ELOÁ FLORES
Falhamos... (por Eloá Flores) 14 de abril de 2012
Sempre ouvi dizer que a Educação é capaz de transformar as pessoas e por consequência a sociedade. Acredito nisto, se fosse diferente, deveria mudar de profissão ou seria uma pessoa com um descontentamento constante. Então, acreditando que podemos mudar as pessoas através da aprendizagem, das boas leituras, dos bons exemplos, das ações educativas, dos conselhos, das conversas e orientações às famílias dos alunos, dos encaminhamentos para especialistas em saúde, acredito que a Educação é o melhor caminho para que toda a sociedade se torne melhor.
No cotidiano escolar convivemos com crianças e jovens diferentes em todos os sentidos, há aqueles que têm uma família que se preocupam com eles, há também os que têm famílias completamente despreocupadas com questões básicas como saúde, higiene e alimentação. Por essas diferenças nos cuidados com as crianças, acredito que a ação de transformar pessoas, ampliar conhecimentos e fornecer ferramentas para que essas crianças tenham maiores possibilidades de melhorar sua condição de vida é o papel da escola. Na minha opinião, aos alunos mais carentes de recursos básicos, temos, além de dar todo o conhecimento esperado da escola, e esse conhecimento temos que dar a todos, sem diferenças, mas para esses, temos que dar algo a mais, pois pela experiência da prática, quando as crianças vivem em condições mais vulneráveis são mais tentadas a buscar na rua algo que os complete, que os tire da situação de fraco, de coitado. Esses alunos são então aqueles que correm o maior risco de se desviar para o mundo das drogas, do crime... Voltando então ao raciocínio de que a escola tem possibilidades de mudar as pessoas, transformá-las, a lógica é de que deveríamos investir muito na transformação dos alunos que devido sua condição familiar, sua condição de convívio com maus exemplos, apresentam maior chance de buscar nesses exemplos sua escolha de vida.
Isso não quer dizer que só os pobres, os moradores de bairros carentes e de locais onde o crime e a violência são mais constantes, serão todos pertencentes ao mundo do crime, das drogas ou da violência, mas infelizmente vemos que na prática muitos dos homens do crime tiveram uma infância muito carente e com situações de convivência pouco educativa.
Faço toda essa reflexão, pois há alguns dias soube da morte de um ex-aluno da escola em que trabalho, esse ex-aluno, até 2011 era nosso aluno, nossa criança, mais um entre os aproximadamente 700 alunos que durante o tempo que esteve lá, deveria ter aprendido que a vida do crime não compensava. Mas infelizmente não aprendeu, infelizmente, devido a tantas questões fora da escola, a construção do seu caráter ficou vulnerável às tentações oferecidas pelos traficantes do bairro, infelizmente, esse nosso aluno, até 2011 uma criança na nossa escola, se tornou um homem(menino de apenas 15 anos) temido pelos “homens de bem”, pelas crianças da sociedade, esse menino, que até tão pouco tempo era nosso, se tornou um bandido e foi morto pela polícia na semana passada. Para muitos esse fato pode parecer corriqueiro, para mim não, não consegui deixar de pensar nesse menino desde que soube de sua morte, não consegui deixar de perguntar o que faltou pra ele? O que não fizemos que poderíamos ter feito? Por que a escola não pode ser tão tentadora para ele como foram os maus exemplos? Por que as leituras de histórias infantis, de histórias bonitas não ficaram na sua mente? Por que os conselhos das professoras com quem ele conviveu por vários anos não surtiram efeito no seu caráter? Por que não conseguimos transformar sua história de vida que já havia sido profetizada pela sua condição de vulnerabilidade em que viveu pelos poucos anos de vida que teve?
Quero continuar acreditando no poder da educação, no poder da escola, no poder dos professores, quero continuar acreditando que conseguimos sim mudar o destino traçado pela condição de miséria, pela falta de carinho, pela falta de princípios, pela falta de possibilidades de melhores escolhas, pela falta de opções de lazer, pela falta de bons amigos. Quero acreditar que a escola tem esse poder! Quero que a escola seja uma tentação boa aos meninos e meninas que passam por ela... Mas a escola não faz tudo sozinha. Não faltou carinho na escola para esse menino, não faltaram estímulos a ele, não faltaram professores dedicados, mas faltou alguma coisa na vida dele... algo que ele encontrou na rua, com pessoas más, ou com pessoas que também foram meninos numa escola, que também foram crianças que gostavam de brincar, de rir, de ler, de ouvir histórias. Precisamos mudar, toda a sociedade precisa mudar, precisamos dar mais aos meninos e meninas. Os bairros mais carentes precisam de mais opções de lazer, de cultura, precisamos de mais espaços que ocupem esses meninos quando não estão na escola, pois só a escola não dá conta se salva-los desse mundo ruim que existe. Só a escola não consegue lutar contra tanta carência, contra tanta violência, contra um mundo tão errado.
