Dyla Lisbôa
Fico abismada com tanta coisa feia, errada e fora do lugar. Estamos vivendo em crises: crise política, crise financeira, crise hídrica, crise na educação.. mas, em meio a todo tormento, dói mesmo é onde o sapato aperta. Me aperta. A realidade é que, por mais que nos revoltemos com toda a bagunça do país e que queiramos que valores essenciais sejam levados a sério, com ética e decência, nunca vamos lutar enquanto não alfinetar o nosso conforto. A cada dia ficamos mais individualistas e despreocupados com o próximo. Eça de Queiroz diz que "dói mais uma dor de dente que uma guerra na China", e eu reafirmo. Dói mais a degradação da minha justiça e a minha falta de dinheiro. Dói mais a minha sede e as minhas dificuldades. Mas, admitindo tudo isso, o que realmente fere é minha miséria como humana. A grande lástima é perceber que toda essa baderna é a consequência de olhos fitos no próprio umbigo. Não devíamos questionar tais deficiências enquanto não questionarmos nós mesmos. Porque, na verdade, a mais catastrófica crise é a falta de humanidade.
Acredito que felizes são todos os que têm saudades, os que têm boas memórias de momentos especiais com alguém que em algum dia fez parte da sua vida. Acredito que quem se lembra do melhor, mesmo só, é feliz... Foi feliz. Foi feliz a dois, partilhou a felicidade e viu-a crescer. Teve algo bom, que permanece intacto no tempo, nem que seja pela memória. Acredito que essas pessoas que foram felizes e têm saudades têm algo que as sustenta durante o tempo que passa, algo que as une para sempre por mais distintos que sejam os caminhos a percorrer. Acredito que por mais que a memória desvaneça essas pessoas serão sempre felizes em relação ao que passaram, em relação a todos os momentos que partilharam, em relação a todos os sorrisos e sonhos conjuntos, a todas as brincadeiras, a todas as conversas profundas e até a todas as conversas banais. Acredito que todas as pessoas que guardam boas memórias de alguém consigam ser felizes no seu silêncio, até com as lembranças mais barulhentas, mais agitadas, mais vivas. Acredito profundamente que quem deixa boas memórias na nossa vida, nunca morre, está condenado a ser parte de nós para sempre, a ser eterno. Acredito que são apenas essas pessoas, aquelas que contribuem de alguma forma para a nossa felicidade, as únicas que devemos manter por perto... Nem que seja, apenas, em pensamento. Nem que seja, apenas, pelo conforto das memórias. Nem que seja, apenas, pela saudade...
Acredito que todas as pessoas que fizeram parte da na nossa vida e não nos fazem sentir saudades, não nos fazem olhar para trás e ter boas recordações, não nos fazem olhar para trás e ter sequer um pouco de curiosidade ou interesse sobre elas, foram apenas vultos que passaram para nos fazer entender que só quem nos faz feliz é quem nos merece, só quem nos faz feliz permanece.
Por mais que a saudade de bons momentos nos torture... Pior do que isso é não ter saudades, nem boas memórias, nem nada que nos demonstre que em algum momento aquele tempo foi vivido e partilhado ao máximo ou foi, no mínimo, verdadeiro.
Pior do que ter alguém que nos marca ou deixa memórias com as quais temos de saber lidar é ter alguém que não deixa coisa alguma... Nem sequer saudades.