada, só podemos deixá-la de lado quando outra pessoa assumir e der um jeito de tratá-la. Antes de embarcar no aeroporto, uma senhora com roupas e acessórios de cigana pediu para ler minha mão. Interpretando minhas linhas turvas, graduada nas leis da vida, me encarou com dois olhos negros acompanhados de uma voz suave: “A memória conserva a felicidade dos momentos compartilhados e a mente faz o trabalho de lembrar o porquê não estendê-la. Não existe receita para a felicidade, não há fórmulas para o amor, não existirão remédios para a saudade. O coração tem memória, passe a respeitá-la! Não o subjugue, pois ele sabe muito bem a diferença entre lembrar e amar. Quem um dia amou, leva a saudade antiga no bolso para poder viver em paz com a novidade de um novo amor.”
Tututu…
Amor abusado
É engraçado quando estamos carentes que qualquer movimento diferente nos parece o amor chegando. É o cara que te oferece ajuda na academia, o motorista gentil que faz sinal para tu passares na faixa de segurança, a moça com o sorriso simpático no caixa do supermercado… Tudo é motivo para pensarmos que ali vai se dar início a uma nova história. Mas, será mesmo? Será que vai acontecer naquele momento? Será que o cara da academia vai te chamar para trocar uma ideia depois do treino? Ou o motorista vai te seguir e pedir teu número com o telefone dele na mão? Ou então a moça do caixa vai escrever um “me liga” na nota fiscal, tendo o seu número logo abaixo? Infelizmente, não! O amor não é assim. O amor é abusado. Ele entra com a casa bagunçada, de pijama, quando tem gente. Sem percebermos, ele se instala. Ele chega em meio a confusão, a euforia, a perda, a conquista. Mas, o que é amor? Quem é esse que tanto falam? Qual é desta insatisfação que torna tudo insatisfatório quando não o temos? Será que é tão importante amarmos e sermos amados? Eu percebi que sim, na minha quinta-série. Quando tive uma professora amarga e diziam que era mal-amada. Não tinha ninguém para compartilhar seus problemas, suas conquistas e muito menos as alegrias. Acabava que, no final do dia, era apenas ela e mais ninguém. Nada a motivava pelo que eu podia perceber. Foi se isolando tanto do mundo que, hoje, vive em um sítio com uns oito gatos e vai à cidade apenas para fazer compras, quando necessário. Eu tenho medo da solidão e, diga-se de passagem, que desde muito tempo já venho planejando meu “plano B”, caso eu não encontre este “tal amor”. Todo mundo anseia por isso, nem que seja bem lá no fundo. O desejo é unânime: querer cuidar e ser cuidado. Deixemos, então, a porta entreaberta para ele entrar.
O amor acontece quando a gente menos espera. Quando pensamos: “este aí nunca vai ser o amor da minha vida!” E é. Dizem que ele chega para os mais distraídos, para aqueles que estão ocupados vivendo a vida com gosto, para pessoas com menos planos na agenda. Ele vem quando quer, e não quando queremos.
Sou mulher, não guria
Se eu preciso de ti? Eu sou mulher, garoto! Não guria. Eu acordo às 06h da manhã de segunda a sábado, 12h por dia, 4h de aula, 5 horas de sono. Eu não preciso pedir tua permissão para pagar minhas contas, nem te informar o dia do pagamento do meu aluguel. Aprendi a me virar cedo, a sair da barra da saia da mamãe. Tu não sabes nada da vida, e tampouco entendes de amor. Eu sei que não li mais de dois livros do Mário Quintana, desconheço as citações de Shakespeare e que, mal sei falar inglês. Não sou chiquetosa como estas piranhas que te ligam de seus iphones brancos no meio da madrugada te chamando para sair. Talvez eu não seja a mulher ideal. Mas, eu me amo, sabe? Ando de ônibus, me visto como posso e vou apenas aonde o dinheiro dá. Portanto, eu sei do meu valor e também conheço vários que sabem também. É só eu estalar os dedos e consigo uma carona pra São Paulo e volto dirigindo uma Land Rover. Mas, eu não sou mulher de interesses. Sou de negócios. Eu negocio o carinho e em troca tu me ofereces o abrigo dos teus abraços. Eu te dou amor e tu me alugas o teu coração. O que achas? Se ainda preferires, eu posso reservar algum tempo no meu horário de almoço, a fim de pedir uma ajudinha à Ana Maria Braga e te fazer um bolo, um café, um cafuné.E ah, em questão de arrumar um tempo para nos amarmos, deixa comigo. Eu sou boa em dar jeitos, péssima em arranjar desculpas.
