Fabrício Hundou - um autor desconhecido.

1 - 25 do total de 117 pensamentos de Fabrício Hundou - um autor desconhecido.

O Tempo, meus amigos, o Tempo está roubando coisas de mim. Tamanha veemência e desatino, me lembram muito bem que, anos atrás, não era assim. O Tempo tem me ultrapassado, descompassado, fingido não se passar por mim. Decidi ter uma conversa com o Tempo para atarmos uma relação agradável e pedir mais uma vez que ele não me deixe apenas no passado.

Eu perguntei:

- Ríspido, o que tens contra mim?

O Tempo me respondeu:

- Estou farto de ser descuidado e ser usado como desculpa, fingindo que não me tem. Estou cansado de ser perdido em horas em vão. Estou cansado de ser perdido! Se você não tem tempo, tenha tempo para mim.

O Tempo, meus amigos, o tempo está roubando coisa de mim. Nesse nosso relacionamento, já dei adeus ao fôlego, às lágrimas, aos agouros; tamanha veemência e desatino, lembro-me muito bem, ainda não teve fim.

Inserida por FabricioHundou

É mais fácil segurar um tigre com fios de sedas que segurar um pensamento

Inserida por FabricioHundou

Eu e o abacaxi, não estamos vestindo nada bem. Nele, os espinhos incomodam por fora. Em mim, eles incomodam por dentro.

Não há veneno que me mate
Não há remédio que me cure
Existem amores que sempre passam
Há, corriqueiramente, aquele que me segure

Inserida por FabricioHundou

"Meu bem, por fraqueza do hábito, não te esforces a alimentar a esperança que nem fome tem..."

Inserida por FabricioHundou

PEDRAS NA VESÍCULA

"Eram tantos os suplícios para que cessassem o arremessar das pedras, eram tantos...Muitos! Tantos tontos ouvirão ecos sem economias. Pedros, pardos e perdidos. Perdidos entre pedras. Tantas pedras prediletas, com valoração, seixos com matizes. Eram tontos os que buscavam a pedra sem peso. Pedras não são como penas. Pena de vida, não há morte pior. Tantas pedras amorfas formam desfiladeiros íngremes, subidas delgadas, caminhos de campos calvos e calminhos cavam. A pena dos pássaros está na liberdade. Tantas pedras mofadas, sem uso, formam desafios íngremes, subidas às degoladas, pedras na vesícula, pedras atiradas."

Inserida por FabricioHundou

INVENTO

Poucos conseguem ver, mas o vento não é estéril. Ninguém consegue ver, pois o vento é um mistério. O sopro que sai da boca, transpassa os lábios e vira vento. A força que move caravelas é a mesma força que move pensamentos. Pensamentos sopram o tempo. Há gracejo pesado na alma que não se nutre de vento. Ar, gracejo, há leveza por dentro. Os ventos que penteiam o teu cabelo são os ventos que desembaraçam os sentimentos, são os ventos que criam redemoinhos, são os mesmos que giram os cata-ventos. Escapa à vista do que é feito o eólico. O vento é dos tempestuosos, dos fleumáticos e dos bucólicos. O vento é inventado. Tudo é vento.

PÃO DE ILUSÃO

"Dona Maria vai à mesma padaria há 43 anos e alguns dias. Essa data traz a agonia inventada pela espontaneidade da vetustez. Alguns móveis da padaria, ao longo da modernidade, foram trocados por mármore gelado e mogno lustroso. Os donos do estabelecimento ainda não foram trocados. O padeiro continua com um semblante frio - tanto quanto o mármore - e a balconista, com a sua pele lustrada pela temperatura dos pães, estende dedos grossos para devolver o troco. Em todos esses anos, os formais comprimentos nunca foram trocados por nenhuma amizade com túnica mais interna. Dona Maria é apenas mais uma velha assídua que sempre compra o mesmo bolo de trigo. Os que estão na padaria, também são apenas os mesmos, apenas são, sem muitas túnicas internas, são superficialmente apenas duas almas sem recheio que Dona Maria vê ao longo de seus 43 anos. Por casualidade, há muitos calendários, Dona Maria vê os mesmos rostos, os mesmos objetos, come as mesmas comidas, veste os mesmos vestidos que cheiram a naftalina. Diga-nos, Dona Maria, diga como era o sol naquela década. Diga-nos, diga com dignidade como as pessoas se trajavam, nos diga sobre os programas televisivos, diga-nos se os corpos eram em preto e branco, diga se havia medo de ter esperança. Conte-nos, conte sobre hoje, conte sobre excesso de cores. Conte-nos como contas as moedas do cofre que guardas em cima da geladeira, qual valor tem a mudança. Para Dona Maria, a dinâmica do tempo não lhe foi muito generosa. Dona Maria aguarda, no cume de sua demência, que nada possa mudar, pois envelhecer é um fenômeno agudo, que esculpe pés de galinha e rugas sem muita cortesia estética. E ela inventa todos os dias mais um dia de monotonia, para que não alcance o desespero de um dia ter de que se reinventar. Dona Maria sabe que a eternidade não se vende em nenhuma padaria, mas que a alegria da ilusão lhe traz a sensação de poder ter desenhar a vida que se quer levar."

