Frantz Fanon
Hoje acredito na possibilidade do amor; é por isso que me esforço para rastrear suas imperfeições, suas perversões.
O imperialismo deixa para trás germes de podridão que devemos detectar e remover clinicamente da nossa terra, mas também das nossas mentes.
O colonizado, portanto, descobre que sua vida, sua respiração, as batidas de seu coração são as mesmas que as do colono. Descobre que a pele do colono não vale mais que a pele do nativo.
O colonialismo não é uma máquina de pensar, não é um corpo dotado de razão. É a violência em estado puro, e só se curvará diante de uma violência maior.
No plano interno, os países colonialistas enfrentam contradições e reivindicações operárias que exigem o emprego de suas forças policiais. Além disso, na atual conjuntura internacional, esses países necessitam de suas tropas para proteger o regime. Enfim, conhecemos o mito dos movimentos de libertação dirigidos a partir de Moscou. Na argumentação apavorada do regime, isso significa: "Se as coisas continuarem assim, os comunistas vão acabar se aproveitando desses tumultos para se infiltrar nessas regiões".
O neutralismo produz no cidadão do Terceiro Mundo um estado de espírito que se traduz, na vida cotidiana, por uma intrepidez e um orgulho hierático que estranhamente se assemelham a uma atitude de desafio. Essa recusa declarada do compromisso, essa vontade ferrenha de não se prender, lembra o comportamento de adolescentes altivos e despojados, sempre prontos a se sacrificar por uma palavra. Tudo isso desconcerta os observadores ocidentais, pois existe, na verdade, um escândalo entre o que esses homens pretendem ser e o que têm por trás de si. Esse país sem ferrovias, sem tropas, sem dinheiro, não justifica a bravata que eles fazem ostensivamente. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma impostura. O Terceiro Mundo dá muitas vezes a impressão de se regozijar no drama e precisar de uma dose semanal de crises.
O neutralismo produz no cidadão do Terceiro Mundo um estado de espírito que se traduz, na vida cotidiana, por uma intrepidez e um orgulho hierático que estranhamente se assemelham a uma atitude de desafio. Essa recusa declarada do compromisso, essa vontade ferrenha de não se prender, lembra o comportamento de adolescentes altivos e despojados, sempre prontos a se sacrificar por uma palavra. Tudo isso desconcerta os observadores ocidentais, pois existe, na verdade, um escândalo entre o que esses homens pretendem ser e o que têm por trás de si. Esse país sem ferrovias, sem tropas, sem dinheiro, não justifica a bravata que eles fazem ostensivamente. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma impostura. O Terceiro Mundo dá muitas vezes a impressão de se regozijar no drama e precisar de uma dose semanal de crises. Esses líderes de países vazios, que falam alto, são irritantes. Temos vontade de fazê-los se calar. Entretanto, eles são cortejados. Ganham flores. Recebem convites. Em uma palavra, são disputados. Isso é o neutralismo. Existe uma literatura colossal a respeito deles, apesar do índice de 98% de iletrados. Viajam muito. Os dirigentes dos países subdesenvolvidos, os estudantes dos países subdesenvolvidos são clientes de ouro para as companhias aéreas. Os responsáveis africanos e asiáticos têm a possibilidade de, no mesmo mês, fazer um curso sobre planejamento socialista em Moscou e outro sobre os benefícios da economia liberal em Londres ou na Universidade Columbia.
Compreende-se que, nessa atmosfera, o cotidiano se torna simplesmente impossível. Não se pode ser felá, proxeneta ou alcoólatra como antes. A violência do regime colonial e a contraviolência do colonizado se equilibram e se respondem numa homogeneidade recíproca extraordinária. Esse reino da violência será ainda mais terrível quanto maior for o número de metropolitanos. O aumento da violência no seio do povo colonizado será proporcional à violência exercida pelo regime colonial contestado. Os governos metropolitanos estão na primeira fase desse período insurrecional, escravos dos colonos. Estes ameaçam tanto os colonizados quanto os seus governos. Empregarão os mesmos métodos contra ambos
E, de fato, lá se vão quase sete anos de crimes na Argélia e nem um único francês foi levado a um tribunal da Justiça francesa pelo assassinato de um argelino.
O nativo sempre soube que não podia esperar nada do outro lado. O trabalho do colono é tornar impossíveis quaisquer sonhos de liberdade do colonizado. O trabalho do colonizado é
imaginar todas as combinações eventuais para aniquilar o colono. No plano do raciocínio, o maniqueísmo do colono produz o maniqueísmo do colonizado. À teoria do "nativo como mal absoluto" corresponde a teoria do "colono como mal absoluto".
