Ellen Santi
Os cortes não são o problema, eles são apenas o resultado dos meus problemas, que estão no meu coração, na minha alma, e não no meu braço ou no meu corpo.
Mas amanhã, as feridas cicatrizam, e tornam-se apenas marcas e lembranças de um passado tão presente.
Hoje acordei cansada. Mas não como nos outros dias em que acordava cansada por pura preguiça ou simplesmente por ter dormido pouco. Acordei cansada de querer tanto e não fazer nada. De reclamar muito e não buscar soluções. De fugir ao invés de correr atrás. Cansada de ter a procrastinação como a palavra que resume minha vida. De só ver como os momentos podem ser bons depois que eles passam. Acordei cansada de só viver minha vida em sonhos.
Estive pensando no que posso fazer para mudar as coisas, mas como sempre, apenas penso. Por que é tão difícil colocar todas as minhas ideias no dia a dia? Por que é tão difícil tirá-las do papel e executá-las?
Meu maior desejo é aprender a me apaixonar pela vida, aprender a apreciá-la de todo coração, vive-la. Já passei tantos dias, meses, anos deprimida a ponto de só querer mergulhar no sofrimento, mas não é o que almejo para o futuro. Futuro. Penso tanto sobre o que será daqui um tempo, mas quando lembro que tudo o que acontecerá adiante será simplesmente as consequências das minhas escolhas de agora, fico com medo. Com medo de não estar fazendo o certo. Com medo de que toda essa magia que vejo no que vai ser depois não seja muito diferente do que já agora. Medo de que seja ainda pior que a realidade que estou vivendo no momento.
Enfim estou indo dormir... cansada. Cansada por ter tido a chance de sair com meus amigos, de jogar papo fora, de tomar sorvete, de tirar fotos, de aproveitar mais um dia e apenas ter ficado no meu quarto, reclamando, pensando e escrevendo sobre o quanto estou cansada.
São 7:15 da manhã. Estou sentada na cozinha com uma caneta e papel na mão. Estou olhando para fora da janela e vejo que é incrível como em alguns dias parece que tudo simplesmente quer falar com você. Você ignora, mas não o consegue por muito tempo. O céu de um azul claro com algumas nuvens te chama. Ele sussurra. Ele grita. Ele quer sua atenção. E quando a tem, está pronto para mostrar o sol. Está pronto prá te espantar com as maravilhas que existem. Observo tudo por alguns segundos e após um longo suspiro consigo sentir. Eu consigo sentir. A questão não é o que eu sinto em si, mas o simples e magnífico fato de sentir. Com leveza. Com serenidade.
Ainda não me olhei no espelho. Provavelmente estou com olheiras horríveis devido ao fato de que passei a madrugada acordada vendo filmes e conversando com amigos. Estou terrivelmente cansada, mas algo dentro de mim parece tão vivo, tão novo, tão revigorado. E a cada olhada que dou para fora da janela, para o dia, para a vida, sinto algo despertar dentro de mim. Mais uma vez. Cada vez mais. Posso chamar de amor, talvez. Posso chamar de paz. Mas eu não quero me prender a tentar explicar tal sentimento. Quero me prender a suavidade que me traz senti-lo. Me prender à vida. Ao sentir-me viva.
Meu irmão está brincando ao meu lado e minha gatinha está bagunçando toda a casa. Eu me levanto e começo a preparar um café. Enquanto a água está esquentando, eu já estou agarrada à reminiscências antigas. Então vejo uma garota. Uma garota que passou grande parte de sua vida com um sentimento sem conseguir o colocar para fora. Ela está angustiada. Sente que quer gritar, mas ao mesmo tempo, se vê estrangulando a si para não falar nada. Eu sei como ela se sente. Sei como é quando ela tenta contemplar a vida ao máximo e, ainda sim, parece que não está admirando tudo. Eu sei tudo isso, porque ela sou eu. E eu não me culpo por ainda pensar constantemente nas piores fases que já tive. Eu quero dizer adeus, mas sei que, no fundo, são essas memórias que fazem eu me sentir viva. Meu coração ainda bate porque já esteve prestes a parar. Eu não espero que você entenda o que estou tentando explicar, mas é que eu passo tanto tempo navegando nas profundezas de mim buscando por respostas e em dias como esse, me sinto tão bem por serem realmente apenas memórias. Me sinto tão bem por já ter mudado tanto minha visão sobre as coisas. Me sinto bem por lembrar que minha vida também é tecida de sentimentos bons com longas camadas de sonhos.
