Eylan Lins

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⁠ANJO-POETA

Raimundo era um homem simples,
– daqueles homens de fazimento –
com nome de santo,
que andarilhava pelo mundo
catando desperdícios em sacos de lixo.
Raimundo – que era filho do mundo –
tinha um trabalho invisivelmente nobre:
pobre, recolhia das lixeiras da sociedade
o entulho que a humanidade desprezava.
Catava entre velhas caixas de papelão
– e sacolas jogadas ao chão –
o lirismo do romantismo de outrora,
os cantos não percebidos dos passarinhos,
a beleza do nascer do dia (a aurora),
a imagem de Cristo no crucifixo,
as virtudes de amizades perdidas
que se amontoavam [no amor ferido do agora]
entre as sarjetas – das tantas ruas imundas –
que percorria durante os afazeres do dia.
E, das valas abertas que encontrava no caminho,
recolhia sempre, com muito carinho,
o silêncio das palavras carinhosas não ditas,
o perfume das flores reboladas ao solo,
o respeito vilipendiado, a coragem menosprezada,
a humildade e a perseverança desdenhadas,
a tolerância e a fé preteridas,
as rosas que cintilavam ao pôr do sol,
as palavras proferidas pelos girassóis amigos:
palavras que nunca foram ditas ou notadas
nos caminhos que se percorre na vida.
Ao final do clarão de um dia de trabalho,
Raimundo levava tudo para um terreno baldio,
e lá depositava em leiras tudo que recolhia.
Anos depois, Raimundo se foi...
Ele que não tinha nem beira, nem eira,
nem estudo, nem família,
morreu sem deixar um legado...
Ledo engano, velho desacerto!
Raimundo deixou um jardim plantado,
– um canteiro florido de amor alentado.
Foi ele um semeador
neste mundo louco em que se joga no lixo
a essência e a beleza da rosa-vida!

* * *

SÃO APENAS VERSOS...

⁠Não escrevo aos que se acham maior!
Sei que meus versos são pequenos.
Mas não me importo se são amenos,
se não brilham, se são bons ou pior,
porque sei que são livres...

Sou poeta menor, bem sei disso...
E minha Poesia estreita, indouta
sem métrica, tosca, vazia, solta,
- maculadora do brio que não cobiço -
são apenas versos. Mas são livres!

Sou um mero pintor de aquarelas...
E, meus poemas desgastados, mudos,
rudes e descoloridos, entremeados
a corações amiúdes de flores amarelas,
são apenas versos. Mas são livres!

Escrevo aos que têm alma liberta!
As Estrelas esquecidas que já partiram.
Ao genial Pintor, cujas cerdas coloriram
as arirambas de minha terra esbelta.
Escrevo, porque sou livre...

⁠RELICÁRIO DE UM ANJO

... Meu querido Anjo-Huguinho
Há sete infinitos dias você partiu.
Ah! Quanta saudade, quanto ardor!
Hoje, Mamãe veio te trazer uma flor,
Uma Flor colhida no Roseiral de Amor
Que em mim você deixou plantado!
Lembras quando aqui chegaste
Naquela tarde linda de Primavera?
Chegaste cheirando a jasmim...
Parecia até que estávamos em um jardim
Onde girassóis sorriam para mim
Com suas grandes flores amarelas.
Agora entendo meu Anjo-Menino
Ali tua história estava sendo descrita,
Tua missão a mim sendo revelada:
Vieste para ser meu Jardineiro; eu, tua Fada,
A tua flor mais querida e mais amada,
A Rosa que te embalaria nos braços...
Hoje quando o silencio gritou tua voz
Ouvi o meu desolado coração dizer:
Huguinho foi mais que um Jardineiro
Foi ele o teu Menino, o Anjo faceiro
Que te ensinou o Amor Verdadeiro
Que ora floresce dentro de ti.
Assim se fez, cumpriste tua missão!
Contigo vivi os momentos mais dourados
Os mais primorosos anos de minha vida
As mais floridas sensações vividas!
Até que de repente veio à dor da despedida
Que a flecha do destino me reservou.
Teu Pai te manda mil beijos de Saudade
Cheios de mimos, carinho e ternura!
E um Tríplice-Fraternal-Abraço caloroso!
Tu que foste um filho querido e amoroso
Deixaste nele o sagrado perfume afetuoso
Das mais belas flores-amarelas de Acácia.
Teus avos, manos, tios e tias, teus padrinhos
Os vizinhos e toda tua primarada
Também estão aqui chorosos de saudade!
Você que nos trouxe tanta felicidade
Que nos uniu em plena cumplicidade
Jamais se apagará de nossas memórias.
... Meu querido Anjo-Huguinho
Muito obrigado por ter me escolhido...
Eu, entre tantas mulheres fui à agraciada
A Mãe mais feliz e a mais acariciada
Por tuas mãos pequeninas enviadas
Por Deus para nos abençoar!
Deixa agora eu te ninar pra dormir
Papai e Mamãe estarão sempre contigo
Aqui, nas estrelas, no além do infinito,
Na luz, no silêncio, na Matéria ou no Espírito,
Estaremos sempre juntos meu pequenito.
Dorme em Paz meu Anjo-Menino
Beijos de Amor Verdadeiro
De tua Mamãe Bennia e teu Pai Andrés
Poema em Homenagem ao pequeno Hugo Caresto Castro Heufemann,
que cedo atravessou o grande Rio da Vida, transpassou o Espelho,
retornou a Casa Celestial do Eterno.
* 19/04/2017 - † 19/05/2020

