fernandoafreire
E O VÍRUS RONDOU A FAVELA
Faltava tudo na casa do pobre homem,
só não faltava fome.
Como essa desgraça é coisa pra se matar,
um vírus armado rondou por lá.
Casa sem porta, faltava trancar.
Como era de se esperar,
ao reles morador algo mais faltou:
faltou-lhe o olfato.
Até já se acostumara com esse "nada ter".
- "Ora, se aqui todos suportam o mau-cheiro
da lama e nem mais reclama, olfato pra quê?!"...
Também era asmático.
Ar falto.
Remédio mais ouvido:
- "Mãos ao alto!"...
Digo - pra ser mais enfático:
...o remédio mais ouvido
na entrada de um ouvido
antes de ouvir o estampido...
- "Quem me socorre?"...
Como sempre, ninguém.
Faltou o afeto.
- "Então leve, leve sim,
leve tudo o que tenho,
ninguém se apieda de mim,
mas me salve a vida!"
- "Ai, Senhor, que dor,
quanta falta de amor!"...
Única sentimental saída,
prenúncio de despedida:
É que o vírus,
atlético, patético e antiético,
por não ter encontrado nada,
tirou do nauseante moribundo
o que ele inda lutava pra não perder,
acreditando ser-lhe dalguma valia,
mesmo neste degradado mundo,
onde ninguém o ouve,
onde ninguém o socorre.
onde toda ilusão é vã - e morre.
(fernandoafreire)