Estou com uma xícara de café quentinha aqui do meu lado. Está saindo aquela fumacinha que causa alegria em ver. E enquanto isso, eu fico pensando em como a vida pode ser doce quando você decide olhar para o céu e apreciá-lo. Pensando no quanto ela sorri para mim. Todos os dias. E quantas vezes eu realmente consigo retribuir esse sorriso?
Às vezes as pessoas só querem ficar sozinhas. Sem ninguém para tentar animá-las ou para piorar a sua situação. Sozinhas, apenas isso. É pedir demais? Só por que alguém disse que não queria sair no final de semana não significa que despreze sua companhia ou que esteja deprimida. Talvez só precise que um tempo para ela. Ela e ela com seus pensamentos.
Eu sei que todos falam que quando se está mal ou confuso é bom ficar com as pessoas, mas e quando isso só faz tudo se agravar? Você se obriga a conversar e dar aquele sorriso inteiramente falso enquanto se sente completamente deslocado e isso vai se repetindo várias e várias vezes, até que você tenha a oportunidade de enfim, parar. Parar.
Claro que bons amigos muitas vezes ajudam e são o remédio perfeito, mas talvez não seja o necessário no momento. Às vezes um bom livro e uma boa música fazem melhor que muitos conselhos. O que eu quero dizer é que não adianta várias pessoas tentarem ajudar quando tudo que você precisa é de você mesma. Você tem que ser sua melhor companhia primeiro. Como pode aturar as outras pessoas enquanto não consegue lidar nem consigo própio? E pode demorar. As coisas não mudam tão rapidamente como num passe de mágica. Pode demorar dias, semanas, talvez até alguns meses. Mas no momento em que você tiver entendido o que anda acontecendo, aí sim, poderá voltar à antiga rotina.
Apenas lembre-se de que a pressão pode fazer tudo demorar ainda mais. Dizer para a pessoa que ela está diferente, que precisa mudar e que não pode continuar assim só fazem com que o sentimento de repulsa ao olhar para dentro e fora de si aumente ainda mais. Fazem-na sentir-se culpada por algo que nem consegue controlar. Às vezes sair não é a solução. Às vezes entrar é o melhor a se fazer. Entrar dentro de si, examinar as coisas e tentar resolver os problemas. Depois, por favor, vamos beber alguma coisa e passar um tempo juntos por que já está tudo bem por aqui.
Isso. Faz isso de novo. Se entrega à dor. Deixa a angústia fazer morada. Desiste de uma vez e depois deixa o remorso te perseguir. Deixa o arrependimento ser tua companhia. Cometa os mesmos erros, vai logo, depois reclama por não ter lutado. Se tranca no quarto. Chora, grita, se esparrama no chão. Vai, vai, acaba logo com isso. Já não tem mais jeito, diz que não se importa e ri enquanto as lágrimas cortam por dentro. Diz que não aguenta mais, se isola, mata seus amigos no que você chama de coração e então terá motivos para dizer que está sozinha. Faz isso, deixa a tua vida se transformar em um pesadelo. Deixa a fraqueza dominar. Tenha tentativas frustradas de ser perfeita e desperdice o seu tempo focando em teus defeitos. Faça as malas, fuja da realidade. Se transforme em seu pior inimigo. Tenha medo de tudo, especialmente da pessoa que vê no espelho. Faz isso, faz... E então diga que a culpa é sua. Talvez não esteja enganada.