Inserida por FabricioHundou

CARECA DE SAUDADE

Há pouco esmero nesse texto. Há pouco ele cresceu. Crespos, lisos, ondulados: tantos são os caminhos para a saudade. Trançados em raiz, espetados, penteados em et ceteras. E, mesmo em caminhos calvos, é algo que cresce, aumenta, cai. Tal vez, saudade. Cabelo, talvez. Arrepia e embaraça. Saudade é capaz conceber sentimentos de arrepiar e embaraçar qualquer sensatez. Há quem peleje ao pentear os fios desse tempo com o credo latente de que a saudade irá passar. Esforços em vão. Cabelo se corta, saudade também. Saudade logo cresce. O cabelo? Também!

Inserida por FabricioHundou

AMARELO

"Em mim haverá paixão até que a última flor de ipê caia e enfeite o chão..."

TRUCO

Troquei de roupa
Troquei os passos
Troquei figuras
Troquei os fatos
Troquei de olhos
Troquei de alma
Troquei de cores
Troquei de espelhos
Troquei de braços
Troquei palavras
Troquei de amores
Troquei de pecado
Troquei as bolas
Troquei
Truquei
Retruquei
Aos trocos e devoluções
Não me troco por nada

Inserida por FabricioHundou

AMAR - ATO I

"Desde que se tornou verdade, todo medo era apenas mentira, sem parcimônia de sentir a ausência do cais que me era, da imensidão de sorrisos igualmente divididos. Com aqueles braços - que atravessavam-me sutilmente os poros - tod'alma fluía, vestida de lençóis translúcidos, delicados, mas hígidos o suficiente a passar por qualquer espinho sem nem causar ferida, partos e partidas. Partilhas comigo a razão das mais belas canções e da cólera incurável, da falta do ar. Desde que se tornou verdade, tudo se torna...transforma no ato de amar".

Inserida por FabricioHundou

[VAIDADE]

No teu verso
Em miúdos alfanuméricos
O prazo de validade.

Nos meus versos
Em graúdos suspiros
A saudade.

Inserida por FabricioHundou

[DESAPONTADO]

.O mundo acabará da luz que emana dos rios e mares que, juntos, se fazem represa dentro de lâmpadas. Muitas. Lâmpadas, muito acima da nuca, próximas ao nunca, leva ao útero a luz. Luz que amarela o caminho das minhas reticências, das ciências. Eis a minha fria preferência aos pontos finais. Pontos finais são amarrados, feito laço bonito, pelos dedos mais bonitos que jamais vi. Bonitos dedos entrelaçados, perfumados por alcalinos terrosos como se, estes, tivessem bonito cheiro. Cheiro veste todo o corpo de agulha e carne, carne fluida de sangue cor dos fins de tardes. Do céu cai chuvas e chaves – e nenhuma de fenda – que pra eu apertar o balé dos meus parafusos que dançam livres e soltos no eixo do desleixo da minha cabeça. Cabeça, cesto fundo para guardar os nexos sujos, todos carcomidos de repetição, sem nenhuma palavra nova, pois – tal como as lâmpadas – na minha cabeça o mundo acaba em luz – e não em pontos finais.