Quero muito, muito mesmo acreditar que esse menino teria ido para esse caminho torto se ele tivesse tido mais oportunidades de boas convivências, de bom divertimento, de boas conversas, de bons momentos, pois assim não me sentiria corresponsável pelo destino que ele teve. Mas não acredito, acredito que erramos, errou a família, errou a escola, errou o poder público que não investe na periferia, errou toda a sociedade que cria constantemente novos bandidos, novos traficantes, novos ladrões. Hoje, para muitos o menino é um bandido a menos... Para mim ele é um menino a menos, um menino que viveu 15 anos apenas e que morreu. Deixou pra gente lá na escola fotos de seu sorriso, fotos de suas participações em atividades alegres, e deixou também a leve sensação de que falhamos... todos nós falhamos, e infelizmente continuaremos falhando, pois parece que quem tem o poder para mudar essa situação não quer, não faz nada. Se investirmos mais na escola, investiremos menos em combater criminosos pois eles serão em quantidade bem menor.
Queria aqui poder me despedir do “menino” com a certeza de essa seria a última vez que me despediria de um ex-aluno morto pelo crime, mas não acredito que essa será minha última experiência com um fato desses, com muito pesar não acredito nisso, tenho ainda alguns anos como educadora e sei que as coisas não estão a caminho de uma mudança tão grande na sociedade a ponto de me dar a certeza de que outros meninos não perderão suas vidas assim tão jovens, tão pequenos, tão nosso...
Especialmente para Ellen Flores, Patricia Ferreira Fourniol, e Edu Paumgartten, e como não poderia deixar de ser, devido ao grande número de momentos felizes que vivemos juntas, Cibele Cristianini:
MOMENTOS ... (Por Eloá Flores)
Dizem que a felicidade não existe, o que existe são momentos felizes. Bom, nunca concordei muito com isso, e acho até um tanto clichê... mas como também não sei o que dizer a respeito da felicidade plena, acabo então curtindo e valorizando os momentos felizes.
Alguns momentos são tão especiais, tão simplesmente especiais, que realmente nos deixam felizes, assim feliz daquele jeito que você esquece coisas que te incomodam, que você esquece o que te preocupa, na verdade você esquece que dia ou que hora é naquele exato momento, e não há nesses momentos nenhuma reflexão do tipo ... Nossa que momento feliz ... Não, o momento simplesmente acontece e você vive, mais tarde porém pensa ... Nossa que coisa bacana ... Que momento importante pra mim ... Ai que saudade ...
Tenho muitos momentos desses na minha memória, ou no meu coração, sei lá.
Acho que esses momentos podem ser aqueles que estamos com as pessoas que gostam da gente, com a família, com os filhos ou sozinhos, por que não? Momentos em que estamos a toa sem pensar ou fazer nada de muito importante, momentos em que pessoas com bom humor se encontram, dão risadas, falam besteiras, comentam sobre algo engraçado, fazem amigos novos, mesmo que seja só de brincadeira, momentos com a pessoa amada, esses são especialmente felizes quando tudo ta certo, quando um respeita o outro, curte o outro, ri com o outro. Acho também que esses momentos podem ser em casa, na rua, no trabalho, numa viagem, num encontro casual ... O que é bacana mesmo é que temos esses momentos mais do que acreditamos, o que falta talvez para a maioria de nós, é prestar atenção nesses momentos, é valorizar as pessoas que estão ao nosso lado mesmo que seja por pouco tempo, acho que falta também um olhar mais simples do que é a felicidade, um olhar desses que nos mostre a direção de boas pessoas, de coisas engraçadas, de lugares agradáveis.
Gosto de ter esse olhar pra vida, gosto de rir a toa, de tirar o sarro de mim mesma as vezes, gosto de observar as pessoas e tentar descobrir de onde é, o que está fazendo ali, por que está sozinha, gosto de perguntar os nomes das pessoas, e caso não possa fazer a pergunta, gosto de inventar nomes, gosto também de dançar na rua, conversar com pessoas desconhecidas e divertidas, até com argentinos (ou pseudo argentinos) posso conversar. Gosto de cantar interpretando as músicas com coreografias sem sentido (especialmente para Cibele Cristianini), gosto de fingir que já fui pessoas importantes para a história do mundo ... Gosto de cantar, mesmo não cantando bem, e mesmo que as músicas sejam internacionais e que eu não consiga entender nenhuma palavra da música, gosto de canta-las mesmo assim O bom mesmo é ficar sensível para os momentos felizes, o bom mesmo é deixar a sensibilidade aflorar ...
Mas ... o melhor de tudo é que existem pessoas que gostam de tudo isso também, e o bom mesmo é que encontramos essas pessoas pela vida, as vezes até meio sem querer, encontramos pessoas que gostam de coisas simples e que quando se juntam criam momentos felizes, simplesmente felizes, daqueles que esquecemos os problemas, as preocupações, as coisas meio chatas do dia a dia. E como são momentos felizes, simplesmente rimos.