Frederico Amitrano
Ah, a angústia…
Eu bem sei o que é
Fogo que não se apaga
Febre que não me deixa
Dor que se propaga
Buraco que nunca fecha.
Sem alívio, sem agrado
Duro
Muito rígido, excitado
Duro
Sem dinheiro, sem trocado
Duro
Insensível, calejado
Duro
Muito ríspido, indelicado
Duro
Impossível, impenetrável
Duro
O poema é como um filho
Você não cria pra você
É preciso soltá-lo no mundo
Tem nome, identidade, registro
E de repente você vê
Que ele existe sem você
Corta os laços oriundos
“- Vai meu filho, voa alto!
Mergulha fundo! Corre os trilhos!
Come asfalto!Ganha o mundo!"
Toda manhã ela passa
Trotando formosamente
Exibindo sua raça:
Seus lindos e afiados dentes
Bela potranca eu vejo passar
Com sua anca pra lá e pra cá
Quem dera eu me agarrar à sua crina
E galopar nesse belo animal
Animal selvagem que empina
Se assustada ou se lhe fizerem mal
E em rumo ao destino
Entre pingos de calor
Cavaleiro e eqüino
Num galope de amor
Eu lhe recalco
Você me forclui
Me nega, me tira, me exclui
De tudo que sendo deixa de ser
Prazer em desconhecer…
Eu sonho
Você delira
Nem sei se é verdade ou mentira
Se tudo é como se vê
Prazer em desconhecer…
Torturas, carinhos, vinganças
Eu quebro nossa aliança
E volto sem saber por que
Prazer em desconhecer…
Que tipo de amor é o nosso?
Em que estrutura estará submerso?
Neurótico? Psicótico? Perverso?
Não sei o que dizer
Prazer em desconhecer…
Toc, toc,toc
Faz o som no assoalho em altas horas
Confiro a porta, vou pra cama
Confiro a porta, vou pra cama
Confiro a porta, confiro a porta
Vou pra cama
Toque, toque, toque
Diz a voz na minha mente completamente matemática
São quatro numa e quatro noutra
São quatro numa e quatro noutra
São quatro numa e quatro noutra
São quatro numa e noutra
“-Toque, toque, toque”
Dizem as pessoas à minha volta claramente transtornadas
Não posso se não me contamino, não posso se não me contamino
Não posso se não me contamino, não posso…
Pensamentos mágicos, invasivos
Desgastantes, opressivos
Todos riem, acham graça
Não entende quem não passa
Pelo transtorno obsessivo compulsivo
E lá se vai o último e cabível trago
No estômago cheio de um homem vazio
Que chora o que bebe porque bebe o que chora
Então vai- se embora nas águas de um rio
E ginga com o vento
Tropeça na sombra
E o mundo se assombra
Com sua ousadia
E vira poeta
Faz alegorias
Sambando na rua
Soluça poesias
E driblando a sorte
Atravessa a avenida
E morre com o samba
Que então ganha vida
E lá se vai, e lá se vai
O último e cabível bêbado
Num copo cheio de um ar sombrio
Que chora o que bebe porque bebe o que chora
Então vai- se embora sem choro, vazio
Você com alguém e eu sem ninguém
Você com alguém e eu também
Você sem ninguém e eu, muito bem
Eu sem ninguém, você com alguém
Duas vidas paralelas como dois trilhos de trem
Correm juntas e só se encontram
No infinito ou mais além
O que é? O que é?
Uma coisa que só no Brasil se faz?
Quem pensou em samba, não é
Nem futebol, nem café…
Responda-me quem for capaz
Agora vou dar uma resposta sagaz
Ora, o que só no Brasil se faz
É claro que são os brasileiros
Pois em nenhum lugar do estrangeiro
Mesmo com muito dinheiro
Um brasileiro se faz
Mas como se faz um brasileiro?
Mais uma pergunta tenaz
Alguém tem alguma receita
Ou uma vaga suspeita de, enfim, como se faz?
