Fabrício Hundou
ROSAS
Muito longe de Guimarães
Mas muito perto da rosas
Charmoso!
Apenas exalam o perfume que roubam de ti?
Apenas exalo o que exilo do mundo em mim!
Oh! Exudas olores redolentes
Exumas o balsamo de ti
Em saudades turbulentas
Ressumas o odorífero aroma
Das mil amoras de Roma
E César clamaria a Deus
Para iluminar o teu céu
De rosas
P[R]O[BL]EMA
nenhuma técnica/método
receita bulário
segunda via feita a papel carbono
xerox reconhecida em firma
rúbrica a punho
sequer ensaio para a cegueira
qualquer poliqueixa minha
qualquer cólera
qualquer resultado
não é mais que
poema
único num
teorema do exercício de ser
todo dia um poeta que firula
a inquietação
condicionado à metáfora
programado em rima
aos vocábulos que rodeiam:
sou quase todo ilha
TUDO OU NASA
a distância equivale ao peso no teorema astrofísico dum corpo em relação ao outro
no espaço em que saudade é fenômeno
legitimado pela NASA
vist' a olho cru
sob a tese da reatividade geral
cuja velocidade - em Áries -
é anti gravitacional
anti racional
mais poema
do que
ponto
BR(ASAS)
soubesse
bulevares de vento
avenidas y tantas chances
o céu lhe guiou para o vigor
a sorte lhe quer muito amigo
a estética da liberdade: teu estudo
mapa astral artesanalmente feito
arquétipos de mil outorgas
Obaluaiyê asseia tuas asas
brasas / brasas
te aprimoras cada vez na saudade
meu cuidado é a declamação
nosso amor está
na
coragem
DIÁSPORA UM BANZO
qualquer y toda penumbra do que não se vê
intuir pode parecer alucinação/delírio instintivo
diáspora é um banzo
saudade esquecida
aguarde!
vamos conversar...
cessar as fantasias do que é y o que até pode ser - mas não agora
ser livre é um estado emocional,
ser livre é um cálculo do corpo (presença-ausência do outro)
deixar que amor possa multivibrar
na incosciência
da
coisa
cuando algum esforço estiver longe
ao limbo do que é sono-vigília
diante à légua mensurada
sob à Lua vazia
numa tarde em que
só o mundo
gira
gira
sem crase
desapego curado
PERPENDICULAR À ENCRUZILHADA
prospero pela travessia
perpendicular à encruzilhada
onde se agradece pelos rumos
ebó às léguas -
tantas tantas estradas
aonde
faço-me
agente/causador/recepetor
artista manifesto
apaixonado por homem
assobiador de lembrança
macramê nas entranhas
caminho largo (laroyá)
asé y fé em deus
sinto que amor de cada dia
é o meu
SER ERRADO
restou
de um rebuliço cálido
um vão / inane / cavo
espaço amorfo y vago
espaço vasto / "ecooso"
espaço sideral de novo
nem certo nem errado
légua portátil (de carregar no bolso)
a margem perdeu função
antes deixasse o chão
a água se engoliu
se era verde : partiu!
