Eduardo Orlando Holopainen
Sei o que hoje sou sem ter vergonha alguma daquilo que um dia fui. Sei que já errei, julguei e até maltratei aqueles que me deram amor, mas finalmente posso dizer com toda a paz que adquiri com o tempo que realmente eu consegui mudar. Aliás não foi eu, mas a vida que me mudou. Na verdade ela me deu algo que eu jamais pensei que poderia novamente alcançar: Aceitação própria. Tal afirmação pode ser um pequeno progresso para o mundo e para todos aqueles que já sofreram pelo meu passado. Mas sem dúvida alguma é um grande passo para a minha alma. E é isso o que verdadeiramente importa.
Desejo que todo jovem que se encontra perdido na vida possa se encontrar primeiramente no mais profundo do seu Ser; Que todo e qualquer desejo de deixar a vida como uma segunda opção seja substituído pela alegria de contemplar e usufruir das coisas simples; Que a mente humana jamais tenha maior importância do que a alma humana; Que todo cansado um dia adquira conhecimento suficiente para poder encontrar alívio no meio do caos; Que o dom para guerrear não seja maior do que o dom de perdoar; Que o questionamento interior possa ser realizado diariamente como forma de exercitar tanto o intelecto quanto a alma; Que o comodismo seja algo do século passado e que possa ser entendido como algo falho; E que a inovação da vida seja algo divino e pronto para ser desfrutado a todo momento. Desejo que os meus desejos não se percam na poeira do tempo e que as minhas vontades não fiquem somente impregnadas em algumas poucas palavras; Que os meus companheiros deem prosseguimento as minhas metas, não como forma de manter um legado a tudo aquilo que fiz e que fui. Mas sim para manter um legado com o Amor, pois dele nascemos e com ele morreremos. Um dia minha carne não mais será carne, apenas pó. Mas a minha emoção e o meu amor estará com aqueles que conheci ao longo da minha vida. E esse é o maior testamento que posso deixar: O Testamento da Emoção. Nenhum bem pode se sobressair sobre essa relíquia. Nenhum mal pode ser maior do que esse bem. E nenhuma ideia pode ser maior do que o Amor. Pois no final é isso o que importa. Amor. Por isso o meu maior desejo é que todos venham de encontro a ele, pois dele é que proverá a continuidade de tudo aquilo que somos; Dele é que ressurgirá toda a vida – vida esta que não é nenhuma ciência exata. E devemos a todo momento lembrar disso. Devemos amar como se hoje fosse o nosso último dia em vida. Amar como se nada mais importasse. Amar pra nunca deixar de sermos amor. Tudo que eu desejei e desejo em todos esses anos de vida se resume a essa simples palavra: Amor. Tudo o que aprendi foi graças a essa palavra. E quando eu partir será essa a última palavra que dormirá em meus lábios: Amor. Que o mundo não se esqueça desse amor e que a cada dia possam existir mais declarações de amor do que testamentos, pois os testamentos são aqueles desejos que deixamos para quem amamos, e as declarações são as manifestações em vida de todo esse amor. E sabemos que é muito melhor dizermos as coisas em vida do que após ela. Por isso eu desejo acima de tudo que possamos nos encontrar cada vez mais e mais… Até o nosso último encontro… Até o nosso último suspiro de vida… Até o nosso último amor…
A cada dia que passa nos tornamos mais ágeis, observadores, analíticos e inteligentes. Mas o que fazemos com relação a nossa emoção? Será que conseguimos equipará-la junto as nossas evoluções? Somos rápidos na obtenção de dados, na memorização de nomes, números e no cálculo de grandes operações, sejam elas matemáticas ou tantas outras além desta. Mas e quanto ao desenvolvimento da nossa própria emoção? Será que já conseguimos dizer com exatidão qual a quantidade de carinho necessária para termos um pouco mais de atenção daqueles que não conhecemos, que gostaríamos de conhecer ou daqueles que nos cercam? E quanto as pessoas que nos entregam um simples sorriso ao passar por nós diariamente, sejam nas ruas, nos veículos ou nos ambientes que frequentamos, o que elas recebem como resposta de nossas faces? Uma expressão positiva ou uma visível indiferença ou até mesmo algo que aparenta ser ameaçador vindo de nós? Saberíamos dizer quantos estranhos são necessários para que se possa aflorar em nossa alma algo que nos faça refletir realmente? O mundo que vemos vem formando seres humanos capazes de criarem coisas magníficas, tais como os mais incríveis aparelhos ou os mais avançados métodos para melhoria da qualidade de vida, mas se não houver primeiramente antes de qualquer elaboração de algum desses projetos, um cuidado um pouco maior com aquilo que é pensado, feito e principalmente sentido, seremos a própria evolução das máquinas, e assim como elas não teremos qualquer sinal de emoção. Quem desconhece o valor que um outro ser humano pode lhe oferecer se apega