Esmeralda Ferreira Ribeiro

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Há frio no meu coração

Sinto revolta e desespero.
Tudo abomino.
Feriu-me o despeito,
mordeu-me o ódio,
e a indignação
encheu-me o peito;
o tédio veio
e visitou-me.
Tão bem se achou,
trouxe o amargor,
a náusea,
a depressão,
e se instalou.
Forças não tinha
duma paixão.
Tudo eram brechas;
e o frio entrou-me
no coração...

Há silêncios que falam; e há silêncios que gritam. Não se calem essas vozes; não se abafem esses gritos. E que os ouça quem for capaz...

Confidência

Sinto o amargor
dos dias vividos;
o frio das noites,
a náusea do tempo...

Tenho na alma a saudade
dos longes, das distâncias.
Do amor que não conheci,
da juventude que não tive...

Carrego em mim
o peso das renúncias,
a angústia das incertezas,
a nostalgia das estrelas,
as ilusões dos dias...

Só conto
co'a esp'rança que não tenho,
co'o amor que não conheço,
co'o Destino que ignoro.

Força de viver e força de amar

Grita ao mundo
a tua alegria,
a tua generosidade,
a tua disponibilidade,
a tua força de amar.
E daí,
a tua confiança,
a tua esperança,
a tua disposição de lutar.

Diz-lhe
que vale a pena viver,
que a grandeza está no ser,
e é preciso acreditar
que a vida é causa maior.
E assim,
o efémero vai passar,
mas o que fizeres de perene
jamais se pode perder,
é autêntico valor.

Entre a cidade e o mar

Da minha cidade ao mar,
vai a orla pitoresca
do grande Pinhal do Rei;
onde o verde do horizonte
geometricamente é cortado
por estradas e aceiros
de 'stratégico traçado.
Tem aromas de gostar:
cheira a sal e camarinhas,
a resina ou a medronhos;
cheira a madeira também.
A água brota nas fontes
e um ribeiro tranquilo
deslisa, calmo, para o mar.
Enquanto nos parques de merendas
há convívio e há lazer.
E na hora do crepúsculo
a luz coada desenha
figuras de sombra, irreais...

Limites

Sorve a vida,
inebria-te com ela,
vive-a
e respeita-a.
E se ela te embriaga,
bebe o cheiro da terra
e não esqueças
os teus limites.
Mas lembra-te:
sobriedade é precisa
em muitas curvas
da vida.

Insaciedade

A alma doía-me...
E o peito,
dilatado,
lacerado,
esvanecera.
A mente,
audaciosa,
pertinaz,
em fuga louca,
desvairada,
sedenta,
corria, corria, corria...
0 coração,
esse, chorava.
E eu...
estava absorta,
delirante,
extasiada,
vencida...
Foi então que quis vencer;
e a lutar,
gestos convulsos,
ossos rangentes,
o meu castelo transpus.
Corri, corri,
voei,
aspirei,
sorvi quanta vida encontrei.
Tinha ânsia,
ânsia de mais vida!
Cores, odores e sons,
formas e movimentos,
tudo,
tudo devorei.
Pedi a graça às flores
e a sua beleza cantei.
Hauri o cheiro plúmbeo
do terrunho nas lavradas;
e nos bosques,
a folhagem ondulante,
esmeraldina,
me embalou.
Aos mares
pedi a vastidão,
às ondas
a violência,
às brisas
a suavidade.
Às distâncias,
um longo beijo atirei...
Às aves
pedi o canto
e a música
e a alegria;
e aos homens...
mundos de amor,
abismos de fé,
complementos de humanidade.
Tudo vi,
tudo amei,
de tudo apeteci.
Creio, mesmo,
com paixão
de tudo me enamorei.
E com a mesma dor,
ou maior ânsia,
voltei.
O coração inda chorava,
e os olhos choravam,
e a alma chorava
e sofria.
Fiz apelo à razão...
Mas, ai, dói-me a alma
Quanto me dói o coração!...

Abril / 1962

Ousadia. Por hipótese...

Se tens um objectivo na vida,
- natural e positivo é tê-lo -
de uma forma reflectida,
mas sim, também decidida,
ao melhor de ti faz apelo.
- Estás numa encruzilhada
e tens de optar, nos caminhos?
Pondera onde vão dar,
pois o piso e a distância
podem não ter relevância
na decisão a tomar.
E se inda assim te parece
que é preciso arriscar,
pondera o risco possível,
leva só o imprescindível,
vai a rota confirmar.
Mas arrisca; e vai partir
disponível p'ra o evento
de teres de a corrigir.
É que, bem que possa redimir
a busca sincera, empenhada,
se tu partes atrasado,
podes, ao querer prosseguir,
ter o teu tempo esgotado.

Balanço

Quanto tu me tens levado,
ânsia estranha,
gosto afim!
Dia a dia, hora a hora,
tu me ocupas
e conduzes
a cuidar tão só de ti.

Pobre sou p'ra te adornar
como inspiras
ao meu peito.

Dou-te daquilo que eu tenho:
tempo raro,
uma carícia,
muito amor
e pouco jeito.

Pego a pena p'ra ceder
à tua voz, cedendo a mim.
Mas com pena
apenas ouso
me amparar
ao que senti.

E no fim de contas feitas
de tudo quanto perdi,
- és tu que tanto me deves,
ou sou eu que te devo a ti?

Indizível reduto

Quero falar, mas não sei:
- tenho tanto p'ra dizer...
E cá fico, sem falar
e esse tanto a crescer...

Não falarei, pois não posso:
- é já longo o a dizer...
E então sofro, no silêncio,
desespero de inconter...

Quero falar, e não quero:
- já não posso mais conter...
0 que guardo é infinito
nunca o eu poderei dizer...

Que me resta, no silêncio
deste infindo adolescer?...
- Pois viver assim não posso,
bem junta a MIM, eu morrer...