praxes do meu Cerrado
há seca y
ipês
desabrochados
T A I O B A
quero una muda de taioba
debruçar-me em toda folha
pôr-me frágil ao frágil
ainda que a grandeza seja
o que resta no espaçamento
entre as horas do réveillon
y minha lágrima-pedestre quando
vê a foto de meu póstumo pai
na carteira de meu irmão
uma resma de taioba
custa Ícaros - para quem vai saber:
Ícaro não pôde voar tanto
não tinha crença em Akará-Vento
Oyá dizia
também me emociona erês saindo das escolas
sinto a eternização do rosa desbotado dum
prédio que ignorei todo o resto
todo o tamanho que havia
pois só a cor pode explicar
pois só a cor pode explicar
s'esse banzo
rema ou rima
ficamos enquanto puder
MÓVEL
dança
cambaleia
oscila
gangorra
ferryboat
barco
gira
gira
tudo ao móvel
como deve ser
(2x)
sistema vestibular
propriocepção
memória (um carrossel)
Lavoisier / Lei Divina
linha do tempo
tempo-pai
mãe menininha
transitório-hoje
tudo ao móvel
como deve ser
GUIDOM
tem
muito de mim nxs velhxs que forçam o pigarro
nxs qu'escondem o bocejo y teimam quando a hérnia de disco comprime
captando o hiato da dor nas costas
tipo um timbre afinado
um álbum inteiro gravado
sob o autodiagnóstico de
"muito túnel pra pouca luz"
hérnia que nem sabe que tudo agora é por internet: pagamento, remédio, comida e amor
transa, transe, trânsito
meu modo maria-passa-na-frente
Exu sinaleiro
Ogum é meu guidom
Oxum apitando lírica
[fiz um pranayama aqui]
pois
tem muita gente ensaiando o traquejo de pôr à chave certa de primeira sem precisar revirar o molho inteiro caçando uma por uma como se a sorte estivesse na adivinhação tentada ou na procrastinação de fazer um macarrão a noite pós larica
morrer de fome/viver de silêncio
y
nenhum GPS guia
a
dispersão
contínua
NUBLATOTÔ
parecia faltar fôlego
umidade sem ter
aguadouro curadoro
pôs ácido lático a circular
mas
se o sol é relógio
tenho que aprender
a contar chuviscos
seja nublado ou sem riso
em qualquer algia - nem todo dia há azul
Escorpião na Lua nos chama
a ver matizes por detrás das
franjas de
Omolu
BOCADO
nem tanto me abrasei
às bocas do fogão
tampouco me rebucei
na boca da mata
ou cai em estado líquido
em boca de lobo
virei foi sorte
na boca do sapo
teu nome: sotaque
de boca de boca
na anoxia
no bocejo
no grito y desejo
um bocado de fome
da boca
pra
fora
VAIVÉM AQUOSO
reprofunda
pedra bailarina
molda-se feito libração
y vaivém aquoso
quer viver a sede sem mágoa
lança cabelos aos cardumes
diz que ama porquê ama pois
pondera a gagueira ao ver
o a(mar) explícito/abundante/imponente
tomar ossos & musculaturas
feito o erotismo do
abraço
MANGUSTÃO
Moço, o senhor podia vender mangustão. Maneja tão bem todas as frutas que aqui estão expostas; um verdadeiro boticário - sabes olfativamente ofertar tantas delícias. O perfume mixado de manga rosa, goiaba, bergamota, jaca y jenipapo: não há quem não salive ao passar perto. Essa banca é a oportunidade de comer as cores que a vida sempre pariu. Também sou parido de árvore. Facilmente enraízo, me agrada sol, água boricada, 'auto poda', dou fruto, flor e desfolho. Desde que comi mangustão, procuro repetir o gozo. Tenho pedido pouco, agradecido muito. Até amor incondicional conheci. Já encontrei quase tudo o que acusei falta, mas mangustão tem sido a cobiça. O senhor podia vender mangustão! Veja que planejo comprar. Tantas coisas me são dadas para encontrar... meu recém poder de compra até esperança quis pagar.
não há poesia disperdiçada
nem quando não é vista
nem quando não é declamada
não pertence a amores desatentos
não se eterniza em desdém/relento
não depende de 'sim'
quase sempre evita 'não'
poesia é criação fisiológica
se faz até em
modo avião
AOS
aos amores amados:
agradecimento pelo aprendizado
aferição dos tamanhos deixados
transformação é a ordem do espaço
y câimbra/azia/lacrimação
fazem parte de qualquer
altura
afetiva
"CAROSSO"
Não tinha completado sequer três meses desde a minha chegada. Estava muito cedo pra qualquer 'morbo'. Não é que seja sempre de boa uma relação honesta com um esboço de adoecimento, mas já estava tudo tão movediço por aqui...Ter uma amigdalite era sim assombro. Antes fosse essa a dedução. Tireoide - pensei! Outros absurdos também foram cogitados. A região era focal: garganta/laringe/pescoço. Falei de patologia, contudo, a sensação era bolinha de tênis verde-fluorescente; caroço de abacate, nó de corda, ovo que desceu pela goela abaixo e não quebrou. Nenhuma dessas opções eu tinha me apetecido y resolvi comer sem mastigar. Tinha sido posto ali em alguma distração que tive. Bem em minha garganta. Por falta d'água, não era. Nada a descer, aparentemente.