A mobilização das massas, quando ocorre por ocasião da guerra de libertação, introduz em cada consciência a noção da causa comum, de destino nacional, de história coletiva. Assim, a segunda fase, a da construção da nação, vê-se facilitada pela existência desse morteiro moldado no sangue e na cólera. Então compreende-se melhor a originalidade do vocabulário usado nos países subdesenvolvidos. Durante o período colonial, convidava-se o povo a lutar contra a opressão. Depois da libertação nacional, ele é convidado a lutar contra a miséria, o analfabetismo, o subdesenvolvimento. A luta, como afirmam, continua. O povo percebe que a vida é um combate interminável.
A violência do colonizado, como dissemos, unifica o povo. Na verdade, em virtude de sua estrutura, o colonialismo é separatista e regionalista. O colonialismo não se contenta em constatar a existência de tribos, ele as reforça e diferencia. O sistema colonial alimenta as chefaturas e reativa as velhas confrarias de marabus. A violência, em sua prática, é totalizante, nacional. Por esse motivo, traz no seu íntimo o aniquilamento do regionalismo e do tribalismo. Da mesma forma, os partidos nacionalistas mostram-se particularmente impiedosos com os caides e os chefes tradicionais. A eliminação de ambos é um pré-requisito para a unificação do povo.
Diante desse mundo, as nações europeias se refestelam na opulência mais ostentatória. Essa opulência europeia é literalmente escandalosa, pois foi construída sobre as costas dos escravos, nutriu-se do sangue dos escravos, provém em linha direta do solo e do subsolo desse mundo subdesenvolvido. O bem-estar e o progresso da Europa foram edificados com o suor e os cadáveres dos negros, dos árabes, dos índios e dos amarelos. Isso nós decidimos nunca mais esquecer.
A riqueza dos países imperialistas também é nossa riqueza.
Do mesmo modo, afirmamos que os Estados imperialistas cometeriam um grave erro e uma injustiça inqualificável caso se limitassem a retirar de nosso solo as tropas militares, os serviços administrativos e de intendência cuja função era descobrir riquezas, extraí-las e enviá-las para as metrópoles. A reparação moral da independência nacional não nos deixa cegos, não nos alimenta. A riqueza dos países imperialistas também é nossa riqueza. No plano do universal, essa afirmação, como se pode presumir, não significa absolutamente que nós nos sentimos tocados pelas criações das técnicas ou das artes ocidentais. Muito concretamente, a Europa inflou-se de maneira desmedida com o ouro e as matérias-primas dos países coloniais: na América Latina, na China, na África. De todos esses continentes, ante os quais a Europa ergue hoje sua opulenta torre, partem há séculos, em direção dessa mesma Europa, os diamantes e o petróleo, a seda e o algodão, as madeiras e os produtos exóticos. A Europa é, literalmente, a criação do Terceiro Mundo. As riquezas que a sufocam são as que foram roubadas dos povos subdesenvolvidos. Os portos da Holanda, as docas de Bordeaux e de Liverpool especializados no tráfico negreiro devem seu renome aos milhões de escravos deportados. E quando ouvimos um chefe de Estado europeu declarar, com a mão no coração, que tem o dever de ajudar os infelizes povos subdesenvolvidos, não estremecemos de gratidão. Ao contrário, dizemos a nós mesmos: “É uma reparação justa”. Logo, não aceitaremos que a ajuda aos países subdesenvolvidos seja um programa de “irmãs de caridade”. Essa ajuda deve ser a consagração de uma dupla conscientização, conscientização por parte dos colonizados de que isso lhes é devido e, por parte das potências capitalistas, de que efetivamente elas têm que pagar.
Para investir nos países independentes, as empresas privadas exigem condições que se revelam, com a experiência, inaceitáveis ou irrealizáveis. Fiéis ao princípio de rentabilidade imediata de quando vão a “além-mar”, os capitalistas mostram-se reticentes em relação a qualquer investimento de longo prazo. São insubmissos e com frequência abertamente hostis aos pretensos programas de planejamento das jovens equipes que se encontram no poder. A rigor, aceitariam de bom grado emprestar dinheiro aos jovens Estados, sob a condição, no entanto, de que esse dinheiro servisse para comprar produtos manufaturados, máquinas, isto é, para fazer as fábricas da metrópole funcionarem.
Na verdade, a desconfiança dos grupos financeiros ocidentais explica-se pela sua preocupação de não correr risco algum. Por isso, eles exigem uma estabilidade política e um clima social sereno impossíveis de alcançar, quando se leva em conta a situação lamentável da população global no alvorecer da independência. Então, em busca dessa garantia que a ex-colônia não pode assegurar, impõem a permanência de algumas tropas militares ou a entrada do jovem Estado em pactos econômicos ou militares. As empresas privadas fazem pressão sobre seu próprio governo, para que ao menos bases militares sejam instaladas nesses países, tendo como missão proteger seus interesses. Em última instância, essas empresas pedem a seus governos para garantir os investimentos que decidam fazer nesta ou naquela região subdesenvolvida.