Enquanto ouço algumas músicas, fico pensando nas pessoas que já passaram pela minha vida. Nas amizades que já tive e que, depois de um tempo, nem parecia que já havia existido algum laço importante. Mas também têm aquelas que já fazem parte de mim há tanto tempo e ainda continuam vivas no meu coração.
Minhas amizades conseguem fazer uma beleza tão grande acender dentro de mim. Não me refiro àquelas fugazes que acabam esvaindo-se com o tempo. Falo daquelas que são verdadeiras. Aquelas que você sabe que não importa quanto tempo passe longe da pessoa, poucos minutos são o bastante para que toda a intimidade volte ser a mesma. Aquelas que você conhece os piores defeitos, as manias mais irritantes, mas seu amor consegue ser ainda maior que qualquer uma dessas coisas. Aquelas que você é capaz de chorar de saudades estando poucos dias longe. Aquelas que você nem consegue imaginar sua vida sem.
Está chovendo. Amo o barulho da chuva. Amo o cheiro dela. O cheiro que ela tem quando entra em contato com a terra. A chuva pode vir como algo bom ou como algo ruim. O que importa é a intensidade com que ela vem e o tempo que ela dura. Penso nisso como uma metáfora para as pessoas. Existem aquelas que vem calmas e tranquilas, porém não duram muito tempo. Tem as que vem da mesma forma, mas perduram por anos. Há também aquelas que vêm fortes e marcantes, mas que se vão rapidamente. E por último, tem as que vem intensas e assim permanecem por toda uma vida. Essas são as mais raras e as que mais nos lavam a alma com alegria. Gosto da ideia de que, com certo esforço e com a magia da minha própia essência, posso ser uma dessas pessoas na vida de alguém.
O que eu não entendo é como o ser humano pode viver sem amizades. Eu sei que existem pessoas que por mais que queiram, não conseguem achar alguém que as compreendam e as amem, mas também sei que existem aquelas que não permitem que as pessoas entrem em suas vidas dessa maneira. Pessoas que negam qualquer emoção relacionada à outras pessoas e que se adaptam a um estilo de vida tão medíocre. Já imaginou sua vida sem aquelas risadas compartilhadas e multiplicadas enquanto andavam pelas ruas para passar o tempo? Sem aquele abraço acolhedor enquanto você derramava lágrimas e não conseguia entender porque algumas coisas tinham que acontecer? Sem aquela companhia que transforma qualquer filme de terror em comédia? Sem aquela pessoa que faz a sua vida ter um significado maior? São elas que fazem a sua vida ser uma obra de arte.
Enquanto se arrumava para ir à escola, fez questão de pôr seu melhor acessório: um grande e sincero sorriso. Foi se direcionando à porta e ao abrí-la sentiu um suave frescor em seu rosto. Conforme o vento se intensificava e bagunçava seus cabelos, seus olhos se enchiam de brilho ao admirarem o que havia ao seu redor. Não era nada atrativo, mas, sim, coisas simples que capturavam sua atenção. Era primavera e as flores florescendo faziam ela pensar em sua vida. Em quem era e em quem estava se transformando. Estava finalmente conhecendo a si mesma e conseguindo enxergar as mais belas flores florescendo dentro de si.
Tentando tirar de sua cabeça da prova de matemática que teria na mesma manhã, se prendia ao que via e em tudo que aquilo significava para ela. Ela via pássaros voando e isso a fazia sentir uma enorme leveza por, enfim, estar tirando os pés do chão e deixando libertar-se. Ah, e aquelas coloridas borboletas voando em diversas direções que eram seguidas pelo seu olhar encantado? Antes de terem as cores mais vivas, se rastejavam e tinham uma aparência nada agradável. Isso a fazia refletir sobre todos os momentos angustiantes que viveu e sobre como eles faziam parte de sua própia fase de lagarta.