Na transição entre a fase da percepção e queixa, resolvi dar um prazo àquele troço qu'eu sentia. Por sorte - e sorte não pode ser escolhida - me espiritualizei com o tal desconforto. Não doia. Não mexia. Então chamei de desequilíbrio do chákra laríngeo (cor anil). Podia ser isso, afinal, eu tinha passado por uma prática de 21 dias de meditação. Troquei o 'raciocínio clínico' ou aprimorei as associações esdrúxulas. Continuava ali.
Até aqui, não contei sobre os tantos textos e palavras não-ditas nos respectivos três meses. Eu tinha engolido um bocado de palavras. Tive orgulho pra vomitar. Seria desperdício? A meritocracia do hiato me pegou feio.
Finalmente, um dia mandei mensagem. Uma escrita poética, fugaz y entrelinhas. Mas eu estava prestes à cura. Falei e em pouco tempo foi passando. Tantas palavras e sentimentos pra dizer o que é sintomático.
Nunca mais engulo medo. Nunca mais prometo silêncio no futuro.
Guaco!
ESU PASSAGEIRO-PRIMEIRO
O ônibus da prefeitura é novo, tem ar condicionado, as janelas não abrem, tem câmera no teto, luzes fluorescentes, chão de chapa de alumínio-xadrez y é amarelo/branco. Parando na Estação Campo da Pólvora, somente a porta da frente se abre para os novos passageiros. Quem tinha de saltar, saltou antes desse ponto.
Alguns "tocs tocs" solicitam a abertura da porta traseira. O motorista não abre, talvez nem tenha escutado. As batidas continuam enquanto o ônibus permanece parado. Por fim, o motorista concede, a porta arreganha e sobe um homem negro-retinto, aproximadamente 1,83, cabelos crespos com traços de dreads, vestindo regata, short e blusa de frio amarrada na cintura, aparentemente embriagado, usando duas bengalas canadenses; tinha um coto de amputação no membro inferior esquerdo.
Com voz estridente, berrou às "senhoras & senhoras" que era poeta. Recitou dois poemas, caminhando com dificuldades ao longo do corredor do ônibus em movimento. Esbarrava num e outro, não pedia desculpa, seguia declamando sua poesia autoral. Na segunda, fez pausa e disse que qualquer moeda lhe serveria para um café. Ninguém estendeu mãos, nenhum barulho de moeda. Parecia um estorvo artístico. A minha mediocridade participava paralisadamente daquele sarau de performance da sobrevivência sem sequer pronunciar uma misericórdia. Uma moeda seria mais útil que minha opinião rimada ou uma compaixão com menos auto julgamento. Não fiz absolutamente a ele. O ignorava em meu corpo; o captava com os ouvidos.
Grande coisa...!
A última poesia era sobre tomates secos. Ele dizia que tomates secos eram como gosto de sangue, gosto de amores. Não necessariamente nessa ordem, mas a metáfora era sobre 'tomate/sangue/amor'. Eu ouvia tudo e traduzia vermelhadamente em imagens. Vermelho.
O ônibus foi parando, a porta se abriu para os passageiros saltarem y o poeta sem perna - que já estava nos fundos - finalizou o poema aproveitando o embalo de descida. Sequer esperou as moedas, tampouco esperou os aplausos, as sellfies e elogios.
Que bom, pois não houve.
Laroyá, Esú. Abre os caminhos para a vida passar!
BOLSO DE UM MOÇO
a passarada verde brada
o teu sorrir: a própria ortografia
não há graça tão mais bem acentuada
só de pensá-lo, destoam as rimas
há sombra fresca em tuas letras,
um acanho! - o moço tímido se ajeita
se esconde, mas não se cala
ele é
língua de brisa y timbre de gaitas
mas se houver coisa na vida
qu'eu desejo por teimosia
é poder ser algum dia
a reticência em sua
poesia
ou largar dessa besteira
d'olhar relógio (para ver se tu chega)
vou lá eu ser alfabeto nada
quero ser dois bolsos e
apertar as tuas mãos
nas minhas