Inserida por FabricioHundou

[LUA CHEIA]

Cortei a minha saudade
Em plena lua cheia
Só pra poder vê-la crescer
Mais rápida, mais bonita
No deslumbre vazio
De lhe trazer
Em meus mitos
Com um pouco mais
De certeza

O MENINO QUE O VALE LEVA

"Você nunca volta pelos mesmos caminhos. Você, o pequeno menino do vale, também é o grande adulto que leva. E se hoje vai embora - cheio de lentidão na marcha - é porque nunca perdeu o medo de voltar. Sempre soube que, o soluço, é o veredito pujante do perdão digerido. E eu, teimoso como sou, dou conversa ao desespero. Tenho calos por ainda ter cordas, na cabeça, para me pendurar em suas fugas. Corra ligeiro, na cidade que há em mim, com todas as suas coisas que vão perdendo o cheiro, exalando o melhor perfume da sua falta. Vale-me muito esse menino. Valei-me...volte! Pois as placas não têm nomes e, as ruas, não têm saídas. Nos fios da barba, há cama para a sua insônia. Riso também é choro. Cacto também se rega. Amor, não se nega".

Inserida por FabricioHundou

PÉTALA POR PÉTALA

"Aprendi a andar sobre à vida sem as mãos, sem nenhum apego ou reflexo de segurança mediante ao perigo. Em minha riqueza de aptidões, a que mais contemplam é a terrível maneira como os cadarços se comportam. Os que se importam: sintam-se importantes. Equilíbrios aos equilibristas. Pra eu que tanto me dou bem e mal - pétala por pétala - sob o papel de malabarista, resta rogar habilidade na dinâmica das instabilidades."

Inserida por FabricioHundou

SAPATO, VESÍCULA E CAMINHO

"Eu não escondo desconforto, mas, algumas pedras, encontram abrigos privilegiados."

Inserida por FabricioHundou

BEM-ME-QUER(O)

De todos os pesares
O mais leve é saber
Que equilibro soluço e canto
Enquanto despenteio flores

bem-me-quer, mal-me-quer
bem-me-quer, mal-me-quer

De todos os panos
Torço e contorço os fios
Para que escorram em minha pálpebra
Encantos de mais uma história

bem-me-quer, mal-me-quer
bem-me-quer, mal-me-quer

Como posso despentear flores
Se em minhas palmas
Cheia de mapas desertos
Eu tenho é dente-de-leão?

bem-me-quer, mal-me-quer
bem-me-quer, mal-me-quer

Se bem me queres
Mal consegues saber
Que bem lhe peço
Ao orixá que tu tanto rogas
Que lhe perdoe
Por ser mais pedra
Do que mar

bem-me-quer, mal-me-quer
bem-me-quer, mal-me-quer

E as minhas pétalas
Que caem tanto quanto os teus fios
Mordem os endereços de nossos abraços
Desertando panos e lençóis de algodão

E as pedras são as mesmas
Ainda que vento só sopre o nunca e nucas
Só se basta o que foi bastante
Seguro em minhas aspas e grito:

bem-lhe-queira, bem-me-quero
bem-me-queira, bem-lhe-quero

Inserida por FabricioHundou

NÃO VÁ!

Vem, vá com o sol
Vem, vá com o mar
Vem, vá com Deus
Vá, com quem te levar

Vem, vá com o sol
Vem, vá com o mar
Vem, vá com Deus
Vá com quem te levar

Inserida por FabricioHundou

RAN(CORES)

Toda saudade
Vira edema
Em pele
De amores
Tatuáveis

Inserida por FabricioHundou

A poesia é o meu selfie.

Inserida por FabricioHundou

A LUTA

"Vá em paz, meu velho pai, que Deus lhe espera com a paciência que, os dias de calor, pouco lhe deram. O teu nome - forte, em todos ecos da pronuncia - agora é clamado pelos nossas bocas ressecadas. Os nossos dias prosseguirão nos leitos dos rios que fluem, e rolam frouxos, em cada crivo das tuas rugas. As nossa diária luta marcial já nos prepara aos lutos e relutâncias. Vá, meu pai, que o que é teu vai romper as gerações famigeradas. Nunca hei de me dar ao hiato, pois teu timbre treme todo meu corpo. Respeitável seja a tua ida - que, agora, vem para sempre."

Inserida por FabricioHundou

CABIDE

"Vá ao cabide, pendure a tua espinha dorsal. Entre estar vestido de trapos ou de nobres tecidos - mas cheio de entrelinhas -, fique despido e exibindo, somente para o espelho que não existe, as pobres curvas do hiato remendado."

Inserida por FabricioHundou

BRECHA

Já tem é tempo
Que eu sumi das brechas
Se quiser me ver
Tem de ser na flama da pele
E vir com o coldre
Sem flechas
Sem pressa
Sem volta

Inserida por FabricioHundou