Fernando Echevarría

Encontrados 9 pensamentos de Fernando Echevarría

AMOR À VISTA

Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!...

Inserida por pensador

Felizes. Porque, ao fundo de si mesmos,
cheios andam de quanto vão pensando.
E, disso cheios,
nada mais sabem. Dão para aquele lado
onde o mundo acabou, mas resta o eco
de o haverem pensado até ao cabo
e irem agora criar o movimento
que subsiste no tempo
de o mundo ainda estar a ser criado.
Por isso são felizes. Foram sendo
até, perdido o tempo, só em memória o estarem
habitando.

Inserida por pensador

A solidão é sempre fundamento
da liberdade. Mas também do espaço
por onde se desenvolve o alargar do tempo
à volta da atenção estrita do acto.
Húmus, e alma, é a solidão. E vento,
quando da imóvel solenidade clama
o mudo susto do grito, ainda suspenso
do nome que vai ser sua prisão pensada.
A menos que esse nome seja estremecimento
— fruto de solidão compenetrada
que, por dentro da sombra, nomeia o movimento
de cada corpo entrando por sua luz sagrada.

Inserida por pensador

O TEMPO VIVE

O tempo vive, quando os homens, nele,
se esquecem de si mesmos,
ficando, embora, a contemplar o estreme
reduto de estar sendo.
O tempo vive a refrescar a sede
dos animais e do vento,
quando a estrutura estremece
a dura escuridão que, desde dentro,
irrompe. E fica com o uivo agreste
espantando o seu estrondo de silêncio.

Inserida por pensador

A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento.

Inserida por pensador

Se em nós a solidão viver sozinha,
sem que nada em nós próprios a perturbe,
cada figura passará rainha
na antiguidade súbita da urbe.

Um acento de pena irá na linha
vincar a eternidade de figura
a um rosto que quase só caminha
para dentro de o vermos pela pura

substância em si que vive a solidão
dentro de nós. E sendo nós só margem
do seu reino de ver por onde vão

as figuras passando na paisagem
de um antigo fulgor de coração
aonde passam desde sempre. E agem.

Inserida por pensador

Lentos nos fomos esquecendo. Quando
o tempo da velhice nos foi vindo
a tez apareceu amorenada de anos
e afeita ao espírito.
A lavoura sabia aos nossos passos.
Até os desperdícios
iluminavam debilmente o armário
e a penumbra dos rincões escritos.
Mas nós só estávamos
em nos havermos esquecido.
Ou, às vezes, a aura do trabalho
quase fazia com que na mesa o sítio
aparecesse coroado de anos
sobre a mão a mover-se pelo seu próprio espírito.

Inserida por pensador

Com a altura da idade a casa se acrescenta.
Não é que aumente a quantidade ao espaço.
Mas, sendo mais longínquos, o desapego pensa
maior distância quando se fica a olhá-lo.
Ou, se quiserem, uma realeza
se instala à volta dessa altura de anos,
de forma a que os objectos apareçam
na luz de quase já nem os amarmos.
Então a casa distende-se na intensa
inteligência de estarmos
a ver as coisas amarem-se a si mesmas.
Ou com a forma a difundir seu espaço.

Inserida por pensador

Os vivos ouvem poucamente. As plantas,
como o elemento aquático domina,
são dadas à conversa. A menor brisa abala
a urna de concórdia estremecida
que, assim, sensível, se derrama
e é solidão solícita.
Os vivos não ouvem nada.
Mas, havendo acedido a essa malícia
de experiência cândida,
os mortos deixam que o ouvido siga
o fluvial diálogo das plantas
umas com outras e todas com a brisa.
Melhor ainda. Quando, nas noites cálidas,
as plantas se sentem mais sozinhas,
os mortos brincam à imitação das águas
inventando palavras de consonâncias líquidas.
E esse amoroso cuidado de palavras
a urna de concórdia vegetal espevita
até que, a horas altas,
a noite, os mortos e as plantas
caiam no sono duma luz solícita.

Inserida por pensador