Ocorre que poucos países preenchem os requisitos exigidos pelos trustes e monopólios. Dessa forma, os capitais, desprovidos de alternativas seguras, ficam bloqueados na Europa e se imobilizam. E imobilizam-se tanto mais porque os capitalistas se recusam a investir em seu próprio território. A rentabilidade nesse caso é efetivamente irrisória, e o controle fiscal desanima os mais audaciosos.
A situação a longo prazo é catastrófica. Os capitais não circulam mais ou veem sua circulação consideravelmente diminuída. Os bancos suíços os recusam, a Europa sufoca. Apesar dos enormes recursos absorvidos nas despesas militares, o capitalismo internacional encontra-se em apuros.
Mas um outro perigo o ameaça. Com efeito, à medida que o Terceiro Mundo for abandonado e condenado ao retrocesso, e em todo caso à estagnação, pelo egoísmo e pela imoralidade das nações ocidentais, os povos subdesenvolvidos preferirão evoluir em autarquia coletiva.
Agitando o Terceiro Mundo como uma maré que ameaçasse submergir toda a Europa não se logrará dividir as forças progressistas que pretendem conduzir a humanidade rumo à felicidade. O Terceiro Mundo não pretende organizar uma imensa cruzada da fome contra toda a Europa. O que espera daqueles que o mantiveram durante séculos na escravidão é que o ajudem a reabilitar o homem, a fazer triunfar o homem por toda parte, de uma vez por todas.
É claro, porém, que não somos ingênuos a ponto de acreditar que isto se fará com a cooperação e a boa vontade dos governos europeus. Esse trabalho colossal que consiste em reintroduzir o homem no mundo, o homem total, há de ser feito com o auxílio decisivo das massas europeias que, como elas mesmas precisam reconhecer, muitas vezes se alinharam às posições de nossos senhores comuns em relação aos problemas coloniais. Para isso, é preciso primeiro que as massas europeias decidam despertar, sacudir o cérebro e parar de tomar parte no jogo irresponsável da Bela Adormecida.
No momento em que os partidos nacionalistas tentam organizar a classe operária embrionária das cidades, observam-se no campo explosões absolutamente inexplicáveis. É o caso, por exemplo, da famosa insurreição de 1947 em Madagascar. Os serviços colonialistas são formais: é uma revolta camponesa. Na verdade, hoje sabemos que as coisas, como sempre, foram muito mais complicadas. Ao longo da Segunda Guerra Mundial, as grandes companhias coloniais estenderam o seu poder e se apoderaram da totalidade das terras ainda livres. Na mesma época, falou-se na implantação eventual, na ilha, de refugiados judeus, cabilas, antilhanos. Correu igualmente o boato sobre a iminente invasão da ilha por parte dos brancos da África do Sul, com a cumplicidade dos colonos. Assim, após a guerra, os candidatos da lista nacionalista triunfaram nas eleições. Imediatamente depois, organizou-se a repressão contra as células do partido mdrm (Movimento Democrático da Renovação Malgaxe). Para atingir seus fins, o colonialismo serviu-se dos meios mais clássicos: prisões em massa, propaganda racista intertribal e criação de um partido com os elementos desorganizados do lumpemproletariado. Esse partido, dito dos Deserdados de Madagascar (Padesm), daria à autoridade colonial, por suas provocações decisivas, a garantia para a manutenção da ordem. Porém, essa operação banal para aniquilar um partido, preparada de antemão, toma aqui proporções gigantescas. As massas rurais, na defensiva há três ou quatro anos, sentem-se repentinamente em perigo de morte e decidem se opor ferozmente às forças colonialistas. Armado de azagaias e amiúde de pedras e bastões, o povo se lança na insurreição generalizada, em prol da libertação nacional. Sabemos o que vem em seguida.
Essas insurreições armadas representam apenas um dos meios utilizados pelas massas rurais para interferir na luta nacional. Algumas vezes os camponeses assumem o lugar da agitação urbana, quando o partido nacional nas cidades se torna alvo da repressão policial. As notícias chegam ao campo ampliadas, desmedidamente ampliadas: líderes detidos, ataques em série com metralhadoras; o sangue negro inunda as cidades, os pequenos colonos banham-se no sangue árabe. Então o ódio acumulado, o ódio exacerbado, acaba por explodir.