Edgar Alan Poe
"Daquela noite em diante
virei o mais perverso amante
entre os tantos que conheci
Eram loucos ensandecidos,
regados a malte envelhecido,
brindando a própria escuridão.
Logo quando amanhecia
cada um se despedia
deixando o copo no balcão.
Mas algo estranho aconteceu
quando eu deixei o meu,
pouco antes de sair...
Enquanto andava a passos errantes, penetrou em meus ouvidos
o mais cortante assovio.
Rufam os tímpanos. A porta se abre.
Tomado está meu corpo por um enorme calafrio.
Distante avisto a neblina, fria como se imagina.
Branca como ela é.
Então surge um vulto negro,
e da angústia desse medo, destila-se um corpo de mulher.
Cabelos negros, vestes negro como a peste veste o homem.
Olhos lindos de maltratar a qualquer um que os olhe.
Petrificado, observo seu passar.
Quem será a viúva sofrida, a noiva fugitiva ?
Decidida me ignora, flutua ao bar.
Em um gesto repentino vira seu rosto,
abre seu bico, move os lábios:
Edgar, Edgar...
Embriagado me aproximo,
com a imprudência de um menino
e a estupidez de um velho.
Ela abre um sorriso
como se fosse um aviso
proclamado por um anjo.
Oferece-me uma bebida,
põe num copo bem servido
e o estende até a mim.
A tanto tempo eu não bebia uma dose seca e fria de tão afiado gim.
Esta dose ingrata, que engana e lhe mata pelo aroma da solidão.
Foi minha última companheira e fiel escudeira que levei para o caixão."
- 'Um anjo pousa em meu balcão' -