Gino Sérvio Malta Lôbo
Crônica de quem não tem nada para falar
Eis me aqui, em meio aos pensadores e sem pensamentos para oferecer.
Será que conseguirei atiçar a curiosidade de alguém que virá até aqui e se debruçará sobre estas mal-traçadas linhas?? Será que tenho algo a dizer??
Pensando bem, acho que todo mundo tem algo a dizer. Por outro lado, nem tudo que pode ser dito é algo que deva ser manifestado.
Supondo, então, que tenho algo a dizer e que posso dizer esse algo, como dizer?? Basta eu jogar palavras sobre a tela do computador?? Já ouvi falar que o papel aceita tudo, então a tela deve aceitar também...
Mas não... Se eu começar a banalizar minha escrita, em que ela diferirá de qualquer redação do primeiro grau?? Talvez eu até esteja sendo presunçoso, afinal de contas quem me garante que o que eu escrevo é melhor que uma boa redação do primeiro grau?? Não devo ser mesmo o melhor juiz para essa análise.
Tenho então de deixar aqui uma mensagem, algo que faça as pessoas pararem e pensarem, algo que as toque no mais íntimo de seu ser.
Mas, tenho eu acesso a esse conhecimento iluminado?? Há algo que eu possa dizer que já não tenha sido dito de todas as formas possíveis??
Terei de me conformar em reciclar velhos pensamentos, enfeitando-os aqui e ali com algum recurso de linguagem, tentando dar a eles uma nova forma, mais atrativa, mais cativante.
Mas sou eu quem vai fazer isso?? Logo eu ??!!
Eu sou tão pouco afeito ao uso de figuras de linguagem que só consigo imaginar um resultado pobre e pouco inspirador de qualquer coisa que saia da minha pena. E o que sair, infelizmente, dará pena.
Então, meu caro leitor, que me aturou até aqui e que esperava de mim, ao final, uma mensagem ou pensamento inspirador, só tenho a te dizer nesse momento um conselho que ouvi de minha amada mãe : "se vc não tem nada para falar, é melhor ficar calado".
E falei demais...
Abandono na justiça
Senhor Adevogado,
me ajude por favor!!
Foi embora minha amada
e levou junto meu amor.
Quero ela de volta,
nada de separação
e pode garantir a ela
que terá o meu perdão.
O contrato que fizemos,
perante Deus, nosso senhor,
não previa rompimento
e nem o fim do amor.
Cobre ela sem demora,
faça ela retornar,
pois o amor ainda em mim mora
e o dela há de voltar.
Caro cliente, de sofrido coração,
Há coisas que eu posso fazer,
mas o que me pedes não.
A lei divina não vale entre nós
e o que Deus uniu o homem separa
para que o amor não seja imposto,
exigido sob vara.
Feira
Em nossa vida,
No dia-a-dia,
Há uma feira
de fantasias.
Nela encontro
grandes melões
ornamentando
um violão.
Quem dera pudesse
tocar tal violão
e arrancar deles sons
que o fizessem vibrar.
Caminho do meio
Eu tenho medo do definitivo,
Do nunca,
Do jamais,
Do sempre.
Eu tenho medo da pessoas definitivas,
Das que falam nunca,
Falam jamais,
Falam sempre.
Eu tenho medo das pessoas intensas,
Sem medidas,
Sem freios,
Sem limites.
Eu, que sou todo limites,
Que sou todo freio,
Não tenho a segurança de certezas,
Sou caminho... do meio.
Espelho monstro
Tenho raiva do espelho.
Quem dera ele não existisse
E só da minha ilusão eu formasse minha imagem.
Mas não há como dele fugir.
Ele é onipresente
E me vejo refletido em cada esquina,
Cada canto.
Eu não sou aquele no espelho;
Não quero ser.
Não são minhas aquelas rugas,
Nem é minha aquela cara de preocupação.
Ahhh, monstro cruel!!
Vou preferir sete anos de azar.
Geometria quebrada
Eu era uma reta
E retos eram os meus caminhos.
Não haviam curvas
E muito menos desvios.
Mas aí apareceu uma curva...
Exagerada
Toda essa tua intensidade
É tua, só tua.
Não a procure nos outros,
pois só encontrará momentos.
Teu amor é prisão,
É rede em que te atiras sem receio,
É apego infindo,
É o único meio.
Mas eu, ahh, minha deusa,
Não sei como te corresponder,
Não nos teus termos,
Na tua forma intensa de ser.
Meu amor é ar livre,
Quer o céu e não o claustro.
Quero espaço para ser o que sou
E não seu projeto perfeito.
DESALENTO
Perdi meu compasso e minha régua
E minhas rimas se tornaram disformes;
Perdi meu dicionário
E minhas rimas se tornaram pobre.
Já não sou mais um poeta
(Será que algum dia eu fui?).
Nada mais me afeta
E a poesia não flui.
CASAMENTO
Juntamos nossas trouxinhas;
Agora estamos ricos.
E pra ajudar nossa vidinha,
Veio tudo, até penico.
Mas o tempo foi passando
E o muito virou pouco.
Vivíamos comendo e assando,
Tal qual um pródigo ou louco.
O amor que existiu um dia
Passou a ser um querer bens:
Quero o carro... e a geladeira também.
E tudo o que mais havia
Foi relegado ao esquecimento,
com exceção da conta do finado casamento.