Eu gosto de quem abusa
Eu gosto mesmo é do abusado, do abuso, de quem abusa. Gosto de gente que entra e não pede licença. Que atira o casaco em cima do sofá e não é educado a ponto de estendê-lo no cabide. De gente que te puxa pelo colarinho, ao invés de te pedir um beijo. Que te liga no meio da madrugada dizendo que vai enfartar de saudade. Que te sequestra na sexta-feira à noite e só te entrega na porta do teu trabalho na manhã de segunda-feira.
Gosto de gente que tem sede pela vida, que te namora em cima de um colchão velho e lê tua citação favorita debaixo de uma árvore. Gosto de gente que assiste a teu filme favorito contigo pela milésima vez, mesmo sabendo que tu já decoraste todas as falas. Sou apaixonado por gente que para a conversa com os amigos apenas para te cumprimentar. Que te vê online e te chama no bate-papo. Que compartilha uma música que tu gostas e te chama para dividir a cama de solteiro no domingo à tarde.
Gosto de mentes insanas, de beijos com sabor de vontade, de pele suada como se ainda fosse perfume. Gosto de calor abafado nas cobertas, de mãos bobas em horas ilegais, de risadas que evoluem para gargalhadas. Gosto da insanidade maquiada com a impressão de bom guri.
Eu tenho paixão pela vida, pelo mundo, por viver. Gosto de pessoas que estejam prontas para seguir viagem. Que deixam a mochila ali, semipreparada no cantinho do quarto, desprendidas de qualquer acomodação. Aquele tipo de gente inteligente, que carrega a casa nos ombros e leva o significado de abraços como suas segundas casas. Afinal, o abuso só é merecido para quem se deixa abusar.
Se eu preciso de ti? Eu sou mulher, garoto! Não guria. Eu acordo às 06h da manhã de segunda a sábado, 12h por dia, 4h de aula, 5h de sono. Eu não preciso pedir tua permissão para pagar minhas contas, nem te informar o dia do pagamento do meu aluguel. Aprendi a me virar cedo, a sair da barra da saia da mamãe. Tu não sabes nada da vida e tampouco entendes de amor. Eu sei que não li mais de dois livros do Mário Quintana, desconheço as citações de Shakespeare e que mal sei falar inglês. Não sou chiquetosa como essas piranhas que te ligam de seus iPhones no meio da madrugada te chamando para sair. Talvez eu não seja a mulher ideal. No entanto, eu me amo, sabe? Ando de ônibus, me visto como posso e vou até onde o dinheiro dá. Eu sei do meu valor e também conheço vários que sabem, também. É só eu estalar os dedos e consigo uma carona para São Paulo e volto dirigindo uma Land Rover. Mas, eu não sou mulher de interesses, sou de negócios. Eu negocio o carinho e em troca tu me ofereces o abrigo dos teus abraços e me alugas o teu coração. O que achas? Se ainda preferires, eu posso reservar algum tempo no meu horário de almoço, a fim de pedir uma ajudinha à Ana Maria Braga e te fazer um bolo, café, aquele cafuné. E ah, em questão de arrumar um tempo para nos amarmos, deixa comigo. Eu sou boa em dar jeitos e péssima em arranjar desculpas.
Sabe aquele aperto? Aquela oração de todas as noites? Do medo de ninguém estiver te escutando? Das lágrimas que se escondem no óculos? Dos dias que parecem intermináveis, problemas que não conferem com a resposta do gabarito, do mundo achar que tu não és capaz? Pois é, mas todos os dias logo quando eu acordo, algo diz em mim: menos um dia para a tua vitória. Acredita!
Somos agora meros desconhecidos que, lá atrás, dividiram a mesma escova. Espero que com o vazio do seu banco de carona você tenha aprendido que o essencial não é a velocidade do deslocamento, mas sim a intensidade da companhia, que torna as viagens mais duradouras. Amor, eu já fui.
O problema não é o amor, são as dores, as decepções que a gente vai vivendo ao longo do caminho. E o pior é que não tem outra opção a não ser ajeitá-las em algum canto sem deixar que desorganizem ainda mais mais o que supostamente deveria estar organizado. O amor nunca foi o problema. O que mata a gente por dentro é esse vai e vem, que mais vai do que vem.
Mate quem já te matou há tempos: antes de começar, será preciso terminar. Você terá que assassinar suas piores lembranças para voltar a ser ré primária, sem feridas abertas e resquícios de amores sujos. Será preciso esfaquear o ponto e a vírgula, tacar fogo nas malditas reticências e fazer as pazes com o ponto final.