Vou tentar dar o meu pitaco:
Cuíca, sanfona, cavaco
Um pouco de balacobaco
Inda assim não se faz
É preciso misturar as cores:
Branco, preto, amarelo
Todo tipo de cabelo
E uma teimosia pertinaz
Mesmo assim um brasileiro
Não é só assim que se faz
Tem que ter algo além
Um pouco de pimenta cai bem
Ou um tempero mais audaz
Um “mexe- mexe” demais
Aí não tem pra ninguém
Boa dose de alegria, bom humor, simpatia
Mas, todavia, porém
Inda assim não se faz
Creio que pra se fazer um brasileiro
O verdadeiro, daqueles que só no Brasil se faz
Nem precisa ser cozinheiro
É só misturar o mundo inteiro
Numa grande receita de paz
Meu amor, lhe espero eternamente corcovado
Lá no céu petrificado, braços abertos pra você
Minha flor, meus desejos São Conrado
De um caminho apaixonado que o Joá me faz viver
Quero beber sua garoa e lhe aquecer com meu verão
Fazer de nós uma lagoa na Avenida São João
Mas a dor de pensar em quem se ama
Quase sempre nos engana ou então nos faz sofrer
O sabor do sal de Copacabana
Escorrendo dos meus olhos quando penso em você
Ah, que esse amor só me machuca
E esse sal me faz penar
Eu vou lhe dar meu pão de açúcar
Só pra você se lambuzar!
Falo ou não falo?
Não falo ou falo?
Essa e a luta
Lutar pelo falo
Falo ou não falo?
Não falo ou falo?
Esse e o desejo
Possuir o falo
Quem manda tem falo
Quem desmanda, também
Há mulheres com falo
Alguns homens não têm
As bandeiras são falos
Nos mastros de além
Cada país quer fincar
O seu falo em alguém
Falo ou não falo?
Não falo ou falo?
Uns cantam de galo
E outros se calam
Tudo depende
De com quem tá o falo
Falo ou não falo?
Não falo ou falo?
Se falo o que falo
Fá- lo com o falo
Saudade é ler
Os poemas de um poeta morto
Saudade é um barco que sai do porto
Saudade é sentir a dor da despedida
Saudade é chorar na partida
Saudade é voltar sozinho
A um inesquecível lugar
Saudade é ir pra nunca mais voltar
Saudade é cantar uma antiga canção
Que faz lembrar uma linda paixão
Saudade é sofrer
Saudade é padecer
Enfim, saudade é o que eu sinto de você
O que será que ele pensa
Quando fica assim tão sério?
Há um véu de mistério
Que me deixa um pouco tensa…
Quem será que ele é?
Será que é casado? Viúvo? Divorciado?
Será que tem filhos? Mulher?
Quem será que ele é?
Ou melhor, quem será que ele é pra mim?
Qual lugar lhe é devido?
Se parece com meu pai
Ou será com meu marido?
Eta dúvida sem fim
Meu analista é assim
Às vezes penso nele
Com raiva… Em outras, com carinho…
Deus os chamou para a mesma caminhada
Unidos nesse mistério
Uma alma na outra embalsamada
Um mistério no outro mistério
Dentro de suas almas enluaradas
Canta uma doce canção, o saltério
Uma com a outra marcada
Num compromisso solene e sério.
