Gaby Vieira
Um dia incolor
Apesar de ser o título de um dos meus livros preferidos, a expressão "um dia", em determinado e similar contexto, tem a incrível capacidade de me tirar do sério. Não é a frequência com que a usam, nem a simplicidade coerente aos monossilábicos de plantão, é a falta da resposta que eu quero ouvir, ou mesmo da que eu não quero que seja pronunciada.
É ainda pior do que a corriqueira "quando você crescer", uma vez que com essa pelo menos se conta o passar dos anos até a fase adulta, mas "um dia", por favor! É vaga, é decepcionante, é desencorajadora. Pode ser que seja essa mesmo a intenção, mas não me culpe por não compreendê-la, ou ainda por abafar essa compreensão em meio a outros sentimentos prevalecentes. E não sendo o afastamento o propósito, por mais poética que possa parecer a quem a profere, sejamos sinceros, quem a ouve "um dia", que provavelmente chegará bem antes do teu "um dia", cansa! Mesmo sem ter um prazo definido, espera que seja condizente aos seus anseios. Mas não é, parece nunca ser. Tem a capacidade de despertar a minha paranoia adormecida e na falta de coragem, culpa-se a presença do artigo indefinido masculino pela inquietude provocada por essas duas palavras, afinal, se eu tivesse ouvido " o dia", jamais teria cansado.
"Um dia" sempre me parecerá um desperdício de tempo, um comodismo que leva junto uma coletânea de sensações não vividas.
Que a vida me permita ser tudo o que ainda não fui, amar como ainda não amei, sorrir como ainda não sorri, trabalhar, realizar, crescer e não deixar nada nem ninguém para depois! Que me permita conservar e conhecer quem e o que me fizer bem. E assim me permitindo, que eu possa compartilhar com quem também se permitir.
Se você realmente se importa, dedique-se pelo menos um pouquinho. Fabrique tempo e oportunidades de se fazer presente!
O melhor amigo
Conquistar a confiança de alguém requer muito, tanto quanto entregar a sua. Nunca foi de uma hora para a outra que selei minhas melhores amizades...talvez tenha sido cativada bem rápido, mas abrir a alma e o coração certamente leva bem mais tempo.
"Leva bem mais tempo"... mas é um tempo imperceptível, que parece ter corrido da mesma forma que as horas passam quando conversamos. É estranho ligar-se tanto a alguém, é estranho que tenhamos gostos em comum, é estranho que não tenhamos nada em comum, é estranho que tenhamos a capacidade de falar com os olhos, de sorrir em pensamentos, de perder a vergonha e de confiar.
O melhor amigo não precisa ser chamado assim, a gente o sente com essa denominação e é o que basta. Por que elevá-lo a uma categoria superior? Por que separá-lo dos demais? Por que dedicar-se tanto assim?
É como se tivesse reconhecido, em meio a tantas outras, uma alma irmã. É como se de repente um elo invisível fosse criado, não como uma maneira de aprisionar, mas de entrelaçar, de ligar, de unir.
Nunca vou entender todas as emoções que o melhor amigo desencadeia.
Nunca vou entender como uma situação embaraçosa merece ser repetida em voz alta, e muitas vezes simulada, só porque o fará rir.
Nunca vou entender como a quilômetros pode adivinhar o que eu estou pensando ou sentido, como pode prever que uma ligação, um recado ou o que for é exatamente o que preciso.
Nunca vou entender como economizamos tantas consultas a terapeutas só com nossas sessões desabafo.
Nunca vou entender como posso ficar tão feliz com a conquista de alguém, como posso torcer tanto quanto torceria para mim mesma.
Nunca vou entender como implicâncias equivalem à um "eu te amo" sincero.
Nunca vou entender a segurança que é ter alguém que me conhece, que eu permiti que conhecesse totalmente.
Nunca vou entender como alguém que não é da família de repente faz parte dela, a conhece, sabe contar nossas memórias de infância só porque nos ouviu falar, porque de fato nos ouviu.
Nunca vou entender que enquanto o sentir por perto, nunca sentirei a necessidade de entender tudo isso.
Sentir por perto... dentre tantas incompreensões, há outras tantas que eu entendo.
Entendo que quanto mais falamos, mais devemos ouvir.
Entendo que quanto mais segredos forem divididos, mais responsabilidades irão aparecer.
Entendo que há o dever da verdade, do apoio e da crítica corretos.
Entendo que há ciúme, que há brigas bobas e sérias, que há entrelinhas e falsa impressão de entendimento total.
Entendo que gostar tanto de alguém é incrível, mas nos torna vulneráveis.
Vulneráveis... ligeiramente mais vulneráveis que a qualquer outro. Facilmente magoáveis e altamente possessivos. É a partir do momento que nosso coração elege um melhor amigo que novos cuidados devem ser tomados. Assim como o carinho, uma explosão de sentimentos é amplificada e com eles as prováveis lágrimas não originárias de gostosas de risadas. Colocar-se no lugar do outro é fundamental. Entender que reconquistar a confiança é de longe uma missão quase impossível.
Talvez o desafio das grandes amizades seja preservar esse elo invisível a ponto de não permitir que o início de uma fissura acabe com um sentimento tão sincero. Até mesmo aqueles que sempre se dedicam se rendem à falta de "cultivo", distanciam-se e proferem, mesmo de coração partido, a temida expressão, " ERA o meu melhor amigo". Reconhecer essa realidade dói, mas nada comparado a mágoa de sentir um amigo te perder por inteiro. PRESERVAR é meu maior tesouro, mas apenas com aqueles se permitem. Afinal, reconhecer que é hora de soltar o elo quando ninguém mais o compartilha é também prova de amadurecimento.
São poucos os que me têm como melhor amiga, mesmo que nem saibam disso. Enquanto houver cultivo, mesmo que o façam inconscientemente, com eles estarei, dedicando-me à verdadeira amizade.
Rever gente da nossa infância é como resgatar pedaços nossos que têm ficado para trás. Mais feliz e mais inteira, por assim dizer.
É um mergulho profundo, é sentir a contração muscular, a falta de ar e os olhos molhados...é ter medo de nunca recuperar o fôlego, de que a superfície a ser tocada esteja tão longe a ponto de nunca ser atingida.