Elizeth Cunha Valle
HOJE
Tenho experimentado uma saudade doída,
De um tempo que agora, de longe avistado
Me parecia feliz, tão cheio de vida,
Mas, outrora, era só um pedaço do passado.
A lua parecia mais cheia, o céu mais pomposo,
O sol me acalentava, luminoso.
Tanto cheiro, tanto sabor, tanta energia.
Existir era uma aventura, uma alegoria.
Ainda amo a mesma lua exuberante,
Mas ela, agora, me parece uma visitante passageira,
Um dia cheia, outra já minguante,
Não é mais aquela esperada companheira.
Pela vida, ainda sou agradecida,
Mas uma gratidão educada, sem paixão,
Um “tanto faz” existencial, uma exaustão.
Uma visão desfocada, descolorida.
De um lado, um passado expectante,
No meio, um presente entediante,
E o futuro, este amigo derradeiro?
Ah, não se sabe o paradeiro.
Mas aí, chega um novo amanhecer,
A chuva se foi, o sol surgiu faceiro,
O presente, rebelde, se impõe, lisonjeiro.
“Estou aqui”, ele parece dizer.
Então, me curvo a ele, este presente onde moro,
Deixo o passado pra lá, na memória,
O futuro, este desconhecido, ignoro.
E percebo a verdade da minha e de cada história.
O presente é o verdadeiro PRESENTE a agradecer,
É o que nos faz andar pra frente,
Todos os dias, do amanhecer ao anoitecer.
Amanhã pode até ser diferente, mas cada HOJE é que é da gente.
(Elizeth Cunha Valle)
HOJE
Só por hoje vou buscar ser mais feliz,
Aguçar todos os cinco ou até seis sentidos,
Precupar-me só com o que me condiz,
Esquecer-me das dores, de todos os medos vividos.
Só por hoje vou minimizar o passado,
Dar mais valor ao presente que é o presente.
Esquecer-me de um futuro tão idealizado,
Ficar assim, leve, contente simplesmente.
Só por hoje vou vivenciar com afeto o inverno,
Sem reclamar pela mudança de estação.
Apreciar cada minuto como se fosse eterno,
Vivenciar mais o sim do que o irascível não.
Só por hoje vou deixar as portas abertas,
Escancarar minh'alma com coragem,
Abandonar minhas verdades como certas,
Acreditar possível uma nova viagem.
Só por hoje, experimentar uma alegria pura,
Sem remorsos ou ressentimentos.
Crer que a felicidade nos cura,
Separando a lógica dos sentimentos.
Só por hoje vou deixar a vida fluir
Como água que corre suavemente.
Soltar as amarras do medo de seguir,
Como se o agora fosse o eternamente.
Só por hoje vou finalmente entender
Que o ontem já foi o hoje,
Que o amanhã se transmudará em hoje.
É fato, então, que só existe o hoje pra viver.
(Elizeth Cunha Calle)
RENASCER
É preciso reviver, renascer
A cada dia que despertamos
Para um novo amanhecer.
Agradecer só porque aqui estamos.
Abrir os olhos como se fosse a primeira vez,
Inebriar-se com tanta beleza!
Sentir o cheiro da vida, sem muita certeza,
Acreditar que basta um quem sabe, um talvez.
Usar a noite, o sono bendito,
Quase como uma gestação,
Esquecendo o que já foi dito
Agradecendo esta nova parição.
Buscar coisas novas, um novo movimento,
Sabendo que o dia inteiro lhe espera,
Como uma promessa, um alento,
De um recomeço, de uma nova era.
Deixar para trás o que lhe fez mal,
Crendo que o bem está à espreita,
Que hoje pode ser o plural
Contra a singularidade desfeita.
Que novos sonhos se tracem,
Que o impossível se torne provável,
Que vínculos de afeto se entrelacem,
Que existir se torne louvável.
Porque a vida só tem sentido assim,
Acreditando-se que não tem fim,
Que apenas se encerra o dia,
E cada manhã é de sua autoria.
Escreva uma inédita história,
Nesta página em branco que se descortina,
Trace uma nova trajetória,
Neste caminho que matutina.
Porque o amanhecer é a promessa de um dia,
E o dia é uma vida inteira,
E a vida, mesmo passageira,
Pode ser eterna durante aquele dia.
Então, viva com alegria,
Pois hoje pode ser o único dia!
(Elizeth Cunha Valle)
INSENSATEZ
A imprevisibilidade é o que faz prosseguir
Pra ver o que surgirá da próxima vez,
Com a incerteza do que poderá vir
E com esperança de que seja bom, talvez.
Acordar e ver o dia como um objeto
E não como um singular objetivo.
Que ele, o dia, seja usado como sentido,
Caminhante, não inerte, mas ativo.
Não existir apenas e somente,
Mas coexistir com um destino imprudente,
Se alimentando das horas, dos segundos,
Como passes para vários mundos.
Em subversão total dos sentidos,
Sentir o cheiro do sol bento,
Tocar sutilmente as cores do vento
Sob a visão doce dos frutos colhidos.
Usar todo o corpo e toda a alma,
Para aclamar a existência,
Viver sem pressa, com calma,
Extraindo de si a verdadeira essência.
Abrindo os olhos para uma chance
De estar bem e, quiçá, até ser feliz!
Acreditar que vale a pena dar um lance
E arrematar o prêmio que sempre quis.
E se o lance foi um tanto exorbitante
E o prêmio, nem tão bom assim,
Valeu pela esperança, enfim,
De experimentar um existir pulsante.
Pois a vida é assim, na sua beleza:
Um misto de insensatez e incerteza.
Busco, agora, uma pausa para um alento, uma esperança.
Quero crer que é possível a felicidade, ainda que passageira.
Olho para longe, até onde a vista alcança,
Procuro a alegria p'ra companheira.
Mas tantos montes, infinitas montanhas
Me anuviam a visão,
Criam ilusões, artimanhas,
De que ser feliz não é possível, não.
Mas eu, teimosa e arrogante
Fecho e abro os olhos repetidamente,
Buscando ver ainda mais adiante
Do que permite minha descrente mente.
Tento ver com a alma, esta guardiã,
Tão mais profunda que a mente,
Mas a busca parece ser vã,
Mas não desisto, oh, mente inclemente!
Aí procuro lá, bem no fundo da alma,
Nas lembranças da alegria de outrora,
Aquele sensação de paz, de calma,
Aquela consciência de que pra tudo tem uma hora.
Respiro fundo, ouço com atenção,
O som do vento, o cheiro da noite que chegou,
Tão piedosa, sem nenhum sermão,
Me acolhe assim, me recebe como sou.
Me enveredo por suas entranhas,
Me torno parte dela e, logo cedo,
Me misturo também ao dia, sem barganhas,
É isso, este é o enredo.
Percebo, então, que sou parte, não o todo,
Desta complexa existência.
Mas há beleza sim, sem engodo,
Em pertencer, sem ser toda a essência.
E neste argumento, enxergo finalmente
Que não posso mudar o imutável
Só posso me amoldar a ele, meramente,
Aconchegar-me, fazê-lo aceitável.
Então a esperança poderá renascer da humildade,
Da crença de que para nada servirá a tristeza,
De que, já que cheguei aqui nesta solenidade,
Vou fazer o meu discurso, com certeza.