Desfaçam-se canções como sonatas aos luares,
Eternizem esse amor que não se mede
E o depositem em Deus, em seus altares
Acharam o amor, maior descoberta do que a de Arquimedes
O amor de vocês seja como o de Cantares
O amor entre Eline e Fred
O poeta é como um missionário
Que prova dos sabores de sofrimentos de versos
Como a madeira que se transforma em objeto direto
Das lixas das mãos de Deus, seu marceneiro
Pois quando um poeta cria
De simples palavras cruas
Uma simples poesia
Ele lixa cada frase
Exclama, virgula, pontua e põe crase
Nas mínimas lembranças suas
De amores impossíveis são feitos os poemas
Que germinam da mente desse asceta
Que não reclama e nem blasfema
De sua sina de ser poeta
É madrugada
Silêncio me faz acordar
Breu dando forma ao lugar
Chego à janela, olho o luar
E as estrelas ao léu
Cheiro salgado no ar
Como é bonito o céu à beira mar…
Tem poesia na moça da cidade e na moça da favela
Num clássico de Beethoven e num samba da Portela
No sangue que corre pelas veias dos valentes generais
E no sangue que escorre das tão cheias notícias de jornais
Tem poesia em uma criança que nasce e em seu comemorativo porre
Em uma pessoa que esvai-se e lentamente morre
No operário que luta pelo seu pão
No pobre salafrário que acaba na prisão
Nas águas que inundam o sul e se esquecem do sertão
Nos batuques, nas cachaças que rolam pelos botequins
Nos preconceitos sem graça dos cabelos pixains
É poeta quem aprecia e solta
Não fica mudo
Quem vê a poesia
Em todos e em tudo
O céu está tão lindo
A lua sorrindo
Estrelas caindo
E ela dormindo
Seu sono é tão profundo que entorpece o ar
Embalada nas voltas do mundo
Ela nem sonha acordar
A noite vai passando sem ela sentir
O silêncio é o acalanto
Que faz Ana Letícia dormir
Aquele menino que driblava certo com as pernas tortas
Tinha um olhar diferente
Chave de todas as portas: Sua maneira inocente
Caçando passarinho
No esplendor da natureza
Garrincha voa, pobrezinho
Exibindo sua beleza
E num gramado iluminado
Iluminadamente ele está
Deixando muito “João”
Sentado na grama pra descansar
O mundo inteiro gritou e agora grita de novo
“- Garrincha, Garrincha, a alegria do povo”
Hoje Garrincha voou nas asas da solidão
Mas a camisa que ele suou
Não tem substituição
Nossos corações pararam
Na parada de seu coração
Não tem mais bola no pé
Ele já não pisa no chão
Uma coisa eu grito com fé, garra e emoção
“- Garrincha era Mané, mas nunca foi João”
A gente já não tem assunto
E tanta coisa pra falar
Nem tampouco estamos juntos
Mesmo no mesmo lugar
Olho teu olhar e deixo
Tanta mágoa no olhar
Beijo tua boca, o teu queixo e me queixo
Tantas queixas nessa forma de beijar
Acho que ainda te amo, mas as palavras se gravaram em mim
Ou tudo é um engano ou é o começo do fim
Um dia ainda te falo num tempo que ainda não conheço
Onde não haja brios e nem mágoas
Muito menos o fim do começo
E como hábil pianista
Tocar tecla por tecla do seu corpo
Deixando Fluir livremente
O som de uma antiga melodia
Que só nós dois conhecemos…
Estreou numa manhã de Maio
Nunca fui o mesmo depois dela
Penetrou em minh’alma como um raio
O seu nome? Ana Rafaela
Abrace-me com esses braços
Que um dia me embalaram
Beije-me com esses lábios
Que um dia me ralharam
Me leve pro seu leito
E me deixe chorar
Depois me nine no seu colo
E deixe eu lhe abraçar
Prá relembrar aqueles tempos que nunca vão voltar
Se eu pudesse escolher a minha mãe
Assim como Jesus fez
Escolheria você
E voltaria tudo outra vez
Que posso dizer se sou assim?
Quando começo uma coisa, vou até o fim
E se quero uma outra
A tomo pra mim
Que posso dizer se sou assim?
O meu tempo é agora
Não há não, só há sim
E se não digo na hora
Espere por mim
Pois irei noite a fora
Ruminando assim
Como um boi que demora
A engolir o capim
Que posso dizer se sou assim?
Compulsivo, dominador… Isso é bom ou ruim?
Se a vingança então
É saber que a obsessão
Se alimenta de mim