FONTE BOA - Girassol do Solimões

⁠Neste ano de 2019, para homenagear nossa querida Fonte Boa, ousei viajar pelas estrelas, sob a luz cintilante de sua licença poética, para dedicar, ao benquisto povo fonteboense - verdadeiros construtores sociais desse chão - um conto (embrulhado para presente) que conta, de forma diferente, um pouquinho de nossa história, vejamos:
Ao raiar do mês de março, quando as águas silenciosas dos igapós costumam abraçar as flores silvestres, e o inverno amazônico aos poucos vai se dissipando no desfolhar das belas tardes fonteboenses, os tambores festivos dos Yurimáguas, entoando os cantos de Nereida, rainha do Cajaraí, anunciam em uma só voz, a chegada de uma das mais pomposas solenidades municipais: O aniversário da nossa querida Terra de Bons Frutos, lugar que uma antiga senhora costumava carinhosamente chamar de, “Girassol do Solimões”.
Março, regido pelo lírico apito do São Francisco, sob o comando do imemorial “Altino Siqueira Cavalcanti”, é também o mês onde a “História e a Poesia” se unem, para festejar, debaixo da escadaria do antigo porto, o carinho e o amor que dispõe por esse chão sagrado.
Logo os rumores se espalham, e ao cai da noite, na Praça de Maria, praça do povo, à festa foi mais uma vez saudada. Agora sob as estrelas e fogos reluzentes de aplausos. Entre um momento e outro, sempre que o último astro celestial se calava, o silencio era rompido pelos murmúrios e queixumes dos sóis flamejantes das madrugadas, anunciando (para jamais esquecermos) que o amanhã novamente florescerá, e nele, a luta, a fé e a esperança se renovarão.
Durante toda essa semana, o banzeiro dourado das velhas cantigas de roda, aos gritos da passarada, apresentou aos convidados, a noticia de que o dia 31 de março, data “oficial” do aniversário da cidade, é simplesmente simbólica, pois está centrada na efeméride de sua ascensão a categoria de Cidade, ocorrida há 81 anos, em razão do Decreto-Lei nº 68 de 31 de março de 1938.
De igual feita, no alto do barranco (daquele barranco que um dia guardou a velha cidade que ora dormita no fundo do rio), ouviu-se o badalar do antigo Sino da velha Matriz. E quando o povo surgiu em multidão, um velho seringueiro começou a bradar ... "senhoras e senhores, prestem atenção; o vento mandou anunciar a todos, que a emancipação política de nosso chão decorreu por força da Lei nº 92, de 28 de março de 1891".
Dito isso, os meninos que brincam em vultuosos gritos na ilharga onde um dia foi a Praça Vargas, correram para se juntar a plateia. Lá, se instruíram que, há 128 anos, tal feito foi o responsável por elevar a Freguesia de Fonte Boa à condição de Vila. ... E assim continuou o orador, a traduzir o que falava o velho Sino: “... antes de tudo isso ocorrer, não podemos esquecer que a moradora mais ilustre de nossa terra, a Guadalupe, trazida na canoa dos primitivos Carmelitas, já habitava este chão feito roseiral bendito”.
Algumas horas depois, uma estrondosa voz - que todos juraram ser o encantado Mapinguari, surgiu lá do centro das matas, bradando: “Dizem nossos ancestrais que no debulhar dessa vasta história, antes de tudo isso ocorrer, houve por aqui um padre chamado Fritz que estava a serviço de uma senhora espanhola. Muitos de nossos ancestrais também conclamaram ter sido ele o responsável por cravar no seio dos guerreiros Yurimáguas, uma cruz dolorosa que até os dias hoje dizem ser o esteio da fundação do "primitivo núcleo do povoamento" dessa linda cidade”.
De repente, do alto de uma Castanheira, ouviram-se os gritos dos bugios, cuja sabedoria popular, assim traduziu: "Não podemos, jamais esquecer, que isso ocorreu há 330 anos, quando ele aqui aportou em uma pequena canoa, lá para as bandas idos memoriais de 1689...
Teve gente que duvidou. Então mandaram chamar um pajé, que incorporou o espírito de uma sábia Ariramba, que assim falou: “... Eu o juro, pois é verdade. No passado remoto, quando aqui vivi e me chamava Mativa, pude testemunhar tudo isto".
E, assim, durante muitos dias continuou os festejos...
E para celebrarmos FONTE BOA, nossa singela flor-d'água, (quer seja, seus 330 ANOS DE HISTÓRIA, 128 de emancipação política, ou seus 81 anos de ascensão à categoria de Cidade), trazemos aqui, em humilde dedicatória, um velho fragmento de poema, fruto da saudade e do carinho que exprime o sentimento de todas as vozes inquietas daqueles que amam de paixão essa terra querida...
EXALTAÇÃO A FONTE BOA
Hoje não cantarei saudade
Nem pintarei de estrelas
O teu passado adormecido!
Hoje, o verbo do meu grito
Vibra o desejo - além do infinito -
De te ofertar Flores Amarelas!
...E saudando tuas primaveras
Neste teu mais que tricentenário,
Eu que te louvo e te amo tanto
Também te oferto o puro manto
De um sentimento sacrossanto
Como presente de aniversário.
* Eylan Lins, é professor, e um apaixonado por Fonte Boa...