rapidamente a toda sua materialidade mas esquece que nem só de bens vive o homem. Aquele que se enche de fortunas e esquece que a maior fortuna que se pode obter é o encontro com a sua própria alma e a vontade inexplicável de se contemplar a vida, pouco a pouco definha em meio aos seus próprios metais. Mas aquele que enche a sua vida não de bens mas sim com o bem, se torna eternamente rico e prospera da alma pra fora. Estamos em constante evolução e isso é inegável. Mas não podemos esquecer que se não levarmos conosco a nossa essência, a essência humana, tal evolução se tornará a extinção da nossa espécie. E sinceramente, seria lamentável ver uma raça que tem tudo para mudar o mundo de forma tão excepcional como já vem sendo feito, ser inutilizada por sua própria falta de conciliação consigo mesma. Diante disso, vamos ser um pouco mais claros: Vamos sim ser ágeis, observadores, analíticos e inteligentes. Mas antes de tudo isso vamos ser um pouco mais sentimentalistas. Vamos dar valor também aquilo que não se pode ver, apenas sentir. Devemos lembrar que o ar é o que nos mantém vivos, e mesmo assim sequer o vemos. E assim como o ar, tudo aquilo que sentimos não pode ser visto, mas é aquilo que nos torna diferente de máquinas como esta na qual você tem acesso a este texto nesse exato momento. Evoluir é fundamental. Mas não mais fundamental do que ter sabedoria suficiente para poder administrar a separação entre possuir bens e transmitir o bem. Se não estivermos prontos para lidar com aquilo que sentimos jamais estaremos prontos para lidar com aquilo que consideramos como melhoria para a nossa própria gente; O nosso próprio povo; A nossa própria raça. Não digo somente a raça humana. Mas sim a raça sentimentalista. A raça que acima de tudo possui dentro de si uma alma. E que dessa alma fará verdadeiramente aquilo que chamo de continuidade da nossa espécie.
Muitos homens desejam a conquista sem saber ao menos o seu verdadeiro significado. Quantos desses mesmos homens já fizeram para si uma simples pergunta: O que seria realmente a vitória?
Para uns a vitória é o triunfo máximo; O ápice do poder. A demonstração suprema de superioridade. Para outros é apenas o rumo determinado por escolhas corretas e estratégias bem elaboradas. Mas para um homem a vitória possui um significado diferente…
Certa vez durante uma viajem que realizei, conheci um rapaz que era apaixonado pela vitória. Esse nome fazia seus olhos brilharem. Mas a sua definição de vitória não era essa que temos geralmente. Vitória para esse rapaz era uma menina que aparentava ter entre seus 14 ou 15 anos. Tinha cabelos negros como a mais linda escuridão, olhos que tinham o dom de analisar a profundidade de qualquer alma e um sorriso que conquistava até a mais triste das pessoas. Isso só puder saber depois um certo tempo… Tempo este no qual foram ínfimos para poder descortinar as páginas da vida de um simples menino cujo sorriso escondia um verdadeiro mar de lágrimas…
Quando cheguei nessa pequena cidade a procura de algumas pessoas para me fornecer informações sobre locais de hospedarias, vi um rapaz sentado do outro lado da rua escrevendo algo apoiado em um pequeno caderno numa espécie de cartão. Quando me dirigi a ele para fazer algumas perguntas, eis que ele correu em minha direção com uma expressão de felicidade que a tempos não via e veio logo me dizendo jovialmente:
- Moço, o senhor pode me dar uma moeda para eu poder conquistar a vitória?
A princípio não entendi o que aquele rapaz estava tentando me explicar. Surpreso o questionei:
- Como assim conquistar a vitória rapaz?
- Moço é que eu sou apaixonado pela vitória. Ela me faz tão bem. Ela me faz sentir vivo! O senhor deveria saber como é ter a vitória em suas mãos…
A cada palavra que aquele rapaz ia me dizendo mais eu tinha como sem nexo as suas argumentações. Começava a achar que aquele jovem era maluco… De súbito mais uma vez o indaguei:
- Que diabo de vitória é essa rapaz? Mostre-me tal conquista que fazem teus olhos brilharem desse jeito! Por acaso encontrastes algum tipo de mina de ouro aqui em sua região?
- Encontrei. Encontrei sim. Encontrei a tempos. Mas eu só queria uma moeda para poder conquistar esse tesouro.
- Rapaz está falando sério mesmo? Se eu lhe desse uma moeda partilharia desse tal tesouro comigo?
-Só se o senhor for capaz de carregá-lo.
Naquele instante, e cego por minha própria ganância, achei estar tendo algum tipo de alucinação e que meus ouvidos traíam a minha razão. Como um rapaz que aparentava ser tão jovem tinha feito uma descoberta que pelas suas palavras parecia ser tão grandiosa? Instintivamente ignorei meus questionamentos e continuei a conversa com o garoto:
- De quanto precisa para me levar até esse tesouro rapaz?
- Acho que apenas duas moedas dá senhor.
- Somente isso?!
- Sim, Sim. Sem dúvida dá sim.