Tudo parecia cenário perfeito para fotografias. Aliás, que fotografias ficariam registradas em seu álbum de momentos? Que retratos contariam a sua história? Caminhando pelas ruas e calçadas, era possível notar como algumas eram sujas e descuidados, enquanto outras eram totalmente diferentes. Essas calçadas a faziam recordar das pessoas que passaram pela sua vida e dos inúmeros sentimentos que as mesmas despertaram nela.
Já chegando ao portão da escola, achando que nada mais encontraria que aguçasse seus sentidos e imaginação, se deparou com uma enorme árvore. Uma linda árvore. E com o seu olhar fixo na mesma, ela conseguiu sentir uma sensação maravilhosa que lhe causava ansiedade. A sensação de estar crescendo. E o que faria depois? Daria belos e deliciosos frutos ou secaria com o tempo? Conforme entrava na escola e examinava todos aqueles alunos conversando uns com os outros, provavelmente sobre os assuntos mais fúteis possíveis, enquanto pensava sobre como eles se preocupavam tanto com suas festas de fins de semana e na parceria para pagar uma bebida enquanto a amizade era simplesmente uma palavra esquecida dentro de um dicionário, ela dizia a si mesma para não deixar as suas folhas caírem, para regar suas pequenas sementes. Afinal, sonhos sempre parecem pequenos no início.
A maioria dos loucos dizem que gostariam de ser normais, mas eu acho que é a loucura que torna a vida mais bonita. Sempre precisamos de um pouquinho dela em nossas decisões e atitutes.
Os dias passam e eu ainda não sei ao certo o que estou fazendo da minha vida. Tudo parece tão claro por um instante, mas então logo tudo volta a ser confuso novamente. Faz tanto tempo que quero escrever algo. Penso nas coisas que gostaria de colocar para fora, mas quando tento escrevê-las, tudo se mistura e se perde e por fim, não sai nada além de besteiras. Não me faltam ideias na mente, o problema é que não sei como organizá-las.
As coisas estão boas dentro de mim. Não estão tumultuadas como normalmente. Talvez o motivo seja o fato de que estou evitando o máximo de contato com as pessoas. Posso usar a desculpa de que estou doente - o que é verdade. Mas a melhor parte de se estar passando um tempo sozinho, é quando isso é uma decisão totalmente sua. Antigamente, eu fazia isso também, mas era porque eu precisava. Era a forma que eu havia encontrado para proteger meus sentimentos. Eu costumava me trancar dentro de mim e as pessoas nem davam importância à isso, mas quando me trancava em meu quarto e não saía nem para ir ao supermercado, elas começaram a se preocupar. É ridículo. O primeiro me faz mal de verdade, o segundo é só uma consequência do primeiro.
Às vezes não sei se tenho motivos reais para ficar triste. Momentos ruins todos temos, mas e quantos momentos bons tenho e ainda terei que ultrapassam essas pequenas aflições? A questão é que a tristeza pega mais forte. Te joga no chão, te bate, te espanca, faz você ficar roxo e sangrando e quando você pensa que finalmente está curando, você nota que, na verdade, as feridas ainda estão abertas. Sempre estiveram. Elas estavam apenas esperando, dando uma folga. E em um momento ela te puxa tão forte, pior do que da primeira vez e assim sucessivamente. Mas ultimamente eu tenho tido a esperança de que pode ser diferente. De que eu posso fazer ser de outra forma. Eu achava que a angústia era uma boa companhia, aliás, era meu principal motivador para escrever, mas então aprendi a fazer isso sem precisar dela. Me sinto bem com isso. Eu espero que esse ano eu possa passar pelos altos e baixos da montanha russa emocional da vida sem perder o foco. Sem parar. Quero aproveitar essa viagem única, dar valor à ela. Talvez não seja uma viagem tão emocionante, mas é a minha viagem. É o que eu tenho.