Retirei do bolso as duas moedas e entreguei ao rapaz, que assim que fiz tal gesto me pegou por uma das mãos e me levou consigo dizendo alegremente e pulando de um lado para o outro:
- Muito obrigado moço! Vamos então ver a vitória!
- Vamos lá!
Jamais imaginaria que aquele tesouro mudaria para sempre o rumo que eu levaria o restante da minha vida…
E assim saí sendo carregado por aquele pequenino entre as ruas movimentadas de sua cidade. Não muito longe dali o rapaz parou bruscamente um uma pequena loja de conveniência.
- O senhor espera aqui por favor?
- Claro meu jovem, mas você não vai demorar muito não é?
- Não, só um tantinho rapidinho…
Passaram-se cinco minutos e o rapaz voltou com um imenso buque de rosas vermelhas com um grande laço azul e um bilhete preso as flores que era visível a sua leitura: “Se meus dias são de alegrias, é porque você me trouxe a verdadeira vitória”.
- O que é isso rapaz? São para mim tal presente? Espero que não né?
- Não moço. O presente é pra mostrar pro senhor a vitória.
Seguimos algumas ruas adiante até pararmos de frente a um prédio velho e caindo aos pedaços. O menino havia me falado que lá era onde estava esse grande tesouro. De cara percebi o erro que havia cometido. Esse rapaz é maluco… – pensei comigo mesmo enquanto subia pelos degraus da escada completamente empoeirados e cuja a localização ficava em um prédio onde haviam transformado o único elevador existente em um depósito de lixo. Após intermináveis lances de escada chegamos ao terceiro andar e pude avistar uma porta branca com detalhes em dourado com a inscrição de “Bem-vindo” logo na entrada. O menino tomou a dianteira e abriu a porta. Ao fazer isso adentramos em um quarto completamente fechado, porém aparentemente bem conservado. O menino puxou minha mão e me levou até um dos cômodos e aos poucos tudo foi fazendo sentido para mim… No cômodo havia uma cama com uma linda jovem deitada. Seu rosto era quase pálido mas era possível ver que aquela menina que ali estava possuía algo único, difícil de explicar.
O menino com os olhos marejados de lágrimas começou a me explicar baixinho o motivo de minha estadia naquele cômodo:
- Moço essa é a minha irmã Vitória. Ela está muito doente e o médico deu-lhe somente mais três dias de vida. Hoje é o seu último dia… Ela não tem mais forças para lutar contra a sua doença… E me pediu para comprar essas flores… Ela é tudo que eu tenho e é o meu maior tesouro… Foi ela que me ensinou tudo que eu sei. O senhor consegue carregá-la para mim?
Naquele momento meus olhos encheram-se de lágrimas mas contive a emoção diante do menino e tentei ser o mais amável possível.
- Aonde gostaria de acomodá-la rapaz?
- Gostaria de levá-la para ver o pôr do sol. O senhor pode me ajudar?
Não havia como recusar aquele pedido. Nada tinha eu a ver com aquelas duas crianças. Nada tinha eu a ver com as suas história de vida. Mas as vezes realizamos coisas sem saber o motivo e quando as concretizamos nos sentimos submersos em uma emoção inexplicável. É algo verdadeiramente surreal…. E foi isso o que aconteceu. O surrealismo tomou conta do meu ser.
Levei a menina em meus braços, que as vezes abria os olhinhos, mas que tinha uma expressão um pouco sofrida, distante e cansada demais para desejar falar algo. Ao ser guiado pelo menino sobre o local onde gostaria de ver o pôr do sol com Vitória, me deparo com um jardim lindo e uma árvore que tinha vista para um pequeno lago. E foi ali que recostei a menina. Vendo-a ali sentada naquela árvore com seu irmão ao lado pensei em seu nome e no significado que ele continha… Vitória… O menino com lágrimas nos olhos apertou meu dedo e agradeceu profundamente. Eu fiquei ali com os dois admirando a beleza de um pôr do sol que seria inesquecível em nossas vidas. Principalmente na vida da pequena Vitória. O sol foi se pondo e com ele as poucas energias existentes da pequena garota. Aos poucos seus olhinhos foram se tornando cada vez mais pesados e finalmente ela dormiu. Dormiu para um sono que jamais voltaria a acordar…
Muitos homens desejam a conquista sem saber ao menos o seu verdadeiro significado. Quantos desses mesmos homens já fizeram para si uma simples pergunta: O que seria realmente a vitória?
Para uns a vitória é o triunfo máximo; O ápice do poder. A demonstração suprema de superioridade. Para outros é apenas o rumo determinado por escolhas corretas e estratégias bem elaboradas. Mas para um homem a vitória foi algo mais do que isso. Ela foi a definição perfeita da palavra amor. E esse homem a qual me refiro não foi o menino da história que lhes conto, mas sim eu mesmo.
Jamais tornei a voltar naquela região ou avistar novamente aquele menino que sequer me disse seu nome. Mas naquele dia duas moedas foram poucas para toda a alegria que ele havia me proporcionado. A alegria de ter descoberto a verdadeira Vitória…